Na última quarta-feira (10) foi lançado oficialmente, em Goiânia, o maior projeto em extensão sobre pesca e comportamento de peixes da América do Sul. O Projeto Piraíba foi idealizado pelo Instituto Onça Pintada (IOP) e tem por objetivo investigar e monitorar, a longo prazo, os peixes da bacia do Rio Araguaia, tendo como alvo central a espécie piraíba, que ocupa o topo da cadeia ictiológica. Nove bases com radiofrequência serão instaladas ao longo da divisa de Goiás com o Mato Grosso. Os primeiros resultados deverão ser conhecidos em um ano.Empresário e amante de pesca esportiva, Eduardo Câmara assumiu a presidência do Instituto Piraíba, à frente do projeto homônimo. Ele conta que o propósito é ambicioso, mas prefere não falar em números. O financiamento da fase inicial foi abraçado por um grupo de empresários que apostaram na ideia dos biólogos Leandro Silveira e Anah Jácomo, do IOP, respeitados por seu empenho em práticas de preservação da biodiversidade. Além de buscar mais apoios na iniciativa privada, o Instituto Piraíba pretende convencer órgãos públicos da importância do projeto, que tem cunho científico.Eduardo Câmara explica que o Rio Araguaia, com quase 3 mil km, é um dos mais longos do país e um rico corredor de biodiversidade. “Leandro Silveira reuniu um grupo de pessoas para falar do seu desejo de estudar animais que ocupam o topo da cadeia alimentar, por isso a piraíba foi escolhida.” Ele lembra que a espécie é um troféu para amantes da pesca esportiva, mas hoje são capturados indivíduos de 1.40 metro a 1.50 metro, enquanto o peixe pode chegar a quase 3 metros. “O projeto vai ajudar na preservação da espécie.”O Instituto Piraíba buscou a bióloga Lisiane Hahn, doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, para coordenar os estudos. Pesquisadora experiente, com participação em projetos no Brasil e no exterior, Lisiane assinou análises do comportamento natatório de ictiofauna durante a instalação das hidrelétricas de Belo Monte (PA), Santo Antônio e Jirau (RO) e Teles Pires (PA/MT), utilizando sistemas de radiotelemetria e telemetria acústica, como será feito no Projeto Piraíba. Lisiane é diretora técnica da Consultoria Ambiental Neotropical, com sede em Passo Fundo (RS).Lisiane Hahn pesquisa grandes bagres há mais de dez anos, mas, segundo ela, ainda sabe-se muito pouco da piraíba. A bióloga, que tem se dedicado ao estudo da migração de peixes com aplicação de novas tecnologias, ressalta que a maioria esmagadora das pesquisas sobre bagres no Brasil foi feita em rios sob impacto de construção de hidrelétricas. “O que é mais importante desse projeto é que o recorte escolhido do Araguaia ainda não tem barragens. A piraíba tem mais de 2 mil km para se movimentar.”CapturasApós elaboração do projeto e com autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), em agosto último Lisiane e sua equipe fizeram as primeiras capturas e cirurgias em piraíbas que serão observadas. O peixe é capturado, anestesiado e, através de um pequeno corte, recebe um transmissor que emite sinal de rádio. Solto no rio, seu movimento é captado por antenas instaladas em bases fixas que registram todas as informações. Inicialmente cem peixes vão receber transmissores, número que pode chegar a 500.A primeira base, das nove previstas no recorte do Rio Araguaia que envolve Goiás e Mato Grosso, foi instalada em São José dos Bandeirantes, distrito de Novas Crixás. A expectativa é que outras três sejam montadas ainda este ano. “Não é um projeto barato. Os equipamentos são importados do Canadá e a mão de obra não está disponível em qualquer lugar, mas é importante lembrar o que esse estudo pode gerar de retorno econômico”, afirma Lisiane. Segundo a bióloga, somente a pesca esportiva da piraíba gera algo em torno de R$ 1 bilhão por ano. “Isso é subestimado. Em 2005, um estudo mostrou que o valor recreativo do Rio Araguaia, somando todos os gastos, chega a R$ 17 bilhões anuais.” Guias de pesca são aliados da iniciativaO Projeto Piraíba tem três linhas de atuação: comportamento e ecologia de peixes, a pesca esportiva e a pesca artesanal. Com uma base de dados robusta, será possível entender não apenas o comportamento da espécie, mas também o seu quantitativo e o real cenário da pesca. Um dos mais importantes focos da proposta são os ribeirinhos, os guias que anualmente atendem a centenas de grupos de aficionados pela pesca esportiva. “Temos essa vertente de ciência cidadã, envolvendo as comunidades locais. Quem vive à beira do rio tem muitas informações”, afirma Eduardo Câmara.Ainda neste mês de novembro, o professor doutor Domingos Garrone Neto, biólogo que é a maior autoridade brasileira na produção de conhecimento científico voltado à conservação de peixes e socialização da ciência, estará em Cocalinho (MT) para ministrar o curso de capacitação para condutores de turismo de pesca sobre Monitoramento Participativo e Boas Práticas de Pesca Esportiva. Domingos Garrone criou e coordena o Projeto Robalo, que estuda o deslocamento da espécie.“Este curso vai abranger boas práticas na pesca esportiva, visando aumentar a sobrevivência dos peixes”, esclarece Lisiane. Ela salienta que os guias poderão ganhar reconhecimento de turistas pelo valor agregado à atividade. “Eles estarão capacitados para dizer o tempo ideal de exposição do peixe para uma fotografia ou como retirar o anzol sem machucá-lo, por exemplo.” Os guias de pesca também vão contribuir com o projeto com informações enviadas através de um aplicativo, sobre o tamanho do peixe capturado, o peso e o local da captura. -Imagem (1.2353839)