Atualizado às 20h29É com nervosismo, mas com boas expectativas, que a advogada Vercilene Dias, de 28 anos, aguarda o momento da defesa de sua dissertação de mestrado, nesta quinta-feira (21), às 14 horas, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG). Com uma pesquisa que abordará a disparidade na regularização fundiária na Comunidade Quilombola Calunga, localizada na Região Nordeste do Estado, ela espera poder levar melhorias para a população, que ainda busca a resolução dos problemas relacionados à titulação das terras. Desde já, a pesquisadora conquistou um feito: o de ser a primeira mulher quilombola com mestrado em Direito no País. As informações são da assessoria de imprensa da instituição.Em 2017, Vercilene ingressou no Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da UFG, onde desenvolveu o trabalho que teve como motivação mostrar a situação na perspectiva da própria comunidade quilombola, envolvendo as relações socioculturais e os aspectos jurídicos existentes.“Eu construí esse trabalho na expectativa de obter melhoria e relatar o que realmente acontece e as pessoas não relatam. [...] Tenho a intenção de mostrar como aconteceu e acontece a titulação do território. É um processo que dura mais de 30 anos e até hoje não foi resolvido”, diz ela. “Minha expectativa é muito grande sobre a possibilidade de resolver as questões territoriais do Território Calunga”, continua.O título da dissertação da advogada é “Terra versus Território: Uma Análise Jurídica dos Conflitos Agrários Internos na Comunidade Quilombola Kalunga de Goiás” e aborda a situação encontrada nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre.“Quando ficavam sabendo que eu sou advogada, eles (integrantes da comunidade) relatavam o que estava acontecendo, os conflitos, na intenção de que eu pudesse resolver a situação. Mas não é assim. Quando começávamos a falar sobre os meios que eles poderiam encontrar para resolver a situação em que estavam envolvidos, eles não tinham conhecimento. Os que tinham conhecimento desacreditam na resolução da questão, pois são mais de 30 anos em que eles lutam”, conta ela.“Alguns, como as pessoas mais velhas, já estão cansadas de esperar para regulamentar o território. É muito tempo para se esperar. Eles não perdem a esperança e sempre lutam para defender aquilo que é deles. Mas há uma desconfiança muito grande e por isso eles preferem relatar apenas para as pessoas mais próximas, da própria comunidade”, continua a pesquisadora.Segundo Vercilene, o resultado do trabalho é aguardado com ansiedade também pelos colegas de universidade e da comunidade. “A expectativa é muito grande. Não sei se é mais por minha parte ou da (parte) do pessoal. Todo mundo está naquela felicidade imensa, me mandando mensagens. Estou muito nervosa, mas tomara que dê tudo certo”, anseia.HistóricoVercilene ingressou no curso de Direito da UFG em 2011, pelo programa UFGInclui, formou-se em 2016, tornou-se a primeira advogada quilombola a passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Goiás (OAB-GO), e em 2017 deu início ao mestrado em Direito Agrário. A pesquisadora remanescente da comunidade quilombola Calunga também é diplomada em Estudo Internacional em Litígio Estratégico em Direito Indígena pela Pontifícia Universidade Católica do Peru.Advogada Popular, participou do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Najup) da Faculdade de Direito da UFG, do Projeto de Extensão Girau de Saberes: Saberes e Ofícios em Comunidades Tradicionais, sob coordenação da Professora Maria Tereza Gomes da Silva; do Programa de Extensão Calunga Cidadão: Promoção da Igualdade Racial na Comunidade Rural Quilombola Calunga, sob coordenação da professora Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega. Associada à Associação Brasileira de Pesquisadoras/es Negras/os (ABPN).Vercilene entende que ainda há um longo caminho pela frente. “No mestrado, tornei-me protagonista e não apenas objeto de pesquisa. Tenho como projeto de pesquisa o estudo dos conflitos internos gerados pelas disparidades da regularização fundiária na comunidade calunga. Sou assessora jurídica da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e advogada trainee na organização Terra de Direitos. Sinto-me realizada, talvez não totalmente, tenho muito a conquistar e a fazer, mas estou cumprindo o propósito que tanto almejei para com minha comunidade”, ressalta.