Trinta e cinco anos depois do acidente radioativo envolvendo o espalhamento de Césio-137 por Goiânia, medidas de segurança, prevenção e tempo de resposta para outros possíveis incidentes do tipo, continuam avançando. Desde o episódio, o monitoramento do uso e descarte de fontes radioativas se tornou mais rigoroso no Brasil. Em Goiás, a integração entre as instituições que respondem a chamados de acidentes radioativos aumentou. Os rejeitos do desastre ainda serão monitorados por mais 265 anos.O coordenador do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro Oeste (CRCN-CO), Walter Mendes, diz que, atualmente, a chance de um acidente nas mesmas proporções do que ocorreu em 1987 e tirou a vida de quatro pessoas, é bem menor. “A preparação do nosso sistema de emergência é muito melhor. Somos referência pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)”, explica o físico que descobriu o acidente.De acordo com ele, atualmente, existe um trabalho de integração e comunicação constante do CRCN-CO, que é ligado a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), com órgãos como o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, o que ajuda em uma resposta mais rápida quando ocorrem chamados relacionados a possíveis acidentes radioativos.Em agosto, os goianos relembraram o trauma causado pelo Césio-137 quando uma casa de Anápolis foi isolada por conta da possibilidade de abrigar um bloco de concreto suspeito de conter o material. “Uma equipe nossa foi até o local. Entretanto, desde o início já sabíamos que não era nada, pois fazemos o monitoramento das fontes e não existe mais nenhuma de Césio-137 em Anápolis.”O físico Roberto Vicente, que faz parte do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), diz que isso faz parte de um programa de varredura de fontes radioativas que foi iniciado logo depois do acidente. “As que não estavam ativas foram recolhidas. Todas que estão ativas são monitoradas com muito mais rigor. Para ser um proprietário é necessário cumprir uma série de pré-requisitos e eles têm de enviar relatórios de seis em seis meses para a Cnen repassando informações sobre as condições de uso da fonte. Elas também não podem ser transportadas de um local para o outro sem autorização.”Leia também:- Fila de supostas vítimas do césio em Goiânia não para de crescer- Vítimas do Césio 137 ainda enfrentam dificuldade de atendimento em Goiás- Idosa que teve câncer após lavar farda contaminada com Césio será indenizada 33 anos depoisO Césio-137 que se espalhou por Goiânia veio de um aparelho de radioterapia que estava abandonado. Vicente esclarece que desde o acidente, foram desenvolvidas novas tecnologias para este tipo de tratamento. “Antigamente eram usadas fontes de Césio-137 e Cobalto-60. Atualmente, elas estão sendo substituídas por uma tecnologia com aceleradores de partículas. Dessa forma, caso sejam retiradas da tomada, a radiação acaba”, aponta Vicente.No Brasil, quando uma fonte radioativa é desativada, ela é recolhida e enviada para alguma unidade de referência como o CRCN-CO e o Ipen, que fica em São Paulo. “Elas são colocadas em locais chamados de depósito intermediários, onde são monitoradas. Está sendo desenvolvido um depósito de deposição final. A intenção é que elas sejam levadas para lá, onde o material radioativo vai decair até níveis seguros”, esclarece o físico.Os depósitos onde ficam os rejeitos do Césio-137 ficam em Abadia de Goiás. Cerca de 6 mil toneladas de material permanecerão lacradas ali por mais 265 anos. O primeiro depósito, que também é chamado de Container de Grande Porte, abriga 40% dos rejeitos, com baixa radioatividade. O Depósito Final abriga os 60% restantes, com índices de média radioatividade. “Apenas uma pequena parte que tem um índice de radioatividade mais significativo”, aponta Mendes.As estruturas ficam dentro do Parque Estadual Telma Otergal. O Programa de Monitoramento Ambiental (PMA) faz coletas de amostras de água, solo, vegetação da área dos depósitos para posterior análise no laboratório de radioecologia do CRCN-CO. Este monitoramento não foi interrompido nem durante a pandemia da Covid-19. “É seguro. Os depósitos foram desenvolvidos seguindo padrões internacionais. São completamente lacrados”, destaca o físico.No local, que é sede do CRCN-CO, também funciona como um centro de pesquisa. “Trabalhamos principalmente com estudos voltados para a proteção e segurança radiológica”, afirma Mendes. O CRCN-CO também promove cursos, seminários e palestras a públicos específicos como Exército, Corpo de Bombeiros e forças policiais O intuito é melhorar o desenvolvimento de áreas que lidam com a radioatividade.Além disso, o local também tem um Centro de Informações aberto para visitação. “Consideramos essa parte de educação e informação para sociedade primordial”, relata o coordenador do CRCN-GO. Em anos normais, o local recebe até 5 mil visitantes, a maioria deles estudantes. Durante a pandemia, foram feitas reformas e as visitações, que voltaram em agosto deste ano, foram reestruturadas.Acidente começou com local abandonadoO acidente do espalhamento de Césio-137 iniciou quando, em setembro de 1987, dois catadores de materiais recicláveis entraram no prédio do Instituto Goiano de Radioterapia, que ficava onde hoje é o Centro Convenções de Goiânia. No local abandonado, havia um aparelho de radioterapia com uma fonte radioativa. Os catadores levaram o material para o ferro velho de Devair Ferreira, que abriu todo aparelho e expôs as 19 gramas de Césio-137 que estavam em uma cápsula. O homem se impressionou com o fato de que o pó no interior da cápsula brilhava no escuro e levou amigos e familiares para conferirem o feito. Dessa forma, as pessoas que tiveram contato com o material começaram a passar mal como vômitos e diarreias. Foi a esposa de Devair, Maria Gabriela Ferreira, que suspeitou de uma possível relação entre o material recém descoberto e os sintomas desenvolvidos pelas pessoas que tiveram contato com ele. De ônibus, ela levou a cápsula para a Vigilância Sanitária. Quem descobriu se tratar de um material radioativo foi o físico Walter Mendes.A Comissão Brasileira de Energia Nuclear foi acionada e logo foi iniciado o processo de contenção de danos. O Estádio Olímpico, no Centro, foi utilizado para aglomerar e testar todos os que estavam sob suspeita de contaminação. O acidente com Césio-137 resultou em quatro vítimas fatais diretas em outubro de 1987. A primeira foi Leide das Neves Ferreira, de 6 anos. Ela era sobrinha de Devair e chegou a ingerir alimentos com as mãos sujas de Césio-137. O caixão da menina, feito de chumbo, foi enterrado sob uma chuva de pedras.As outras vítimas foram Maria Gabriela, esposa de Devair, e Israel Baptista e Admilson Alves, ambos funcionários do ferro-velho de Devair. O homem e Ivo Ferreira, pai de Leide, sobreviveram. O primeiro morreu em 1994. Ele tinha câncer e cirrose. O outro morreu em 2003, vítima de enfisema pulmonar.-Imagem (1.2528435)-Imagem (1.2528430)