Em 2003, Gilson Ipaxi’awyga Tapirapé, 39 anos, se tornou professor em sua aldeia Wiriaotãwa, na Terra Indígena (TI) Urubu Branco, em Confresa (MT). Em 2007, quando decidiu aprimorar os estudos em Goiânia, não imaginava que 16 anos depois seria empossado como o primeiro professor indígena da Universidade Federal de Goiás (UFG). A cerimônia foi na tarde desta segunda-feira (13) no Núcleo de Formação Superior Indígena Takinahaky, onde ele passa a compor o corpo docente.“É muita responsabilidade e um grande desafio”, disse o professor ao POPULAR. No Núcleo Takinahaky, onde estudam mais de 300 indígenas de cerca de 30 povos diferentes, ele vai assumir a disciplina Ciência e Saberes. “Dentro de suas aldeias são sábios, são artistas e lideranças. Vou lidar com pessoas com idade mais avançada, com experiência nos movimentos indígenas. São alunos e também professores, por isso o desafio”, comentou, antes de acrescentar que, se sente seguro na UFG onde há um espaço de construção de pensamento e metodologia voltados para os povos originários.Gilson explica que Tapirapé é uma denominação dada pela sociedade branca. “Na verdade, eu sou do povo Apyãwa.” Depois de terminar o ensino médio em seu habitat, na região do Médio Araguaia, com autorização da liderança de sua aldeia, se mudou para Goiânia para fazer uma licenciatura intercultural, com foco em gestão pedagógica. “Temos responsabilidade e compromisso com nosso povo. Estudar é retribuir essa confiança”, explicou. Na aldeia ele atuou como professor, coordenador pedagógico e diretor da escola local.Leia também:- Dedicação de 38 anos a um povo indígena- Mulheres ocuparam menos de 10% dos cargos de comando do Congresso nos últimos 20 anos- Atual situação dos yanomamis reacende representação indígena nas artesEntre idas e vindas enfrentando os mais de 1 mil quilômetros, entre sua terra e Goiânia, Gilson se especializou em Educação Intercultural e Transdisciplinar e concluiu o mestrado em Letras e Linguística, ambos na UFG. No ano passado, decidiu encarar o concurso para docente da instituição. “Nunca trabalhei como professor de professores”, disse ele, que é pesquisador em saberes indígenas, com vários artigos publicados. Até aqui, Gilson se manteve a maior parte do tempo junto ao seu povo, uma logística que sabe, terá de reconsiderar.É na aldeia Wiriaotãwa, que ao lado de outros sete núcleos formam a TI Urubu Branco, que ficam a mulher Pawygoo e os seis filhos. Dois deles, o mais velho, Xajawytyga, e o caçula, Tywari, vieram para a posse do pai, juntamente com a mãe e o avô paterno, Orope’i, líder de cerimonial da aldeia. O professor relata que as lideranças têm uma preocupação muito grande com a possibilidade de envolvimento da juventude com alcoolismo e drogas, por isso dificilmente os mais novos saem para estudar. Ele é o primeiro de sua aldeia a fazer um mestrado e se tornar professor universitário.Perpetuação de saberes e defesa do territórioUm dos grandes objetivos do novo professor do Núcleo de Formação Superior Indígena Takinahaky da UFG é a preservação dos saberes tradicionais do seu povo, estimulando os mais jovens. Para a dissertação de mestrado, defendida em 2020, ele escolheu o tema Takãra: centro epistemológico e sistema de comunicação cósmica para a vitalidade cultural do mundo Apyãwa. Takãra é a casa de cerimonial em formato oval construída nos centros das aldeias Apyãwa onde são realizados cerimônias e rituais. “Podemos chamá-la de centro de conexões com os diversos mundos e saberes, já que ali coexistimos e nos mantemos em conexões com diferentes seres cosmológicos.”Demarcada em 1998, a TI Urubu Branco, com pouco mais de 1 mil habitantes, é constantemente ameaçada, principalmente ao norte. “Estamos no meio do agronegócio, da cultura da soja. Há forte entrada de madeireiros e as florestas foram devastadas e transformadas em pastagens. Isso interfere muito na perpetuação dos nossos costumes. Hoje temos dificuldade para encontrar matéria-prima para construir o Takãra. Há uma luta frequente em defesa do território”, detalha o professor.Ações protocoladas pelo Ministério Público Federal para garantir a terra aos Tapirapé e retirar invasores foram julgadas favoráveis até a última instância. A última data de fevereiro de 2021, decisão assinada pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. “Até hoje nada foi feito. Nossa esperança é que agora os invasores sejam retirados de imediato”, afirmou Gilson Tapirapé em relação à mudança da política indigenista no novo governo federal.Casos de violência viraram rotina na região da TI Urubu Branco. Em 2012, três lideranças indígenas foram ameaçadas. Em janeiro de 2018, depois de 12 dias desaparecido, foi encontrado o corpo de Daniel Kabixana Tapirapé. Ele trabalhava como professor de matemática na aldeia Hawalorá, da TI Urubu Branco. Detidos por envolvimento no assassinato, dois homens e um menor apontaram o local onde o corpo do indígena foi deixado.-Imagem (1.2613890)