Atualizada às 22h26Os moradores de Campo de Limpo de Goiás, na região central do estado, temem que os casos de abuso sexual denunciados por nove estudantes do município fiquem impunes. As vítimas são meninas com idade entre 5 e 18 anos.As denúncias surgiram na última sexta-feira (20), depois de uma série de palestras realizadas em três unidades de ensino público. As ações foram em um centro de educação infantil e duas escolas, sendo uma municipal e outra estadual. A programação fazia parte do Maio Laranja, mês de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.O POPULAR esteve em Campo Limpo, que tem 8,5 mil habitantes, nesta segunda-feira (23), e conversou com moradores. Todos disseram estar revoltados com o teor das denúncias e temem que caso os envolvidos não sejam punidos, outras possíveis vítimas de abuso sexual no município desistam de denunciar. Um grupo pretende organizar uma passeata para demonstrar solidariedade às vítimas e pedir agilidade na ação das autoridades.Até o momento, três homens são suspeitos de cometer os crimes. Na sexta, depois que as meninas fizeram as denúncias, eles foram encaminhados para um Distrito Policial de Anápolis, mas na ausência do flagrante, nenhum deles ficou preso. “Eu acompanhei elas até a delegacia e os homens denunciados saíram de lá antes delas. Elas ficaram até de madrugada”, diz Samuel Gomes, responsável por ministrar a palestra na qual as meninas se sentiram à vontade para denunciar os crimes.Um dos homens era motorista de ambulância e já foi exonerado pela prefeitura. Ele é suspeito de abusar de quatro vítimas que são do mesmo núcleo familiar, do qual ele faz parte.A vítima mais jovem, de 5 anos, relatou que ele entrava no banheiro quando ela estava se banhando e acariciava as partes íntimas do corpo dela.“Elas não têm culpa de nada e estão sofrendo com toda esta situação. Ficam com medo de sair de casa e eles fazerem alguma coisa com elas”, disse uma moradora de Campo Limpo que preferiu não se identificar. Atualmente, todas as jovens que denunciaram o caso, possuem medida protetiva contra os denunciados pelos abusos.“Queremos tirar um pouco desta sensação de impunidade e mostrar para essas vítimas que elas têm nosso apoio e não estão desamparadas”, explica o autônomo Halbert de Brito Oliveira, de 41 anos, que é um dos organizadores da passeata programada para a noite da próxima quinta-feira (26).Leia também:- Dez alunas de Campo Limpo denunciam abusos sexuais após palestras em escolas- Abusos em Campo Limpo aconteciam há 7 anosReportagem do POPULAR publicada nesta segunda-feira (23) mostrou que os abusos aconteciam havia pelo menos sete anos. “Sabemos que um deles praticava esses atos de forma recorrente, mas era abafado”, diz Halbert.O Conselho Tutelar da cidade argumenta que apesar dos esforços, os trabalhos de proteção desempenhados pelo órgão estavam limitados pela falta de denúncias, que só aconteceram na última sexta.SuspeitaA diretora da escola estadual onde a maioria das meninas estuda também espera que o caso seja investigado. “Elas merecem justiça”, destaca Paula do Nascimento. Ela afirma que a ideia da palestra sobre o assunto surgiu depois de os professores da instituição perceberam que algumas alunas estavam com comportamentos estranhos. “Algumas estavam mais agitadas. Outras mais quietas. Então, conversamos com uma assistente social do município que sugeriu que fizéssemos este trabalho. Foi quando elas se sentiram à vontade para desabafar.”A prefeitura da cidade informou que está fornecendo equipes de assistência social e apoio psicológico para as vítimas. Paula afirma que a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) também já entrou em contato para poder desenvolver um trabalho de assistência com as alunas. Ela conta ainda que existe um projeto em fase de elaboração junto à prefeitura, para que a cada 15 dias psicólogos promovam rodas de conversa e acolhimento com estudantes da unidade de ensino a fim de prevenir novas situações de abusos e/ou maus-tratos.A reportagem tentou contato com o delegado André Fernandes, da subdelegacia de Campo Limpo, mas as ligações não foram atendidas. Juiz acompanhou as palestrasO juiz da Infância e Juventude da Comarca de Anápolis, Carlos Limongi, que é responsável pela cidade de Campo Limpo, ressalta que estas denúncias só conseguiram ser feitas justamente por causa da presença da rede de proteção da criança e do adolescente. “Nossa função é apoiar este grupo e, para isso, trabalhamos em conjunto com as forças policiais, conselhos tutelares, escolas e outros atores da rede.”De acordo com ele, casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes precisam ser punidos exemplarmente para que haja uma confiança da comunidade na rede de proteção. “Eles precisam ser acompanhados de perto e estas pessoas precisam receber o apoio adequado até para que outras vítimas vejam que o serviço funciona e que elas também podem denunciar.”O juiz chama a atenção ainda para a necessidade de mais ações como a da palestra sobre o Maio Laranja realizada nas unidades de ensino de Campo Limpo. O magistrado, inclusive, ministrou uma delas. “Precisamos ir além do dia 18 de maio (Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes). Este tipo de trabalho tem de acontecer com frequência dentro das instituições.” Perguntas para Samuel GomesPresidente do Instituto Family fala sobre conscientizaçãoQual a importância da educação sexual nas escolas?Muitas pessoas acham que isso deve acontecer só na adolescência, mas a educação sexual tem de ser realizada desde criança. No instituto trabalhamos com crianças de até 2 anos. Não é falar sobre sexo, mas sim sobre as partes do corpo de cada um deles, sobre os toques que não são apropriados. As crianças também precisam saber sobre isso. Muitas delas nem sabem que são vítimas de violência sexual e acham que o abuso só acontece quando tem penetração peniana. Nosso intuito é justamente desmistificar isso.É possível prevenir a violência sexual por meio dessas ações educativas?Sim. (...) Com estas atividades, conseguimos munir as crianças e os adolescentes para que eles percebam possíveis investidas e qualquer espécie de toque deixem elas desconfortáveis e repassar isso para os responsáveis, já que na maioria das vezes esses abusos acontecem dentro de casa, com pessoas próximas.Entenda como começaram a surgir as denúnciasAs denúncias de abuso sexual feitas pelas nove estudantes que moram em Campo Limpo de Goiás aconteceram na última sexta-feira (20). Ao longo da última semana, por conta do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, uma série de palestras sobre o tema foram realizadas nas unidades educacionais da cidade e até mesmo um evento direcionado para pais foi promovido no Ginásio de Esportes do município. O trabalho contou com a participação da Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) e do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Anápolis.Na tarde de sexta, depois de uma palestra do Instituto Family, direcionada para alunas do ensino fundamental da escola estadual da cidade, algumas estudantes se sentiram à vontade para relatar que estavam sendo vítimas de abuso sexual. Outras foram procuradas por profissionais de forma reservada por terem apresentado sinais suspeitos como choro durante a palestra promovida pela instituição.Então, a direção da unidade, junto com os psicólogos e pedagogos do instituto acionaram o Conselho Tutelar do município. Inicialmente, cinco meninas fizeram a denúncia ainda na instituição. Depois, já no Conselho Tutelar, quatro parentes de algumas das vítimas também afirmaram estar sendo abusadas sexualmente. Ao todo, cinco abusadores foram denunciados. Entretanto, apenas três foram localizados.Até o momento as informações apontam que os abusos aconteciam nas casas das vítimas ou de familiares. Em um dos casos, o local do crime seria a casa da avó da vítima.Instituto recebe mais relatosO Instituto Family, responsável por fazer a palestra na escola estadual de Campo Limpo, que resultou em várias denúncias de abuso sexual por parte de estudantes, está recebendo outros relatos. A instituição fica em Anápolis e o presidente, Samuel Gomes, diz que desde que o caso de Campo Limpo teve repercussão na mídia, várias meninas têm entrado em contato.“Também estamos recebendo muitos convites para fazer ações do mesmo tipo em outras escolas, principalmente aqui de Anápolis. Entretanto, no momento, estamos com a agenda paralisada e fazendo uma força-tarefa para que estas vítimas que fizeram as denúncias na última sexta-feira (20) sejam bem amparadas. Aqui nós também estamos oferecendo apoio psicológico para elas.”Gomes afirma que ao menos cinco pessoas já entraram em contato com o instituto pelas redes sociais para falar que estão sofrendo abusos. “Em dos casos, a adolescente relatou que os pais estão cientes de que ela está sendo vítima desde o fim de 2021, mas pedem para ela não denunciar o caso para não expor a família. Estamos conversando com ela para que ela possa entender que não têm responsabilidade nenhuma sobre a família e que, na verdade, é a vítima da situação”, relata.Ele explica ainda que os membros do instituto estão fazendo um trabalho de escuta ativa e acolhimento dessas vítimas, para encorajá-las a denunciar os abusos que estão sofrendo. “Algumas pessoas se sentem mais à vontade procurando instituições como a nossa, formada por pessoas ‘comuns’. Elas se sentem mais tranquilas de fazer um primeiro contato por aqui do que de ir direto para as autoridades.”Gomes ressalta ainda que apesar de muitas escolas e até mesmo pais estarem procurando o instituto para a promoção de mais ações de conscientização sobre o abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, eles pretendem promover um diálogo mais profundo sobre com os atores da rede de proteção. “Pedimos por um comprometimento maior no que diz respeito à sensibilidade no atendimento dessas vítimas.”IntimidaçãoNos casos ocorridos em Campo Limpo de Goiás, os denunciados, conforme as vítimas, afirmavam que ninguém acreditaria nelas. A atitude era uma forma de tentar manter os crimes em sigilo.