Oito meses após o início da pandemia da Covid-19 em Goiás, as autoridades sanitárias começaram a verificar a queda nos índices de internações e óbitos pela doença, o que já havia ocorrido há tempos em países da Europa, por exemplo. No entanto, estes locais passam agora por um novo surto, a chamada segunda onda da doença e novas medidas de isolamento social tiveram de ser tomadas. A expectativa por aqui, por outro lado, é que isso não seja necessário. Por ter tido medidas mais leves, sem o lockdown, mas como consequência um alto número de casos e mortos, a expectativa agora é que não se tenha uma segunda onda em Goiás.Ainda assim, especialistas apontam que se ocorrer um novo surto, este será pontual e mais breve do que se viu ao longo deste ano. A diferença, aponta a superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO), Flúvia Amorim, é que nos demais países ocorreram medidas mais drásticas em curto período e a retomada das atividades também se deu em modo rápido e sem tantos cuidados com protocolos. “Aqui nunca tivemos lockdown, mas quando reabrimos mantemos a obrigatoriedade das máscaras e distanciamento”, explica.A situação é semelhante com o que ocorreu em Estados das regiões Norte e Nordeste, em que a pandemia atingiu o pico muito rápido, necessitando medidas mais drásticas, mas que agora se tem um novo aumento de óbitos nos locais. O biólogo e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), José Alexandre Felizola Diniz Filho, esclarece que isso também ocorreu em Rio Verde, no Sudoeste goiano, após surto na cidade. No caso, a prefeitura realizou o fechamento das atividades econômicas e implantou maiores restrições, o que fez a curva epidemiológica cair em pouco tempo, mas com alta meses depois, com a reabertura dos comércios.Por outro lado, lembra Flúvia, em Goiás houve um pico mais prolongado, com um platô da curva de óbitos durando cerca de dois meses. Nessa época, a pandemia chegou a contabilizar entre 40 e 50 mortes por dia. “Estava previsto que teríamos isso, o que possibilitou organizar o sistema de saúde e impedir o colapso. Ninguém morreu por falta de atendimento médico”, diz a superintendente. Ela reforça ainda que o alto número de casos e a queda lenta da curva epidemiológica pode trazer diferença para uma segunda onda, mas ainda não é possível saber.“Na verdade, temos duas ideias. A primeira, que é a queremos, é ter a imunização antes de uma segunda onda. A segunda é que não sabemos, mas acreditamos que ela possa vir mais fraca. Não podemos é achar que a pandemia acabou”, considera Flúvia. Diniz Filho reforça que Goiás ainda está em uma situação complicada, com uma média de 20 a 30 mortos por dia. “Um aumento de óbitos em novembro ou dezembro não pode ser considerada uma segunda onda ainda, porque os índices ainda são muito altos. Penso que só seria uma segunda onda se houver uma frequência muita mais baixa e depois um aumento.”Superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS), Yves Mauro Ternes, acredita que na capital a situação deve ser semelhante ao que é esperado para o Estado. Para ele, é até mesmo improvável que se tenha uma segunda onda de óbitos na curva epidemiológica, que seria um novo aumento dos registros. “Esperamos que possa ter um segundo platô, mas não uma onda como ocorreu nos meses de julho e agosto”, estima Ternes.Nesse caso, o que ocorreria era uma continuidade por algum tempo nos índices de óbitos, sem a redução, mas sem aumento diário de registros. Ou seja, permaneceria uma média de mortes por dia entre 20 e 30. Para se ter uma ideia, até a última sexta-feira (6), em Goiás, setembro atingiu o patamar de 41,6 óbitos diários. Em agosto, esta média foi de 55,73. Até o período mencionado, os óbitos de outubro registrados por Covid-19 eram 715, o que resulta em uma média diária de 23,83. Este número, porém, pode ainda aumentar devido ao atraso que se tem entre a ocorrência e a notificação do sistema.EstimadoOs números dos meses fechados, até setembro, mostram que a pandemia se manteve dentro dos patamares estimados pelo grupo de estudos da UFG. Já sem óbitos represados pelo atraso na notificação até setembro, é possível verificar que o pico da Covid-19 se deu no mês de agosto. Assim, o maior número de infecção ocorreu na primeira quinzena do referido mês, enquanto que a maior quantidade de óbitos foi registrada nos últimos quinze dias de agosto.Ó último modelo realizado pela UFG, em julho passado, estimou o andamento da pandemia até o fim de setembro. Para o professor Diniz Filho, que participou da pesquisa, a modelagem acertou a situação epidemiológica dentro do cenário laranja, ou seja, como seria com a realização do rastreamento de contatos dos infectados. “Isso foi feito a partir de julho nas principais cidades, como Goiânia, Aparecida e Rio Verde”, diz.Até o fim de agosto, o Estado contabilizou 3.853 óbitos por Covid-19. O modelo feito pelos pesquisadores da UFG estimou em julho que, com a realização do rastreamento e no cenário de isolamento social no patamar entre 30% e 40%, mas com o modelo de 14 dias de funcionamento das atividades e outros 14 dias com fechamento, o número de mortes estaria entre 3.490 e 6.107 no fim de agosto. Já em setembro, quando de registrou um acumulado de 5.124 óbitos, a situação real ficou acima do melhor cenário e abaixo do intermediário (veja quadro). Medidas acessórias têm mais impacto que previstoO uso de máscaras, a higienização das mãos e o distanciamento de pelo menos 1,5 metro entre as pessoas têm mais impacto positivo no combate à pandemia da Covid-19 do que o previsto inicialmente pelos cientistas. No começo da pandemia, entre março e abril, o isolamento social era verificado como a principal medida para o impedimento do aumento dos casos de infecção por coronavírus. Ao longo dos meses, no entanto, verificou-se que as demais medidas também possibilitam impedir a transmissão viral.Nos modelos estudados para a previsão da curva epidemiológica em Goiás pela Universidade Federal de Goiás (UFG), realizados ainda no primeiro semestre, a base foi a medida do isolamento social. Ainda hoje, segundo explica o professor José Alexandre Felizola Diniz Filho, não se sabe quantificar as demais medidas para o uso nas modelagens. “O índice de transmissão abaixou por outros motivos além do rastreamento de contato. Pensamos que outras medidas, como o uso de máscaras, teve forte influência nisso”, diz.Além disso, Diniz Filho reforça que a realização do rastreamento de contato, que é a busca ativa por pessoas contaminadas na cidade, foi fundamental para que a pandemia se mantivesse em um cenário intermediário dentre os previstos pela modelagem (ver quadro na página ao lado). Esse cenário foi previsto pela UFG em julho e é o que acabou se mostrando real. “O rastreamento é importante e, atualmente, é a maneira mais coerente e possível de não deixar as transmissões aumentarem”, esclarece o professor.No início da pandemia, as autoridades de saúde pública tinham dificuldade em realizar o rastreamento, sobretudo por não encontrar testes eficientes e com resultados rápidos. Além disso, a determinação na época do Ministério da Saúde era de realizar a testagem apenas nos pacientes mais graves. Até mesmo em relação ao uso das máscaras, Diniz Filho lembra que houve uma mudança com o andamento da pandemia, já que inicialmente a recomendação era de não utilizar o item.Outro aprendizado que também contribuiu para segurar o avanço da pandemia, de acordo com o professor, foi a melhoria no tratamento dos pacientes nas unidades de terapia intensiva (UTI), já que a prática fez com que médicos, enfermeiros e fisioterapeutas entendessem melhor os sintomas da doença. Isso levou a uma redução do índice de mortalidade de pacientes que chegavam a esse tipo de tratamento hospitalar. “Até maio, o R (índice de transmissão da doença) crescia junto com o decréscimo do isolamento social. Tanto que os números reais batem com a nossa previsão inicial e ficaram até acima e depois foi segurando, e achatou a curva de contágio, que era o interesse, e não colapsou o sistema de saúde”, explica Diniz Filho. Em junho, os números mostram que a pandemia em Goiás se manteve dentro do pior cenário desenhado pelos modelos da UFG. Isso mudou em julho, quando houve a inserção do modelo 14 por 14, alternando fechamento com abertura de atividades, e o rastreamento de contatos, e os índices passaram a estar dentro do melhor cenário. Em agosto, pico da pandemia, os registros se assemelham ao cenário intermediário.Avanço da doença seguiu a estimativaA forma como se dá o avanço da pandemia da Covid-19 em Goiás, e especialmente em Goiânia, está dentro do que as autoridades de saúde estadual e municipal imaginavam quando os primeiros casos foram registrados. Desde o começo, a ideia era que os grandes centros seriam os primeiros a ter ocorrências e que também os últimos a ver a quantidade de casos diminuindo, mas que aos poucos haveria notificações em todas as regiões, o que de fato ocorreu.Para o professor José Alexandre Felizola Diniz Filho, da Universidade Federal de Goiás (UFG), mesmo que atualmente se perceba influência positiva de medidas como o uso das máscaras, o isolamento social realizado entre os meses de março e junho foi fundamental para o achatamento da curva de contágio. A superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Flúvia Amorim, explica que isso possibilitou a organização da rede em todo o Estado. “Nesse período conseguimos os respiradores, o aumento do número de leitos, os hospitais de campanha”, lembra Flúvia. O superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS), Yves Mauro Ternes, explica que a capital utilizou a estrutura já instalada. “A gente foi trabalhando conforme foi ocorrendo a pandemia. A primeira mudança foi a vigilância de casos leves, o que não se falava até então, e vamos manter isso.”Ternes lembra que havia uma pressão para a realização de testagem em massa, o que, segundo ele, ainda não era possível devido os testes que existiam até então. “Quando veio o teste de antígeno, com resultado rápido, fizemos essa escolha, para testar os assintomáticos nos bairros de maior incidência, o que melhora o atendimento dos pacientes”, explica.Covid-19 ainda deixa dúvidasMesmo após oito meses da pandemia de Covid-19 em Goiás, ainda há dúvidas sobre a doença. Ainda não se sabe, por exemplo, se é possível uma segunda infecção pelo coronavírus ou quanto tempo dura a imunidade de quem já contraiu a doença. O superintendente da SMS Goiânia, Yves Mauro Ternes, no entanto, lembra que, nesse período, foi possível entender melhor os sintomas da doença. “Hoje com o primeiro sintoma já é recomendado fazer o teste. Aumentou a gama de sintomas e melhorou a assistência.” A superintendente da SES-GO, Flúvia Amorim reforça que se percebeu que a pandemia tem impacto além da saúde, como o social. “Por isso é importante manter as medidas sanitárias, para manter as flexibilizações.” Ela observa que o uso das máscaras vem sendo mantido pela população, mas já haveria queda na higienização das mãos e também no distanciamento entre as pessoas.