A Polícia Civil pediu o arquivamento do inquérito que apurou a morte da estudante de enfermagem Leidiane Teixeira da Cruz, aos 28 anos, em um acidente envolvendo um ônibus da Metrobus no Eixo Anhanguera, em Goiânia, em 17 de agosto de 2022. Leidiane se desequilibrou quando o motorista fez uma curva acentuada e, ao se encostar em uma das portas, ela se abriu e a mulher caiu para o lado de fora, na rua, não resistindo aos ferimentos. Para o delegado Paulo Ludovico Evangelista da Rocha, da Delegacia Especializada em Investigação de Crimes de Trânsito (Dict), tanto a vítima como a empresa “agiram de forma culposa” na sequência de eventos que culminaram com a morte.No relatório entregue à Justiça, mesmo reconhecendo que a porta do ônibus se abriu por uma falha no sistema mecânico, o delegado afirma que Leidiane foi “imprudente” ao viajar em pé, sem se segurar devidamente nos dispositivos próprios existentes no veículo, como corrimões, e se posicionou em um “local de risco potencial”, no limite da escada do elevador para cadeirantes. Segundo Paulo, a estudante “não se atentou às normas de segurança recomendadas”, “também contribuindo para a queda que redundou em sua morte”. Ele cita no documento um laudo elaborado por terceiros a pedido da própria Metrobus, anexado ao inquérito.O delegado também cita dois laudos periciais feitos pela Polícia Científica, apontando que a porta estava, sim, com problemas e que por duas vezes essas falhas foram reportadas em documentos de vistoria, sendo o último registro seis dias antes do acidente. A conclusão de ambos os laudos é que a abertura da porta por falha no sistema mecânico fez com que Lidiane caísse para fora do veículo após se desequilibrar. Caso contrário, ela teria continuado dentro do ônibus. Além disso, as perícias apontam que não foi feita a manutenção correta do sistema quando o problema foi noticiado. Mas para Paulo, a Metrobus foi apenas “negligente” ao permitir que o ônibus continuasse circulando.A investigação foi concluída três anos depois por causa da demora em se apurar uma falsificação em um documento interno da Metrobus que liberou o ônibus na segunda passagem pela oficina por causa do problema na porta. Entretanto, quando essa questão foi elucidada, o delegado concluiu que tal diligência “em nada contribuiu para apuração da morte da vítima, vez que uma das testemunhas já informou ter feito a rubrica em lugar de outrem e eventual conduta delituosa afeta ao documento deve ser apurada na delegacia de polícia com atribuição para tanto”. Para a polícia, apesar da falsificação, não há como relacionar isso ao acidente que matou Leidiane.O POPULAR teve acesso ao inquérito e a única parte que de alguma forma responsabiliza Leidiane pela queda é o parecer técnico elaborado pelo Instituto Goiano de Perícias (IGP) e entregue pela defesa da Metrobus. Esse documento afirma que a porta se abriu apenas em consequência do impacto da vítima contra ela, após se desequilibrar e ser lançada no vão da escada. A força desse impacto teria, segundo este laudo, excedido a força que mantinha a porta fechada pelo sistema de pressão pneumática. O delegado frisa, entretanto, que a perícia do IGP contradiz o laudo oficial da Polícia Científica ao afirmar que um possível defeito não promoveria abertura indevida da porta.O laudo de perícia no veículo feito pela Polícia Científica aponta que houve um “empenamento na guia do sistema de rolete da porta e um rolete desgastado, que deveria ser cilíndrico, apresentando uma cunha de desgaste”. O delegado escreve que este laudo concluiu que a abertura da porta que permitiu a queda da vítima se deu por uma falha no sistema mecânico de abertura e fechamento da porta, e a manutenção foi inadequada. Não é citado nada que responsabilize Leidiane pelo acidente, como a localização dela dentro do ônibus ou a pressão de seu peso na porta ao se desequilibrar. O delegado frisa que o motorista que estava no ônibus no momento do acidente não tem nenhuma responsabilidade pelo acidente, pois o “conduziu sem desrespeitar as normas de trânsito”. Já a Metrobus falhou na comunicação e no conserto da peça da porta que estava com problemas e “atuou de forma negligente ao disponibilizar o ônibus para o motorista fazer o seu trajeto”. Paulo argumenta não haver possibilidade legal de colocar uma “pessoa jurídica” como “sujeito ativo de crime”, salvo em crimes ambientais, portanto a responsabilização da Metrobus deve ser apurada em outra esfera jurídica, “diversa da criminal”. Leidiane era casada com um vendedor ambulante com quem tinha dois filhos, com 8 e 11 anos de idade na época. O acidente foi na hora do almoço, por volta de 13h30, na Avenida Anhanguera, na altura da Vila Morais. Em depoimento à Polícia Civil, testemunhas contam que o ônibus estava lotado e que a vítima, na porta da direita e não da esquerda, que é a que abre nas plataformas. Imagens de câmeras internas do veículo confirmam essa versão. A estudante chegou a ser levada para o Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (Hugo), mas não resistiu aos ferimentos da queda na rua, quando bateu a cabeça no asfalto. Uma ação por indenização tramita em sigilo na Justiça. O POPULAR não conseguiu acesso ao processo.