Atualizada às 21h13Um grupo de alunos da Universidade Federal de Goiás (UFG) se reuniu nesta segunda-feira (21) para cobrar da universidade um posicionamento sobre uma decisão judicial que tirou de uma cotista o acesso a uma vaga para professor da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC). O caso foi revelado pelo POPULAR na última sexta-feira (18).A doutora em Comunicação Audiovisual pela Universitat Autónoma de Barcelona, da Espanha, Gabriela Marques Gonçalves, concorria a uma vaga que estava classificada no edital como para cotista. Ela ficou entre os cinco aprovados, na terceira posição. Como havia a reserva para pessoas negras, ela foi declarada vencedora e nomeada para a posição. No entanto, o concorrente que havia ficado em primeiro lugar recorreu à Justiça e conseguiu uma medida cautelar até que a questão seja julgada (leia mais abaixo).Rodrigo Gabrioti de Lima foi nomeado na última quarta-feira (17) para o cargo da UFG. Ele é doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).O ato desta segunda-feira tem como motivação pedir um posicionamento da universidade a respeito do caso. A mobilização é realizada pelo coletivo Cotistas UFG. O grupo se concentrou em frente ao Teatro Belkiss Specière, da Escola de Música e Artes Cênicas, no Câmpus Samambaia. Eles fizeram cartazes em defesa das cotas com dizeres como: “Justiça não é cega, ela é racista”, e “Não aceitamos professor racista”. Os cartazes foram afixados na FIC e também na Reitoria da UFG para chamar atenção para a questão. O juiz Urbano Lela Berquó Neto acatou o pedido dos advogados de Lima. Eles argumentam que por se tratar de apenas uma vaga para o cargo, a UFG não poderia estipular a reserva. No entanto, a universidade se baseia em um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a medida se aplica, pois o concurso tinha número global de vagas igual a 15 no caso, considerando os outros 14 cargos distintos.“A UFG não pode escolher onde vai colocar a cota, publicar um edital com vários cargos distintos e somá-los para atender ao quantitativo da lei. Para ter a cota, no caso, deveria ter ali um quantitativo de vagas (de no mínimo três) e não tinha”, afirma um dos advogados de Lima, Sergio Antônio.A decisão do juiz de Goiás é alvo de um recurso para tentar revertê-la. O pedido é da defesa de Gabriela. A argumentação será julgada no Tribunal Federal da 1ª Região (TRF1). O mérito da questão, no entanto, ainda será apreciado futuramente, mas em primeira instância.Os advogados de Gabriela compartilham do entendimento da UFG a respeito da forma de reserva de vagas para pessoas negras. “Uma decisão como esta nos causa espanto”, afirmou o defensor Marcus Felipe Bezerra Macedo na sexta.Gabriela demonstrou ao POPULAR estar sensibilizada com a situação. Em áudio, ela firmou na sexta que experimenta um misto de frustração e cansaço. Ela contou que chegou a dispensar os dois empregos que tinha visando a posse como professora da FIC na UFG, o que ainda não se concretizou. “É como se eu tivesse o tempo todo sendo provada”, desabafou.InterpretaçãoO advogado Gustavo Nogueira Filho, que preside a Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Goiás (OAB-GO), considera que a UFG não está equivocada no processo seletivo em questão. A avaliação do operador do Direito é com base na Ação Direta de Constitucionalidade nº 41. O texto diz que “os concursos ão podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas.” “Se a universidade não observasse isto, você teria 15 vagas e nenhuma delas respeitando os 20% da reserva para negros”, completa.Universidade tenta reverter decisãoA UFG já ingressou com um recurso contra a cautelar que foi acatada pelo juiz e determinou a suspensão da nomeação da candidata cotista. “A universidade já entrou com um recurso alegando a legalidade e a lisura do processo. A nossa expectativa é que a gente consiga promover a exoneração do candidato nomeado e a nomeação da candidata, que é a detentora da vaga”, afirma a secretária de Inclusão da instituição de ensino superior, Luciana de Oliveira Dias.Luciana explicou ao POPULAR que em casos como da vaga para professor da FIC em questão, não há sorteio para determinar em qual das posições será feita a reserva para cotistas. “É por ordem de chegada. Ao completar cinco pedidos de vagas, uma é reservada”, exemplifica. O ofício circular 3/2019 estipula que a reserva seja sobre a primeira solicitação. A secretária também afirmou que não tem conhecimento de outro processo semelhante no qual a Justiça tenha sido acionada com êxito para o candidato não-cotista. “É uma experiência exitosa que a universidade desenvolve e que tem servido de inspiração para fazer valer a Lei de Cotas para o serviço público, em editais que saem com poucas vagas. Tem inspirado outras instituições no Brasil por causa de sua eficácia.Zanza Gomes, membro do coletivo que organizou o protesto e doutoranda em Comunicação pela UFG considera que a forma como a universidade organiza o certame “abre brechas” para questionamentos. Ela considera que alternativas poderiam resguardar de maneira mais segura as pessoas para as quais as vagas são reservadas. “Outra possibilidade seria que a Comissão de Heteroidentificação fizesse esta avaliação antes de o concurso ser realizado. A gente conseguiria garantir que pessoas brancas não se inscrevessem para uma vaga que é de reserva de cotista”, aponta ela.A secretária de Inclusão da UFG afirmou ao POPULAR que esta hipótese não chegou a ser pensada dentro do departamento ao qual ela pertence.A diretoria do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg) emitiu uma nota sobre o caso. O sindicato disse acompanhar atentamente e defendeu as cotas. “A reserva de vagas é um avanço histórico na luta do movimento negro e contribuem para a construção de ambientes capazes de abarcar as muitas diferenças que existem na comunidade acadêmica”, diz.O sindicato acredita que a decisão será revertida. “É com enorme preocupação que o Adufg-Sindicato soma força aos movimentos sociais organizados no sentido de se posicionar contra essa decisão.”