Ricardo Cabello, ou Ricardinho, como também é conhecido, é um escritor goiano que, além de escrever histórias nas páginas de livros, (re)escreve histórias na vida de várias crianças. Com o projeto “Nunca Desista dos Seus Sonhos”, que ao final de 2022 completa sete anos, Ricardinho já abriu várias bibliotecas em escolas públicas infantis no estado de Goiás.O projeto, que tem a educação como combustível, é destinado a creches e escolas carentes que não possuam ainda, em suas dependências, um espaço de leitura. Além da abertura das bibliotecas, Ricardinho possui também ações de cunho social em abrigos, asilos e clínicas de recuperação em épocas comemorativas, como Páscoa, Festa Junina, Dia das Crianças e Natal. A história de Ricardo com os livros não começa na vida adulta, mas quando ele tinha dez anos. Nascido em Britânia, cidade a 315km de Goiânia, Ricardinho sofreu bullying na escola por conta do tamanho de suas orelhas e isso fez com que se afastasse dos colegas de classe, preferindo passar o tempo do seu intervalo entre as aulas na biblioteca da escola.E foi aí que o seu amor pela literatura começou. Ele conta que se destacou em sua turma após um concurso de redação. “O tema era livre e cada aluno escreveu sobre um assunto. Eu resolvi fazer uma carta aberta falando sobre como eu me sentia quando as crianças zombavam de mim e como elas não me incluíam em grupos. Ao ler em voz alta, minha professora e meus colegas ficaram emocionados”, diz. O relato emocionante lhe rendeu o prêmio de melhor redação. Então, a partir daí, ele percebeu que deveria começar a levar as crianças para o seu mundo: o da biblioteca. Ricardinho conta que, ao ler a carta, ele percebeu que as outras crianças não lhe criticavam por maldade, mas por aquilo ser um reflexo do que elas viviam em casa. Aos 15 anos, Ricardinho se mudou para Goiânia, terminou seus estudos e decidiu correr atrás dos seus sonhos e foi para fora do Brasil. Morando na Irlanda, um país no qual ele se diz apaixonado, ele conheceu vários outros brasileiros que quiseram compartilhar sua experiência de vida fora de casa.Foi então que surgiu a necessidade de escrever o diário “Nunca Desista dos Seus Sonhos”, um livro que carrega relatos de como é viver em outras culturas. Ao terminar a escrita, ele voltou para Goiânia e, mesmo sempre fazendo distribuição de cestas básicas quando estava no Brasil, percebeu que precisava de algo grandioso.Então, com o objetivo de vender os 200 exemplares para conseguir realizar o seu primeiro ‘Natal Solidário’ em uma comunidade carente da capital, ele colocou todos os livros em uma mochila e saiu vendendo pela cidade. Todos foram vendidos no mesmo dia. Com o dinheiro arrecadado, em 2015, ele realizou o evento.Leia também:- Biblioteca do CCON está fechada em Goiânia e usuários reclamam- TCM-GO proíbe Prefeitura de Goiânia de fechar salas de leitura nas escolas- Fechamento de bibliotecas em Goiânia revolta educadores e provoca reação da comunidadeA partir daí, aconteceram outras edições até que chegou em um ponto em que ao seu lado estava um grupo enorme de voluntários. Dois anos depois, Ricardinho diz que percebeu que precisava renovar seu projeto e teve a ideia de lançar a campanha de arrecadação de livros “Doe um Livro e Alimente o Sonho de Uma Criança". Então, ele mandou fazer várias caixas para doação de livros e espalhou por todo o tipo de local: shoppings, academias, clínicas, salão de beleza.“Com isso, consegui arrecadar livros literários e fui atrás de parceiros para fazer a estrutura da biblioteca, com prateleiras e decoração. A ideia é transformar o espaço em um local que seja legal para a criança ler, com mesas e puffs”, fala. Com um grande acervo de livros, Ricardinho diz que as bibliotecas colocam “qualquer outra biblioteca particular no 'chinelo''', ao destacar a qualidade dos espaços. “Não é porque é para pessoas pobres que pode ser qualquer coisa não. Minhas bibliotecas são de primeira qualidade”.Leitura precisa ser compartilhadaPara que uma escola possa abrigar uma de suas bibliotecas, é preciso que, além de cumprir o fator primordial de estar localizada em uma região carente e periférica não tenha uma biblioteca no local. Depois, há o compromisso da direção da escola no qual cada aluno precisa levar semanalmente um livro para a casa, ler com os pais ou responsáveis e na semana seguinte, ter o ‘momento do livro’, no qual cada colega compartilha o que leu em sua casa. “O hábito da leitura é criado na primeira infância. Se você tirar isso deles, dificilmente essa criança vai se tornar um adulto leitor”, diz o idealizador do projeto.Ricardinho conta que nunca recebeu um ‘não’ de nenhuma coordenação das escolas. O projeto não possui nenhuma despesa para os cofres públicos e, segundo ele, “acaba fazendo o trabalho do governo”. “Há escolas em bairros carentes e que são afastados que não tem nenhuma biblioteca. Muitas vezes os alunos vão lá somente por conta da merenda”, diz. Cmei Jardins do Cerrado IV é um dos que foi contemplado com a biblioteca solidáriaNa região Oeste de Goiânia, o Cmei Jardins do Cerrado IV, inaugurado no final de 2020, tem em suas dependências uma das bibliotecas do projeto social. O local atende 166 crianças, de seis meses a cinco anos e 11 meses.A diretora da instituição, professora Leda Servato, conta que as atividades educativas começaram ainda na pandemia e com um ensino remoto. O local novo e em uma região periférica de Goiânia, foi uma oportunidade acertada para a criação da biblioteca. A sala destinada ao espaço de leitura era até então uma ‘sala multiuso’, e com a inauguração, agora conta com quase 2 mil livros, mesas, cadeiras e um tapete grande com almofadas.Para que o momento de leitura não seja restrito ao espaço escolar, o Cmei criou o projeto “Asas de papel”, que conta com atividades que incluem os livros, como rodas de contação de histórias, apresentação coletiva para os colegas, teatro, musical e a “maleta viajante”, uma pasta na qual a criança leva um livro para casa e, junto com os pais, preenche uma ficha de leitura e realiza uma atividade proposta pela professora de acordo com a história lida.“É uma ação que a gente pensou com a família pois a criança, aqui na instituição, consegue participar de vários momentos literários, mas a gente quis atingir as famílias e impactá-las positivamente, para que eles percebam a importância do livro”. Leda conta que a relação estudante-livro-família é uma tentativa de resgatar o amor pela leitura.“Por mais que eles (alunos) gostem de ‘telas’, com os livros é diferente. Aqui, eles já sabem onde estão os livros, pegam, folheiam, sentam nas mesas ou no tapete. Eles já compreendem o funcionamento da biblioteca”, diz. “A nossa proposta é tornar as nossas crianças leitoras, para que elas desfrutem dos livros e se apropriem das histórias, se tornando leitores de verdade”.A biblioteca funciona também como uma ferramenta para os professores do local. “A partir do livro, o pedagogo pode trabalhar diversos conceitos e propor atividades diferentes. É tudo construído a partir de interesses da criança. É feito em conjunto”, explica Leda. Além do empréstimo de livros para as crianças, os servidores e responsáveis pelos estudantes também são contemplados com o incentivo.A Priscila Cândida, mãe do pequeno Alisson, de três anos, diz que a primeira vez que receberam a maleta em casa foi uma grande novidade. “Sentei com ele no chão para contar a história do livro ‘A menina que tinha um céu na boca’ e, como criança, ele quer além de ouvir, também ver o que estamos lendo, com muita curiosidade para ver as figuras do livro”. Ela diz ainda que tudo tem um começo e que é preciso incentivar a leitura dos filhos.Qualquer pessoa pode ajudarAo lado de Ricardinho, grandes artistas resolveram abraçar a causa pela educação, como o ator Reinaldo Gianecchini, a blogueira Andressa Suita e os cantores Maiara e Maraisa e Felipe Araújo, além de empresários. Mas o idealizador do projeto alerta que cada um pode ajudar à sua maneira.“Se você tem condição de ajudar como o meu projeto faz, você pode começar na sua rua… E aí, quando você perceber, estará ajudando no seu bairro e depois na sua cidade. O segredo é querer”, diz Ricardinho. Ele comenta também sobre o fato de não morar no Brasil, mas ainda assim manter um projeto solidário no país. “Não existem barreiras e nem muito menos fronteiras para quem realmente quer ajudar o próximo”.O que a legislação diz sobre as bibliotecas nas escolasNo Brasil, a Lei 12.244/2010 determina que todas as instituições de ensino públicas e privadas devem contar com bibliotecas, sendo obrigatório o acervo de livros na biblioteca de, no mínimo, um título para cada aluno matriculado. A bibliotecária e doutoranda na área, Larissa Cavalcanti destaca que as bibliotecas são uma ferramenta pedagógica importante e que fortalece o que é ensinado em sala de aula.“Na biblioteca, os estudantes acessam informações, estimulam a aprendizagem, tem a prática da pesquisa escolar, tem incentivo à leitura e um amplo repertório cultural”, diz a especialista e reforça a necessidade da presença de um bibliotecário para cada espaço, visto que são “profissionais aptos a exercer o papel de mediador da informação”.-Imagem (1.2572308)-Imagem (1.2572861)-Imagem (1.2572315)