Da última segunda - um dia após a eleição -, até esta sexta-feira (4), o número de seguidores do perfil oficial do Exército no Instagram passou de 2,1 para 7,5 milhões. Foram mais de 5,4 milhões de seguidores a mais em apenas quatro dias. O aumento repentino de pessoas que passaram a acompanhar a conta está ligado aos protestos de cunho golpista que vêm sendo registrados desde que Luiz Inácio Lula da Silva venceu a corrida presidencial. Uma campanha que circula entre os manifestantes prega que, se o Exército chegar a 20 milhões de seguidores nas redes, “terá uma mensagem clara do povo” de aval para fazer uma “intervenção”.No entanto, além de não surtir absolutamente nenhum efeito sobre o resultado das urnas já referendado pelas instituições, a movimentação de bolsonaristas insatisfeitos está longe de ser estopim para qualquer aventura golpista que possa partir das Forças Armadas. Pelo contrário: pode contribuir para arranhar ainda mais a imagem do atual presidente da República.É o que explicam os cientistas políticos e o advogado ouvidos pelo POPULAR, que examinam o atual cenário e descartam qualquer possibilidade de ruptura institucional. Para eles, as manifestações que estão ocorrendo em frente a quartéis e com bloqueio de rodovias tendem a se dissipar logo e são alimentadas por uma “rede bem construída" de notícias falsas, fruto de um longo processo de ataques ostensivos às instituições.Teorias da conspiração e fake news Segundo o professor de Ciência Política Guilherme Carvalho, os protestos vêm de uma percepção dessas pessoas de que, em algumas forças de segurança, estaria a “salvaguarda para uma determinada intervenção, diante de um resultado que eles consideram ter sido injusto.”Porém, Carvalho destaca que tal visão “não encontra apoio na realidade, em evidência nenhuma, não é legitimada pela classe política e nem pelo candidato derrotado que eles apoiavam.” “Essas pessoas estão sendo mantidas nessa posição por uma rede de fake news muito bem construída, que trabalha de forma a reafirmar as crenças pessoais que elas vêm gestando, acreditando que há uma grande conspiração”, descreve o professor.Em vídeos que circulam nas redes sociais, é possível ver manifestantes comemorando várias informações falsas, entre elas a de que o ministro Alexandre de Moraes havia sido “preso em flagrante”, outra que diz que uma auditoria do Exército havia “encontrado indícios de fraudes nas eleições”, e outra de que o Exército estaria esperando uma mobilização maior de pessoas para “tomar o país”. Todas essas informações, fantasiosas.Ainda segundo o cientista, essas cenas podem respingar negativamente no presidente Jair Bolsonaro, uma vez que a classe politica e “grandes agentes da economia” já se atentaram que tais manifestações têm origem “em um processo que foi gestado durante muito tempo” e têm provocado transtornos econômicos e sociais.“Tem pesado institucionalmente para o presidente Bolsonaro [devido à] pressão que tem sido feita por todos os agentes da política. Ele tem dado respostas tímidas, porque sentiu a pressão”, disse.Sem chances de “intervenção”Para Guilherme Carvalho, se em 1964 o cenário para o golpe militar que o Brasil sofreu tinha contornos sólidos e apoios palpáveis, não é o caso de 2022. Segundo ele, camadas da sociedade civil apoiaram tácita ou abertamente o golpe que deu origem à ditadura militar no país. 60 anos depois, o quadro é totalmente diferente.“Nesse momento, não há apoio civil institucionalizado, ou seja: o Parlamento não apoia, o Judiciário não apoia e nem mesmo os ministros que são membros do Executivo apoiam uma aventura como essa”, afirmou.O também cientista político e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Pedro Célio, é outro que corrobora o ponto de que o Exército já decidiu por se reservar às suas funções constitucionais. Segundo ele, “dentro dos quartéis, a compreensão é de manter a função funcional e constitucional das Forças Armadas.”Leia também:Deus, Forças Armadas e 1964 são evocados em manifestações antidemocráticas em GoiásEm Goiânia, apoiadores de Bolsonaro pedem “intervenção federal”“O país todo está aprendendo a discernir e separar com clareza o que são as Forças Armadas e o que são alguns dos seus integrantes que entram no jogo politico partidário, se filiam a partidos e adotam mensagens que nada têm a ver com as Forças Armadas. Isso está ficando bastante claro”, pontuou.Já Pedro Mundim, que também leciona na área de Ciência Política na UFG, afirma que as manifestações têm origem em um sentimento que pode ser resumido como a dificuldade de aceitação do resultado democrático das urnas. “Muito motivadas por um viés cognitivo, de colorações ideológicas, de pessoas que não aceitam aquele resultado, uma negação que, provavelmente, um psicanalista conseguiria explicar melhor”, classifica.Quanto ao “prazo de validade” das manifestações de cunho golpista, os cientistas são categóricos: não devem durar. De acordo com Guilherme Carvalho, a consequência geral é que esse movimento “morra e aos poucos diminua também a força do bolsonarismo”. “Não enquanto força politica ou eleitoral, acho que essa continua, mas a força de capacidade de mobilização, de interromper a economia de alguma forma”, finaliza.Artigo 142 e a “intervenção federal”Tentando escapar da alcunha de golpista, muitos dos militantes bolsonaristas que ocupam a entrada de quartéis e bloqueiam rodovias (421 trechos de BRs foram bloqueados no ápice dos protestos, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF)) também empunham cartazes e gritam palavras de ordem evocando supostos efeitos do artigo 142 da Constituição Federal.No artigo em questão, é possível ler que as Forças Armadas, “sob a autoridade suprema do Presidente da República”, destinam-se “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Para os manifestantes, esse artigo embasaria uma tomada de poder à força por parte dos militares, “dentro da Constituição.”Contudo, conforme explica o professor da Faculdade Direito da UFG e presidente da Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Saulo Coelho, além do artigo 142 estar sendo interpretado de maneira equivocada por bolsonaristas, pode ser usado justamente para desmobilizá-los. “O artigo 142 não fala em intervenção federal das Forças Armadas, não é isso que está dito lá [...]. Nesse dispositivo da Constituição é dito que as Forças Armadas podem, quando provocadas pelos poderes constitucionais, realizar atividades para a manutenção da Lei e da ordem”, detalha o professor. “Manter a ordem, inclusive, desmobilizando esses manifestantes que estão tentando se insurgir contra as eleições”.Coelho ressalta que a manutenção da ordem especificada no artigo 142 é um conceito exatamente oposto ao de subvertê-la. Se provocadas, as Forças Armadas têm como missão, segundo ele, manter a normalidade das instituições, e não alterar essa normalidade.“O normal é fazer as eleições terem seu curso e fim, com a proclamação dos vencedores, e não se insurgir contra as urnas”, arremata.