Uma crise no abastecimento de insumos na rede municipal de Saúde de Goiânia tem feito os servidores buscarem alternativas informais para o atendimento não ser afetado. A estratégia adotada atualmente consiste no remanejamento de itens entre as unidades de saúde a partir de pedidos em grupos criados pelos próprios profissionais em aplicativos como o WhatsApp. O problema alcança desde medicamentos e seringas até os formulários para o preenchimento de receitas e atestados médicos.A situação que já é conhecida piorou nos últimos meses, segundo fontes ouvidas pelo POPULAR. A gestora de uma unidade, que pediu para não ser identificada, aponta que os problemas são generalizados. “A única diferença é que em algumas regiões os gestores ficam remanejando. Uma unidade fica socorrendo a outra. Não é uma reposição central, é um socorro entre funcionários”, diz sobre os locais que conseguem manter os itens básicos para garantir atendimento.Em um dos grupos de mensagens mantidos por equipes de enfermagem, os pedidos começam a ser feitos nas primeiras horas do dia. “Precisando de cateter central. Alguma unidade pode nos ajudar?”, solicita uma servidora. “Quem consegue nos ajudar com seringas de 5 ml, 10 ml e 20ml? Estamos sem abocath (espécie de cateter) também”, pede outra enfermeira. “Precisando de equipo polifix duas vias (dispositivo de acesso venoso) e cateter nasal tipo óculos”, demandava nova mensagem encaminhada no mesmo dia.A lista se estende: bobina de “chequinho”, receituário especial, atestado médico, luva estéril, lençol descartável, bisturi, sonda, cateter, atadura, esparadrapo, gaze, sabão enzimático, glicose, entre outros. Nem sempre é possível ajudar, mas algumas mensagens são respondidas: “Eu tenho aqui. Posso ceder algumas”.A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) diz que a falta de insumos e medicamentos ocorre de forma pontual por conta de dificuldades no processo de aquisição ou na entrega por parte dos fornecedores. Sobre a lista de itens citados nas mensagens trocadas entre servidores, a SMS afirmou que atualmente o estoque da maioria está regular, com exceção de seringas de 5 e 10 ml e insumos para as bombas de infusão de insulina, que estão em processo de compra.Histórico Em 19 junho do ano passado a SMS decidiu pela terceirização da gestão do Almoxarifado Central do Município, responsável pelo armazenamento e distribuição de insumos. A justificativa era justamente a busca por resolver a falta de produtos. Um ano após a mudança, porém, os problemas não foram resolvidos.Os registros em fotos de vistorias feitas pelo Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde de Goiás (Sindsaúde-GO) mostram prateleiras vazias em diferentes ocasiões após a terceirização. “O principal problema levantado aponta falha no sistema de planejamento e compras da Secretaria Municipal de Saúde que está deixando faltar todo tipo de medicamento, desde bromoprida a medicamentos controlados”, diz trecho de relatório produzido em outubro.A SMS faz a defesa da terceirização e diz que a falta de insumos não está relacionada à nova gestão “de forma alguma”, voltando a afirmar que os problemas estão associados a questões contratuais ou a deficiências do mercado.Em dezembro último, o Sindicato dos Médicos no Estado de Goiás (Simego) oficiou a SMS após o acúmulo de denúncias de falta de insumos. Entre os apontamentos, o Simego pediu ao Paço informações sobre os medicamentos e insumos e que os mesmos fossem oferecidos de forma contínua e permanente. Nesta quarta, o Simego disse ao POPULAR que o cenário se mantém o mesmo.AcessoCom a mudança na gestão da distribuição dos insumos, as unidades de atenção básica perderam o acesso à lista de medicamentos fornecidos pelo município. Isso porque para acessar a plataforma de solicitações agora é necessário que a unidade tenha um farmacêutico, o que seria a realidade de poucos locais.“Soro oral tem mais de um ano que nós não recebemos, em plena explosão de casos de dengue. O atendimento passou a ser restrito a consultas e vacinas”, relata uma enfermeira. “Mesmo para o fornecimento de medicamentos para a hanseníase e tuberculose está sendo preciso remanejar de outros locais. É tudo no improviso.”Reclamações ficam sem respostas Apesar da recorrência, a falta de insumos não chega a ser crônica, pondera uma gestora. A reposição pelo almoxarifado central é feita, mas regularmente em número inferior à demanda apresentada pelos gestores. Assim, o problema pode ser sentido de forma aguda em uma semana, mas suavizado na semana seguinte. Nos últimos meses, porém, os intervalos têm se estreitado. A SMS diz que os insumos são entregues às unidades de acordo com o mapa de consumo de cada uma delas. “No caso da demanda ser maior do que a previsão, a orientação é para que seja feita a solicitação de remessa extra ao almoxarifado para que não falte nada às unidades.”A vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde de Goiás (Sindsaúde-GO), Néia Vieira, diz que a persistência do problema é amplamente conhecida pela SMS, já que tem sido denunciada durante as reuniões do Conselho Municipal de Saúde (CMS). Ainda assim, as reclamações estariam sendo ignoradas. Conforme detalha Néia, o secretário municipal de Saúde de Goiânia, Durval Pedroso, participa das reuniões com conselheiros, mas “parece ignorar os apontamentos sobre a falta de insumos”. “São reclamações feitas em toda plenária. O secretário está presente, ouve e não dá nenhum encaminhamento, é como se ele não tivesse ouvido nada, como se não fossem reclamações”, observa. O último encontro do Conselho foi realizado há uma semana, no dia 25 de maio. “Solicitamos uma nova plenária em 15 dias para que a Secretaria apresente um plano de contingência, mas não houve resposta”, diz a vice-presidente do Sindsaúde. “A nós, a impressão é de que em breve irão dizer que não conseguem fazer a gestão e por isso o melhor seria terceirizar.” Sobre os apontamentos de falta de reação, a SMS diz que os encaminhamentos são feitos constantemente por meio de autorizações de compras e contratações. “A SMS tem trabalhado intensivamente para a manutenção dos estoques de medicamentos objetivando a melhor assistência à saúde dos goianienses.”Para sindicato questão é localA presidente do Sindicato dos Médicos, Franscine Leão, ressalta que o problema não é nacional. “Tivemos o aumento da demanda por insumos como dipirona em alguns períodos. Mas aqui em Goiânia vemos que este déficit é uma frequência. A justificativa que chega até a gente é sobre as dificuldades com fornecedores, que às vezes não conseguem cumprir o contrato”, diz.Para a representante, a solução passa pela manutenção de estoques. “Você fez uma licitação para cinco milhões de dipirona, então faça a aquisição de parte considerável dessas assim que for autorizado, observando as validades”, diz Franscine sobre a alternativa que observa para afastar o risco de aumentos inesperados durante o período de uma ata de registro de preço. “Isso garantiria a manutenção do atendimento.”Leia também:- Atendimento deve ser ampliado em hospital de Aparecida- Falta de remédios persiste desde janeiro na Região Metropolitana de Goiânia- Goiânia retoma agendamento para teste de Covid-19