O município de Trindade, na região metropolitana de Goiânia (RMG), está aplicando um protocolo para uso de medicamentos sem comprovação científica em pacientes com sintomas leves do novo coronavírus. O prefeito da cidade, Jânio Darrot (PSDB), defende que o uso destas substâncias no início do tratamento vai garantir menos ocupação de leitos nos hospitais.A forma de utilização destas substâncias foi definida por um grupo de médicos de Trindade, ligados a várias áreas de atuação, liderados pelo médico Elter Borges, diretor da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24 horas. O protocolo é inspirado no da pequena Porto Feliz, no interior de São Paulo, e no movimento liderado pela médica piauiense Marina Bucar, que vive em Madrid e é uma entusiasta do uso da cloroquina em pacientes com a Covid-19.“Ela tem uma experiência muito grande nessas medicações. Tem grupos médicos aqui de Goiás, profissionais renomados de várias especialidades, que têm discutido diariamente estes protocolos, profilaxia, baseado nessas informações, dados de outros países. É prudente fazer alguma coisa. É melhor que não fazer nada, do que só observar a piora”, defende Elter.Segundo o diretor da UPA de Trindade, as informações sobre os medicamentos ainda sem comprovação são compartilhadas em grupos de WhatsApp e em alguns protocolos de sites especializados. Marina Abucar defende que um estudo científico nível A ainda vai demorar muito tempo para ser concluído e que já há resultados práticos no uso de alguns medicamentos sem comprovação científica.“Estamos no meio de uma guerra. A gente está com armas restritas. Acho que essas são armas que a gente pode utilizar”, defende Elter. No entanto, ele ressalta que o uso ou não destes medicamentos depende da indicação médica e do consentimento do paciente, que deve assinar um termo reconhecendo que não há provas científicas da eficácia daquele remédio.RecomendaçõesNesta terça-feira (30) a Sociedade Brasileira de Infectologia divulgou um novo documento atualizado sobre o uso destes medicamentos para o tratamento da Covid-19 sem evidências científicas. Entre os medicamentos sem comprovação, e até com risco de efeitos colaterais, estão os indicados no protocolo de Trindade.Outras sociedades, como a de pneumologia e medicina intensiva, já vinham divulgando pareceres que questionavam a eficácia desses produtos no tratamento do coronavírus. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) e a agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) recomendaram que não seja usada a hidroxicloroquina ou a cloroquina em pacientes com a Covid-19.“A gente não tem, até o momento, nenhuma base para estar usando como tratamento precoce, nem como prevenção”, explica a médica infectologista Letícia Aires. Ela lembra que cerca de 85% dos pacientes infectados pelo novo coronavírus vão evoluir bem e não vão precisar de internação.Letícia explica que a doença é muito nova, diferente de tudo que já foi visto, mas que já há conhecimentos acumulados sobre a melhor forma de tratamento até agora. Esta melhor forma, segundo a infectologista, é o acompanhamento de perto dos pacientes e a internação precoce dos casos que pioram para evitar a hospitalização em leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Acredito mais nesse tipo de tratamento do que dar medicação antes de sintomas graves, o paciente acreditar que vai se curar com aquilo, mas pode ter efeito e pode não ter efeito. Tenho muito receio deste tipo de conduta”, ressalva a médica.A coordenadora da Área da Saúde do Centro de Apoio Operacional (CAO), Karina D’Abruzzo, conta que a discussão sobre o uso destes medicamentos sem comprovação está ganhando mais força. “É realmente um tema que vem ganhando cada vez mais destaque na ordem do dia. Tanto no sentido daqueles que sustentam a viabilidade, a necessidade de implementação destes protocolos, como também de outro segmento tão forte, que rechaça essa possibilidade pelo menos por hora, tendo em vista a inexistência de estudos científicos que comprovem efetivamente a efetividade farmacológica destes tratamentos”, descreve a promotora.Em maio, o Ministério da Saúde (MS) fez um documento orientando sobre o uso de cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes leves com Covid-19. O protocolo anterior do órgão era somente para pacientes em estado de saúde mais grave.Ainda em maio, a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) emitiu uma nota técnica na qual não recomenda o uso destes medicamentos, mas estabeleceu um fluxo para distribuir estas substâncias, caso o médico prescreva.O Ministério Público Federal (MPF) em Goiás tem feito recomendações para garantir o tratamento de Covid-19 com estas substâncias. “Medicamento sozinho não resolve”A secretária municipal de Saúde de Trindade, Gercilene Ferreira Branca, defende que o tratamento com os medicamentos sem comprovação científica em pacientes nos primeiros dias de sintomas “é um olhar diferente e inovador para o Covid-19”. No entanto, ela ressalta que o medicamento não é o único fator importante no tratamento e que há acompanhamento diário por telefone dos pacientes positivados, além da assistência em outras áreas, como leitos e respiradores.“O medicamento sozinho não resolve. Precisa de avaliação de um profissional de saúde, apoio diagnóstico, rede estruturada de atenção básica, urgência e emergência. O medicamento é um diferencial, uma garantia que outros (municípios) não fazem”, avalia a gestora. Em entrevista na rádio Sagres, o prefeito de Trindade, Jânio Darrot (PSDB), defendeu que não precisa de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que custam muito alto e que o tratamento inicial com esses medicamentos, com comprovação científica ou não, tem resultado e é barato. Darrot usou o uso da cloroquina e dos outros remédios como uma justificativa para não aderir ao novo decreto do governador Ronaldo Caiado (DEM) de fechar atividades econômicas de forma intermitente. Sobre isso, a secretária Branca pontuou que inicialmente Trindade teve uma flexibilização com mais abertura de atividades econômicas, mas que na semana passada houve um novo decreto municipal com várias restrições, como o fechamento de feiras livres. Além disso, segundo a gestora, foram implantadas barreiras sanitárias nas entradas.