O Ministério do Meio Ambiente adiou o início da vigência da nova lista de espécies ameaçadas de extinção no país. O motivo foi o possível impacto que seria causado pela medida, sobretudo em razão da parte que diz respeito a peixes, entre os quais o pintado, espécie que, inclusive, levou à mobilização do setor pesqueiro e do governo sul-mato-grossense.O adiamento foi publicado em portaria, no último dia 5, e assinado por Joaquim Leite, ministro do Meio Ambiente.Inicialmente, a nova lista de espécies ameaçadas foi publicada em junho deste ano, passando a valer no mesmo momento.Porém, uma nova portaria, que saiu em setembro, jogou para o dia 6 deste mês o início da vigência dos anexos 1 e 2 da lista, que tratam de flora e fauna em risco.Já a vigência do anexo 3, que é direcionado aos peixes e invertebrados aquáticos, foi adiada para 5 de dezembro deste ano. O pintado (Pseudoplatystoma corruscans) é um dos animais que entrou na nova lista —com a classificação de vulnerável— e que tem um peso relevante na questão do adiamento.Segundo documentos do Ministério do Meio Ambiente aos quais a reportagem teve acesso, houve um erro na publicação da primeira portaria. A vigência imediata (considerando tanto o mês de junho quanto o atual) não dava tempo hábil para que partes interessadas, como o setor pesqueiro e o madeireiro, por exemplo, tomassem conhecimento das novas espécies incluídas no rol.A presença dos animais na lista leva à proibição de captura, transporte, armazenamento e comercialização de exemplares. Considerando que a caça já é proibida no país, o impacto maior acaba sendo sobre os bichos que "usamos": os peixes e invertebrados aquáticos. Com isso, entram em jogo interesses comerciais. O adiamento é atribuído à pressão de associações de pesca.Leia também:- Pesca do pintado, uma das principais espécies do Rio Araguaia, será proibida a partir de dezembro- Seca, lixo e incêndio são urgências ambientais em Goiás- MPF apura supostas irregularidades contra onças em instituto, em GoiásO governo sul-mato-grossense pediu ao Ministério do Meio Ambiente que a lista fosse postergada. "Essa espécie [o pintado], no estado de Mato Grosso do Sul, não é ameaçada. Nós precisamos desse tempo para apresentar a defesa técnica ao ministério, visando a retirada. Caso isso não ocorra, Mato Grosso do Sul partirá para uma lista própria [de espécies ameaçadas]", afirmou, à reportagem, Jaime Verruck, secretário da Semagro (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul).Segundo Ana Paula Prates, doutora em ecologia e diretora do Instituto Talanoa, que discute política climática, um dos problemas enfrentados é que nem sempre a pesca é a maior ameaça para algumas espécies de peixes. Esse é, inclusive, o caso do pintado, que tem nas pequenas usinas hidrelétricas o seu maior algoz existencial.De toda forma, aponta a especialista, a pesca do pintado deve ser proibida em algumas áreas onde a ameaça a espécie é consideravelmente maior, como na bacia do rio São Francisco. Para outras áreas, um plano de recuperação da espécie, considerando as demais ameaças além da pesca, seria o mais indicado, na avaliação dela."Quando você bota na lista de espécies ameaçadas, não necessariamente a pesca deve ser proibida de imediato, pois a espécie pode estar sendo ameaçada por outros vetores como a perda de habitat, poluição, interrupções de rios entre outros. Por isso, o ideal é prever a elaboração e implementação de planos de recuperação dessas espécies, o mais rápido possível", diz Prates.A especialista cita também o caso do guaiamum (Cardisoma guanhumi) —vulnerável, segundo a nova lista—, que tem como principal ameaça a perda de habitat (manguezais), e não necessariamente a pesca. "Você acaba prejudicando os pescadores que usam a espécie. O ideal, nesses casos, é você ter planos de recuperação, que vão considerar todas as ameaças incidentes sobre a espécie, inclusive a pesca."As restrições da lista de peixes ameaçados, segundo a legislação, não se aplicam a situação de cativeiros licenciados por órgãos ambientais.Recentemente, o TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu que espécies de peixes ameaçadas não são passíveis de uso sustentável, sendo que somente as classificadas como vulneráveis poderiam ser manejadas dessa forma.TubarõesA pesca de algumas espécies de tubarões foi motivo de discussão quando a lista de espécies ameaçadas estava a ponto de ser finalizada, no fim do ano passado, mostram documentos do Ministério do Meio Ambiente aos quais a Folha teve acesso.Com um pedido extemporâneo (considerando os procedimentos para realização da lista), Jorge Seif Jr., então secretário de Aquicultura e Pesca, solicitou que algumas espécies de tubarões não fossem incluídas no rol de ameaçadas.Foram elas o tubarão popularmente conhecido como mako (Isurus oxyrhynchus), o tubarão-azul (Prionace glauca), tubarão-de-focinho-negro (Carcharhinus acronotus), o tubarão-galha-preta (Carcharhinus brevipinna), o tubarão-seda (Carcharhinus falciformis) e o tubarão-cabeça-chata (Carcharhinus leucas).No começo do ano, o governo Jair Bolsonaro (PL) publicou uma portaria que autorizava a exportação do tubarão mako, espécie que consta em listas internacionais de animais ameaçados.Segundo Seif Jr., o pedido extemporâneo ocorreu devido à espera, por parte da Secretaria de Pesca, da finalização da reunião do ICCAT (International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas, ou, em português, Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico), uma entidade internacional que, basicamente, traz dados e regulamenta a pesca de atum e seus similares.O Brasil é parte da ICCATO então secretário afirmou que, sem o conhecimento sobre as atualizações da ICCAT, não havia como a secretaria se posicionar sobre a questão dos tubarões em questão, que, ressalta Seif Jr., têm comportamentos migratórios.A partir do pedido de Seif Jr., foi criado um grupo de trabalho para verificar novamente a situação dos tubarões citados pelo então secretário.Caso você esteja se perguntando qual seria a importância de tubarões para o mercado pesqueiro, pense em cação. No Brasil, a carne de diferentes espécies de tubarão, inclusive bichos ameaçados, é vendida sob o nome genérico de cação. O país é tido como o maior consumidor de carne de tubarão do mundo.A família Seif Jr., responsável pela empresa JS Captura e Comércio de Pescados Ltda, é proprietária de uma frota de embarcações e conhecida no universo pesqueiro nacional. O ex-secretário de Pesca era ativo na empresa antes de ocupar o cargo no governo Bolsonaro.