Atualizada em 14/3 à 00h10A temperatura no Centro-Oeste do Brasil teve um aumento médio de 2°C na comparação das medições do período pré-industrial (1880-1899) com o ano de 2019, o segundo mais quente desde que as medições foram iniciadas, em 1850. A mancha de calor (veja mapa) abrange parte do Sudeste do País e Oeste da Bahia, compreendendo principalmente o bioma Cerrado e o Pantanal. O perímetro está entre as regiões do Planeta com maior aquecimento, de acordo com dados do Berkeley Earth, organização sem fins lucrativos da na Califórnia, focada na análise de dados para a ciência climática.O incremento da temperatura na região é um dos efeitos previstos em decorrência do aquecimento global, provocado pela maior concentração na atmosfera de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera. Para conter o fenômeno, é necessário o cumprimento das metas firmadas no Acordo de Paris e a adoção de novos objetivos, alertam os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O objetivo do texto acordado entre 195 países em 2015 é conter o aumento da temperatura média do Planeta abaixo de 2°C, preferencialmente em 1,5°C.A mudança climática tem como as principais consequências previstas para a região, conforme especialistas, mudanças no regime das chuvas e ocorrência de ondas de calor. No caso das precipitações, os efeitos aparecem tanto no prolongamento das estiagens como na maior frequência de temporais. Os fenômenos têm impactos na saúde, produção de alimentos, incêndios, alagamentos em áreas urbanas, abastecimento público de água e produção de energia elétrica.Uma análise nos dados climáticos no Centro-Oeste entre 1979 e 2018 demonstram a tendência de redução nos volumes de chuva e aumento das temperaturas. Embora em todos os anos se verifique variações nas médias trimestrais, o que é normal, os últimos anos da série indicam anos mais quentes e menos chuvosos (veja gráfico).As tendências de mais calor e menos chuva são mais evidentes no trimestre de setembro, outubro e novembro, época de temperaturas mais elevadas e início das chuvas no Centro-Oeste. O trimestre dezembro, janeiro e fevereiro também indica mais fortemente o movimento divergente entre as duas grandezas. De junho a agosto, embora se note a ascendência da temperatura, a tendência de variação das precipitações é mais discreta, em função da estiagem.O levantamento foi elaborado com dados do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas em Médio Prazo (ECMWF), separados por trimestre. “Fizemos isto por causa da sazonalidade forte e por conta da previsão de plantio de culturas”, explica a doutora em Física Karla Longo, que é pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O trabalho foi apresentado ao governador Ronaldo Caiado (DEM) em fevereiro passado, no lançamento do Centro de Estudos, Monitoramento e Previsão Ambientais do Cerrado (Cempa), e chamou a atenção do chefe do executivo estadual, sobretudo em relação às chuvas.Colega de Karla Longo no Inpe, o físico Saulo Ribeiro de Freitas destaca que ondas de calor intensas também são um dos efeitos esperados. “O Cerrado pode ter uma situação de seca muito extrema prolongada por um longo período. Você aumenta muito a flamabilidade da biomassa e começa a ter incêndios que são incontroláveis também”, alerta citando como exemplo a Austrália que sofreu com a questão no final do ano passado.Para ter uma dimensão da variação do volume das chuvas, Karla Longo calculou a média diária para o trimestre dezembro, janeiro e fevereiro. Os dados revelam que, entre 1979 e 1988, foram 8 anos com precipitações acima dos 8 milímetros (mm) por dia. Nas duas décadas seguintes o resultado foi 6mm, sendo que nos últimos dez anos apurados, a média foi alcançada apenas uma vez, em 2010.Há pesquisadores receosos em associar as alterações em padrões de chuva e temperatura exclusivamente ao aquecimento global, mas afirmam este é um dos fatores da mudança climática em curso.As correntes que questionam o aquecimento global usam como argumento a variação das temperaturas médias anuais como um fator normal. Mas especialistas explicam que há dezenas de respeitados institutos com dados sistemáticos apontando a elevação do calor na Terra desde a era pré-industrial.De acordo com a doutora em Geotecnia pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Laboratório de Análise da Atmosfera e da Paisagem da Universidade Federal de Goiás (UFG), Gislaine Cristina Luiz, a literatura deixa claro que quando a atmosfera busca uma nova dinâmica, há a intensificação dos eventos climáticos extremos, bem como a redução no intervalo entre eles. Ela usa como exemplos globais as secas, ondas de calor no Hemisfério Norte, nevascas mais intensas e os furacões.“Nós sempre tivemos chuvas muito fortes. Mas às vezes, as de maior intensidade aconteciam de 10 em 10 anos, de 20 em 20 anos, 30 em 30 anos. Agora, de um ano para o outro você observa estas chuvas com maior intensidade acontecendo”, aponta a climatologista. Novo padrão de chuvas para a região ainda é desconhecido Além da tendência de diminuição na quantidade de precipitação anual, estudos em Goiás também apontam aumento no número de dias secos e redução nos dias chuvosos. Para a doutora em Geotecnia pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Laboratório de Análise da Atmosfera e da Paisagem da Universidade Federal de Goiás (UFG), Gislaine Cristina Luiz é cedo para dizer que este seja o “novo normal”, expressão utilizada por alguns especialistas para se referir aos padrões de chuva mais recorrentes recentemente. Para ela, as informações atuais ainda são insuficientes para descrever como será o futuro em relação às chuvas.“Ainda está tudo em uma dinâmica. É muito recente esta questão para a gente dizer o ‘novo normal’. Nós podemos estar em um período de transição para ainda chegar em um outro padrão, mas que a gente ainda não tem como afirmar (como vai ser). O que a gente sabe é que as mudanças estão acontecendo”, frisa. “A gente não sabe ainda como será esta mudança e quais serão estas consequências”, completa.Em um artigo científico, pesquisadores da Escola de Agronomia da UFG apontaram a mesma tendência de mudança no regime das chuvas descritos por Gislaine para a capital. Foi analisado o período de 1979 a 2015. Pesquisadores da UFG afirmam isto se estende ao Estado.Um dos autores do texto, o professor Derblai Casaroli considera que há uma escala de importância entre os aspectos apontados. Em primeiro lugar está a redução anual no volume de chuvas e em seguida a diminuição no número dias com precipitações. “Se em um ano chove mil milímetros (mm) e isto ocaorrer em número de dias menor, você tem uma alta intensidade de chuva nestes dias. E aí você promove alguns desastres, como enchentes.”A consequência é que a água não infiltra e aumenta o escoamento superficial.Em janeiro deste ano, Catalão, Sul do Estado, experimentou uma chuva de pancada, quando 120 mm despencaram do céu em cerca de três horas. O resultado foi o rompimento de represas e estragos em vias públicas. Situação semelhante viveu Pontalina no começo de janeiro. O grande volume de chuva provocou o colapso de uma represa, alagamentos e deixou desabrigados. Os mais pobres economicamente são os mais afetados nestes eventos.As variações não significam que a sequência anual das precipitações será sempre decrescente. Nesta estação chuvosa, por exemplo, os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) demonstraram que em Goiânia, os meses de outubro a dezembro tiveram chuvas abaixo do esperado. Mas janeiro e fevereiro superaram a média histórica. BerçoA professora Gislaine lembra que o Cerrado é o “berço das águas” e as chuvas intensas não contribuem para a infiltração no solo. A preocupação destacada por ela é porque o bioma é responsável por reabastecimento de aquífero e distribuição para as três principais bacias hidrográficas do País. “Se há uma diminuição na recarga do lençol freático, isso automaticamente vai influenciar na vazão dos rios”, pontua. Fatores se fortalecemA tendência de elevação nas temperaturas associada ao aumento do número de dias sem chuva leva a um maior acúmulo de energia (calor) no ambiente, o que vai alimentar o aumento do calor e provocar reflexos na umidade relativa do ar, explica a coordenadora do Laboratório de Análise da Atmosfera e da Paisagem da Universidade Federal de Goiás (UFG), Gislaine Cristina Luiz. Os estudos recentes têm demonstrado aumento das temperaturas máximas, mas sobretudo um incremento mais significativo das mínimas, provocado pela liberação de calor, que ocorre à noite. Com isto, o conforto térmico reduz. “Determinadas pessoas estão mais vulneráveis. Então, a gente vai ter algumas pessoas com maior propensão a problemas de saúde cardiorrespiratórios”, alerta Gislaine.A especialista afirma que diante deste cenário é preciso dar mais atenção ao desmatamento e às queimadas excessivas no Centro-Oeste e em especial em Goiás. “Isto agrava ainda mais a condição de maior temperatura e acúmulo de energia e também influenciando o padrão de chuva”, acrescenta. -Imagem (1.2014603)-Imagem (1.2014604)