A quantidade de áreas de proteção permanente (APPs) em Goiânia deve ser menor com a atualização do Plano Diretor de Goiânia (PDG), caso a proposta seja aprovada da maneira como se encontra na tramitação na Câmara Municipal. Além da emenda que compõe o relatório final da Comissão Mista que descaracteriza as áreas em lotes lindeiros às vias consolidadas ao longo dos cursos d´água, o projeto enviado pela Prefeitura em 2019 também apresenta propostas que modificam as APPs atuais. As mudanças diminuem as proteções nas margens dos rios, nas nascentes e até mesmo nas encostas e topos de morros.Segundo o engenheiro cartográfico e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Hostílio Maia de Paula Neto, o principal problema do novo projeto de PDG é em relação às matas das margens dos cursos d´água. Atualmente, são APPs, e não podem ser urbanizadas, as faixas bilaterais de 50 metros ao longo de todos os córregos, rios e ribeirões, com exceção do Rio Meia Ponte e ribeirões Anicuns e João Leite, que passa para 100 metros. Esses tamanhos se mantêm, mas o novo projeto modifica o método de cálculo, o que faz diminuir o tamanho da área de proteção.Na lei 171/2007, que é o Plano Diretor em vigor, essas faixas bilaterais começam a ser medidas a partir da cota de inundação dos cursos d´água, ou seja, considera o volume máximo atingido durante o ano, na temporada chuvosa. A proposta que está em tramitação na Câmara faz com que a faixa se inicie no leito regular, ignorando o quanto o volume varia ao longo do ano. Ou seja, no caso de córregos que possuem uma cota de inundação acima de 50 metros, por exemplo, será possível urbanizar terrenos em áreas alagáveis.A ocupação de áreas de inundação já é recorrente na cidade, como ocorreu na região dos setores Recanto do Bosque e Brisas da Mata na última semana em decorrência da cheia do Rio Meia Ponte, que alagou 14 moradias que estão instaladas irregularmente na área de cheia do curso d´água. Segundo Paula Neto, com a mudança no método de cálculo das faixas bilaterais para as APPs, essa situação vai ser mais recorrente na cidade. “É mais sério mudar a fórmula de cálculo do que o tamanho das faixas por si só. Mantiveram o tamanho, mas mudam o cálculo sem se preocupar com as áreas de alagamento”, diz.O professor do IFG ressalta que não há estudo técnico sobre as cotas de inundação dos cursos d´água de Goiânia para avaliar o quanto cada leito atinge com as cheias e então traçar uma área de proteção. “Ninguém mostrou qual é o impacto para o perímetro urbano. Teria que analisar quais as faixas de alagamento, as ocupações nos fundos de vale”, diz, ao lembrar sobre os terrenos mais baixos e acidentados por onde correm os cursos d´água e recebem as águas das chuvas que caem na cidade. Paula Neto diz que as propostas que estão no PDG são mais políticas do que técnicas.Ele cita várias regiões de Goiânia que já sofrem com a questão dos alagamentos, como a Avenida César Lattes no Setor Novo Horizonte, a Avenida T-9 no Setor Bueno e a própria Região Noroeste com o Rio Meia Ponte. “Se pegar o polígono do Meia Ponte, muitos pontos de inundação em áreas urbanas já existem. Com a mudança, o impacto é muito grande, o que vai ser isso no futuro da cidade?”, indaga. O POPULAR teve acesso ao estudo técnico elaborado pela Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) quando da elaboração do projeto do PDG, em que há o pedido de alteração na proposta do Paço Municipal, voltando a medir a partir da calha maior do leito do rio, considerando as áreas inundáveis.O documento, feito em 2021, afirma que os técnicos do órgão ambiental municipal se preocupavam com a “inobservância a toda produção científica que a aponta a necessidade de ampliar a proteção de áreas inundáveis, bem como o distanciamento com as medidas que deveriam ser aplicadas para enfrentar as mudanças climáticas”. Os técnicos da Amma observaram que as propostas do PDG estavam justamente na contramão do que deveria ser feito. Foi citado ainda o caso dos alagamentos na cidade de Belo Horizonte, ocorridos em 2020, que culminou em 30 mil desabrigados em consequência da ocupação urbana nas margens dos córregos.Morro do Mendanha pode ser ocupadoO Plano Diretor de Goiânia (PDG) de 2007, ainda em vigor, determina que “topos e encostas dos morros do Mendanha, Serrinha, Santo Antônio e do Além, bem assim os topos e encostas daqueles morros situados entre a BR–153 e o Ribeirão João Leite” são Áreas de Proteção Permanente (APPs), ficando proibida a ocupação dos mesmos. No entanto, o projeto de lei que atualiza o PDG, modifica a caracterização das áreas a serem protegidas em morros. A regra é que só devem permanecer intactos aqueles que possuem mais de 100 metros de altura e inclinação média maior que 25°.As únicas exceções passam a ser os morros do Além e Santo Antônio. Com isso, morros como o Mendanha, na Região Noroeste, e o Serrinha, na Região Sul, que possuem menos de 100 metros de altura, deixam de ser protegidos e passam a permitir o adensamento, ou seja, a ocupação de seus topos. No caso do Mendanha, até mesmo a encosta poderá receber construções, segundo conta o engenheiro cartográfico e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Hostílio Maia de Paula Neto. “Só o Serrinha tem uma declividade maior que 25°, mas não tem a altura, como nenhum outro de Goiânia possui. Com essa mudança na regra, todo o Mendanha poderá ser adensado, desde o topo e a encosta. O Serrinha é uma área estadual, mas, mesmo assim, quando deixa de ser uma APP, deixa de ser uma unidade de conservação também, pode ser que se permita as construções”, explica Paula Neto. Ele acredita que o principal problema é ter feito as mudanças sem observar a realidade da cidade o quanto vai ser danoso para o meio ambiente essas alterações nas regras. Atualmente, já há ocupações nas encostas do Morro do Mendanha e mesmo no Morro da Serrinha, na região do Setor Pedro Ludovico. Neste caso, recentemente, houve ocupações até mesmo no topo.Proposta retira uso de aerofoto de 1988Uma outra mudança que está no projeto de atualização do Plano Diretor de Goiânia (PDG) no que se refere a caracterização das Áreas de Proteção Permanente (APPs) é com relação às áreas recobertas com florestas, cerrado ou savanas que estavam registradas na aerofoto da capital de 1988. Ou seja, todas as áreas com vegetação nativa demonstradas na aerofoto em questão deveriam ser protegidas. A atualização em tramitação na Câmara, no entanto, retira essa caracterização, o que, para técnicos da Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato, causa prejuízo nos processos ambientais do município.Isso porque a aerofoto de 1988 é a referência atual para autuação em processos de descaracterização de APPs. Ocorre que quando um proprietário entra com algum processo na Amma para a construção de um empreendimento, a foto é verificada para saber se houve a preservação da APP. Um dos casos emblemáticos é a construção do Parque Sebastião Julio Aguiar, localizado no Setor Parque Oeste Industrial, iniciado em 2019 e inaugurado no final de 2020, com 113 mil metros quadrados (m²). A unidade foi feita em contrapartida por construtoras, que possuem empreendimentos na região e essa área só foi possível manter nesta dimensão em razão da aerofoto.O POPULAR apurou que havia discussões sobre o tamanho da área que seria a unidade de conservação. Técnicos da Amma ouvidos pela reportagem contam que a unidade deveria ser ainda maior, dado estar em uma região de veredas, mas que a degradação se deu antes da aerofoto de 1988. Foi com o uso da aerofoto que a Amma conseguiu resguardar a área restante, já que havia o interesse em reduzir o espaço do parque. “Se mudar isso no Plano Diretor a gente perde a referência jurídica. A gente pode até continuar usando a aerofoto nos processos que verificam as APPs, mas não terá mais o respaldo jurídico e, provavelmente, não valerá o parecer que adotar isso”, afirma um dos técnicos ouvidos.Por outro lado, o novo PDG estabelece APPs para as veredas, que são formações vegetais localizadas próximas a áreas de nascentes. A nova regra é para proteger em faixa marginal de projeção horizontal com largura de 50 metros a partir do espaço encharcado. Mas quanto às nascentes, há outra mudança que tende a reduzir as áreas de proteção permanentes, já que, assim que a proposta for aprovada, apenas aquelas permanentes vão contar com APPs. O novo documento retira as áreas protegidas das nascentes intermitentes, que afloram no período chuvoso, e as temporárias, que aparecem durante as chuvas no local.Outra alteração que deve gerar mais redução nas áreas de proteção que existem atualmente é com relação às encostas, que se refere aos morros e também aos locais com declividade, como os fundos de vale. Atualmente, a regra do PDG de 2007 determina que ficam protegidas as encostas com vegetação ou partes destas com declividade superior a 40%, que é o mesmo que 21,8º. A proposta a ser apreciada pelos vereadores é que apenas aquelas com declividade superior a 45° devem continuar como APPs. A ocupação das encostas, segundo os ambientalistas, gera erosão e deslizamentos de terra. -Imagem (Image_1.2387790)-Imagem (1.2387821)