Resistência bacteriana e alta toxicidade que pode comprometer o funcionamento dos rins. Esses são alguns dos riscos aos quais pacientes do Hospital de Urgências do Estado de Goiás (Hugo) estão expostos devido à substituição do antibiótico Meropenem por Polimixina, que é mais potente. Auditoria realizada semana passada pela Superintendência Regional do Trabalho em Goiás (SRT-GO) detectou que 16 pacientes estariam utilizando o segundo medicamento, sem necessidade, porque o estoque de Meropenem na unidade estava zerado.Maria de Fátima Vieira Santos Alves, de 52 anos, teve infecção após a realização de um processo cirúrgico na vesícula e para desobstrução intestinal, necessitando de antibióticos para seu tratamento. Seu filho, o autônomo Tiago de Paula Mendonça, de 34 anos, conta que o medicamento desejado pelo médico não tinha no estoque do Hugo e foi preciso ministrar outro tipo de antibiótico. Segundo Mendonça, ele chegou a pedir uma receita ao médico para adquirir o remédio fora do hospital e levar para que a mãe tivesse o medicamento realmente indicado.“O médico disse que não ia ter nenhum problema, que esse antibiótico ia resolver para o tratamento dela, mas a gente fica receoso. Ele não quis me dar uma receita desse remédio para eu comprar fora e trazer para o Hugo. Não permitiu”, revela o autônomo. Ele conta que a mãe vinha sentindo dores abdominais já há algum tempo quando foi a um Centro de Apoio Integrado à Saúde (Cais) do município e, então, foi levada ao Hugo para o procedimento cirúrgico na vesícula.O problema começou no pós-cirúrgico. “A cirurgia teve infecção e ela teve de tomar esse remédio que o médico prescreveu, só que aqui no hospital está faltando tudo, não é só o remédio. Está faltando seringa, soro, uma série de coisas e não só o antibiótico”, denuncia. Ele relata que até mesmo remédios para as dores que ela sentia não vinham sendo dados. “A gente teve de ameaçar ir para a imprensa, fazer boletim de ocorrência na polícia, reclamar muito para começar a ter remédio para dor, porque estava tomando só soro. Agora acharam o antibiótico paliativo para dar para ela”, conta.RiscoDiretor-secretário do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Goiás (CRF-GO), Daniel Jesus explica que, quando um médico vai escolher um medicamento duas situações são levadas em consideração: eficácia e segurança. No caso da substituição de um antibiótico simples por um mais forte, há, segundo ele, um claro risco de comprometer a terapia do paciente. Isso porque, se houver resistência na atualidade ou mesmo no futuro, por exemplo, não há uma segunda escolha.“Polimixina é utilizado quando o medicamento anterior não foi eficaz por ser altamente tóxico e prejudicial, por exemplo, ao funcionamento dos rins. Também é um medicamento mais caro e que só está sendo utilizado porque não há outra opção. Os médicos acabam assumindo a responsabilidade e estão contrariando protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas”, explica o diretor do CRF.Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), Leonardo Reis afirma que situação deixa médicos em atuação limitada. “É vergonhoso que o governo estadual deixe chegar a uma situação destas no final de um mandato. Estive na unidade na última quarta-feira (17) e a situação (substituição de antibióticos) se mantêm. Caso não haja condições de atender os pacientes, será necessário transferir para outra unidade de saúde. Por fim, uma medida que não acredito que será necessária seria a interdição médica, que impediria os médicos de trabalharem por falta de condições. Acredito que o Estado não deixará chegar a esse ponto”, finaliza.Apesar do alerta das entidades representantes dos profissionais de saúde e do filho da paciente, o Hugo afirma que, atualmente, o estoque de antibióticos está regularizado. “A unidade esclarece, ainda, que em eventuais casos de necessidade de substituição deste tipo de medicação o procedimento é feito mediante acompanhamento médico, por outro de mesma classe, para que não haja risco à saúde do paciente.”Servidores realizam paralisaçãoOs funcionários que trabalham no guichê de atendimento do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) realizaram, na manhã desta sexta-feira (19), uma paralisação de 30% da equipe . De acordo com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde), Flaviana Alves, os colaboradores, que são terceirizados, estão fazendo paralisações pontuais para forçar o Instituto de Gestão em Saúde (Gerir) a efetuar o pagamento para empresa que presta o serviço. O sindicato marcou uma reunião na próxima segunda-feira para decidir se as ações continuarão durante a semana. Segundo Flaviana, os funcionários ainda não receberam seus vencimentos do mês de setembro, estando há 15 dias em atraso. “Se são três atendentes e duas param, acaba gerando tumulto. A mesma coisa acontece com os guardas e os maqueiros, que ficam sem poder transitar, causando atrasos em exames e em cirurgias”, relata a presidente. Questionada sobre a falta de medicamentos e outros insumos na unidade hospitalar, Flaviana afirma que a situação ainda não avançou. “A secretaria não repassou o dinheiro para eles pagarem os fornecedores. Não tem nada no hospital, as coisas chegam aos poucos, é um abandono”, completa. Acompanhantes que estavam na sala de espera do hospital reclamam da demora e da falta de atendimento dentro da unidade. É o caso de Florismar Boeno Soares, que está com a sobrinha internada desde o dia 14. Segundo ela, a sobrinha quebrou um braço após ser atropelada por um carro e a cirurgia ainda não havia sido realizada até o final da tarde desta sexta-feira, mesmo depois de quase uma semana. “Eu preciso que ela seja transferida para um hospital que funcione, porque esse aqui não funciona, nem os elevadores funcionam”, reclama a tia.Na tarde desta sexta-feira, as pessoas que necessitavam de atendimento nos guichês do Hugo faziam uma fila que chegava até a porta de entrada principal da unidade hospitalar. Apenas um dos guichês estava com atendente e a sala de espera também estava lotada. Na fila, as pessoas reclamavam que a demora ocorreu durante toda esta semana, até mesmo para conseguir uma informação sobre o local de internação de um paciente ou seu estado de saúde. (Cinthia Barros, estagiária do convênio PUC-GO com GJC) SES promete regularizar situaçãoA Secretaria Estadual de Saúde (SES) informa que os repasses para o Instituto de Gestão em Saúde (Gerir), organização social (OS) que administra o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), estão sendo realizados, o que, de fato, explica a redução do valor em questão no Portal Transparência. A dívida entre o Estado e a OS ultrapassava R$ 37 milhões na semana passada. Atualmente, o Portal da Transparência do Governo de Goiás aponta um déficit de R$ 35,56 milhões. A diferença, de aproximadamente R$ 1,4 milhão, teria sido paga no último dia 11, mas, devido ao feriado de Nossa Senhora Aparecida, a verba só teria caído na conta da OS no dia 15. Ainda assim, o débito continua alto, principalmente levando em consideração a demanda do hospital.“Os recursos são utilizados para a manutenção dos serviços essenciais do hospital”, afirma a SES, em nota. Segundo a secretaria, o abastecimento da farmácia, por exemplo, “está acontecendo à medida que novos repasses são feitos, a exemplo do que está ocorrendo hoje (sexta-feira), com a chegada de novos insumos, garantidos pelo repasse de R$ 330 mil”. O governo garante que as remessas seguem para o Hugo desde esta sexta-feira e até a próxima segunda-feira, “garantindo o abastecimento por, pelo menos, mais dez dias”. O acordo com a Gerir é que todo o estoque de medicamentos e insumos esteja completo no fim da próxima segunda e que, caso isso não ocorra, a OS faria uma lista do que estaria faltando na terça-feira para que a secretaria providenciasse a aquisição.Segundo a SES, novos recursos para o pagamento da dívida serão repassados na medida que forem liberados pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz). A última lista divulgada nesta semana pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/GO), órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), após auditoria, apontava estoque zerado de antibióticos; antifúngicos; agulhas para anestesia; luvas cirúrgicas; sondas; paracetamol e álcool em gel. Mais de 40 itens estariam no fim e 111 zerados. Em relatório, a SRTE/GO diz ainda que pacientes estavam usando penico por falta de coletor. O documento informava ainda que a quantidade de seringas, por exemplo, era menor que o necessário para um dia de atendimento no hospital. Havia, na semana passada 850 seringas de 20ml, sendo que o consumo diário é de 1.633, e 550 seringas de 10ml, sendo que se usa, por dia, 1,4 mil.Desde 24 de setembro, o Hugo funciona mediante termo de interdição aplicado pela SRTE/GO. Um plano de contingenciamento, feito pela SES e pela Gerir, previu a redução de entradas de novos pacientes, restringindo-se apenas aos casos que se enquadram no perfil de atendimento da unidade. Um dos objetivos era reduzir a taxa de ocupação nas unidades de internação para no máximo 85%. Isto, porém, não estaria sendo cumprido, porque o encaminhamento de pacientes continuou ocorrendo. (Catherine Moraes)