As medidas de flexibilização no acesso às armas adotadas pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) fizeram com que o Brasil atingisse, em dezembro de 2020, a marca de 2.077.126 armas legais particulares, 1 para cada 100 brasileiros.Os dados fazem parte do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que compilou os números de registros de armas nos sistemas do Exército e da Polícia Federal.A conta inclui armas legais registradas por cidadãos, por atiradores desportivos, caçadores e colecionadores e armas registradas em nome de empresas, além das armas de uso pessoal de policiais, bombeiros e militares. Não foram contabilizadas as armas que pertencem a instituições do poder público, que somam 359,8 mil.Comparados aos de anos anteriores, os números apontam para uma escalada no acesso e na circulação de armas particulares no Brasil nos últimos anos.No Sinarm, sistema de registro de armas da Polícia Federal, o número de armas registradas dobrou entre 2017 e 2020. Eram 638 mil registros de armas ativos em 2017, número que cresceu para pouco mais de 1 milhão em 2019 e atingiu a marca de 1,2 milhão em 2020.O levantamento mostra que houve aumento de registros ativos em todos os estados brasileiros, sem exceção. Onze estados aumentaram em mais de 100% o número de registros desde 2017, incluindo Minas Gerais, Bahia e Paraíba.O maior salto, contudo, aconteceu no Distrito Federal. Eram 35,7 mil armas registradas na capital federal em 2017, número que cresceu para 236,3 mil no ano passado -um crescimento de 562% em três anos.No Sigma, sistema de registro de armas do Exército, o número de armas cadastradas chegou a pouco mais de 1,1 milhão em 2020. Cerca de metade destas armas -510 mil- são de uso pessoal de policiais militares, bombeiros e militares das Forças Armadas.A outra metade - em torno de 560 mil - estão registradas em nome de caçadores, atiradores e colecionadores. Entre 2019 e 2020, houve um crescimento de 30% no número de armas registradas nesta categoria, que foram de 433 mil para 561 mil em um ano.No mesmo período, houve um crescimento de 43% no número de pessoas físicas registradas como caçadores, atiradores ou colecionadores, de 200 mil em 2019 para 287 mil em 2020.O aumento expressivo no número de registros de caçadores, atiradores e colecionadores é considerado preocupante pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso porque essa categoria possui um acesso quase ilimitado a armas com alto poder ofensivo.A entidade também considera que existe uma dificuldade histórica do Exército Brasileiro em fiscalizar essa categoria, que tende a ter armas em abundância em suas residências. Em 2020, o Exército realizou 7.234 visitas de fiscalização a proprietários de armas enquadrados nessas categorias.O aumento do número de novas armas enquadradas como de caçadores também é questionado pela entidade. Desde 1967, a caça é considerada atividade ilegal no Brasil, salvo raras exceções localizadas territorialmente e destinadas ao controle de animais exóticos à fauna nacional.Na avaliação da advogada Isabel Figueiredo, do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a escalada no número de armas é resultado das flexibilizações de normas aprovadas pelo governo Bolsonaro e do incentivo do presidente ao armamento pela população civil."O governo tem uma atuação completamente irresponsável que desconsidera todo o conhecimento científico em torno do tema de controle de armas. Temos um conjunto robusto de evidências que relacionam o maior número de armas circulando com o aumento da violência", afirma.Ela ainda afirma que o presidente Jair Bolsonaro age com voluntarismo no tema do armamento para atender o desejo de um segmento mais radical da sua base que tem um discurso pró-armas.Lembra ainda que esta atuação em favor das armas foi inicialmente ancorada em um discurso de autodefesa, mas que desde meados do ano passado o presidente tem incluído componentes políticos no incentivo ao armamento.O presidente Jair Bolsonaro durante assinatura de decreto presidencial que flexibiliza regras para atiradores esportivos, caçadores e colecionadores de armas. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Bolsonaro defendeu a liberação de armas num contexto de críticas a medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos. Desde então, tem repetido em seus discursos que "o povo armado jamais será escravizado".A tendência é que o acesso às armas cresça ainda mais neste e nos próximos anos, já que o presidente editou, em fevereiro deste ano, uma série de normas para facilitar o acesso e aumentar o limite para aquisição de armamentos e munições.Nesse decreto, Bolsonaro passou de quatro para seis o limite de armas de fogo de uso permitido que um cidadão autorizado pode adquirir. Também desidratou medidas de rastreamento e controle de armas de fogo e munição.Ao mesmo tempo em que registraram um incremento no número de armas de fogo, alguns estados registraram queda no número de armas irregulares apreendidas pelas forças de segurança.O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, diminuiu em 24% o número de apreensões de armas entre 2019 e 2020. No mesmo período, o Pará teve uma queda 25% e o Acre uma redução de 38% no número de armas apreendidas.Também houve uma redução na destruição de armas apreendidas, atividade realizada pelo Exército. Em 2020, houve uma queda de 50,4% no número total de armas destruídas em comparação com o ano anterior.O Fórum Brasileiro de Segurança Pública ainda solicitou à Polícia Federal sobre quantidade de pessoas submetidas e reprovadas nos testes psicológicos para aferir a capacidade para posse de armas. A PF, contudo, informou à entidade que não sabe quantos testes são aplicados nem quantas pessoas foram reprovadas.Para a advogada Isabel Figueiredo, o conjunto dos dados aponta para uma série de retrocessos, como o aumento do número de armas em circulação e a redução do sistema de controle de armas e munições: "O conjunto da obra é muito preocupante. É uma receita explosiva".