De falta de papel higiênico e detergente à lotação da câmara fria de uma de suas escolas por escassez de gás para o funcionamento do incinerador, os reflexos do bloqueio de recursos previstos para o orçamento da Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2019 já são sentidos por alunos e servidores da instituição.Na Lei Orçamentária Anual (LOA) estavam previstos R$ 100,1 milhões para a universidade, destes, R$ 35,5 milhões foram bloqueados. A maior parte que ficou indisponível, R$ 26,8 milhões, é de recursos previstos para custeio, que pagam despesas como fornecimento de energia, água, segurança, limpeza, manutenção, bolsas de iniciação científica e de monitorias.Com menos recursos, o reitor da UFG, professor Edward Madureira, apresentou na última segunda-feira (23), em assembleia, que a dívida acumulada de junho a setembro com fornecedores já alcança R$ 21, 3 milhões. Segundo a universidade, apesar deste passivo, “até o momento não houve corte ou paralisação em nenhuma área”.Alunos e servidores, no entanto, relatam que apesar das atividades acadêmicas estarem mantidas, sentem impactos no dia a dia da universidade.Na Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ) da UFG, a professora Veridiana Moura afirma que o impacto do bloqueio de recursos foi grande, sendo necessário lacrar temporariamente a câmara fria da unidade, que consegue armazenar 8 toneladas de resíduos biológicos. Isso porque, segundo ela, normalmente a incineração deste material é mensal, cerca de 4 toneladas. “Como não havia gás para realizar a incineração, fomos estocando até a capacidade máxima”. No início de setembro completou três meses sem realizar a queima. “Formalizamos a situação para gestão da EVZ e da Universidade, sendo então realizada uma força-tarefa para garantir um estoque de gás emergencial”. Duas semanas depois, receberam o produto e iniciaram a queima.Nas duas semanas de espera pelo gás, a câmara fria ficou lacrada e Veridiana informa que o Hospital Veterinário da EVZ precisou limitar o atendimento à comunidade. “A câmara foi liberada nesta segunda-feira (23), após a incineração de grande parte dos resíduos biológicos, contudo, a carga emergencial de gás não foi suficiente para finalizar a queima”. Segundo a professora, restaram aproximadamente 2 toneladas e a escola está recebendo novos resíduos provenientes de atividades didáticas, de pesquisa e atendimento à comunidade. “Portanto, em pouco tempo a câmara estará novamente repleta e não há previsão quanto a nova carga de gás”.InéditoSegundo a diretora da EVZ, a médica veterinária Maria Clorinda Soares Fioravanti, esta é a primeira vez que falta gás para o funcionamento do incinerador da escola. Veridiana, que é diretora secretária do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg-Sindicato), diz, que a justificativa é que, com a falta de recursos do governo federal, a faculdade não tem como custear atividades básicas de rotina da universidade.Ela ressalta que a paralisação desse equipamento compromete a realização de atividades didáticas do curso de Medicina Veterinária, de pesquisa de diversas unidades da UFG e o atendimento à comunidade realizado pelo Hospital Veterinário da EVZ. “Realizamos atendimentos a animais que eventualmente morrem e o adequado destino é a incineração, de modo a evitar a contaminação de pessoas, animais e do meio ambiente”, diz.A diretora frisa que a não garantia de gás para o incinerador pode significar paralisação de pesquisa se houver necessidade de incineração de material e não tiver como realizá-la.Maria Clorinda ainda relata outros impactos na unidade, como a necessidade de estocarem o lixo hospitalar gerado, como seringas, há cerca de duas semanas, por não estarem pagando empresa própria para essa retirada. Na quinta-feira (26), diz que conseguiram cremar dois contêineres desse lixo biológico contaminante com o que restava de gás no incinerador.Outro reflexo pode ser no plantio de milho para ser usado na alimentação de bovinos e equinos usados nas aulas de Veterinária. Ela afirma que ainda não foram comprados adubo e sementes. Para colherem em tempo de plantar safrinha, o prazo final para o cultivo da safra é novembro. Falta verba para pagar monitores Diretora da Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ) da UFG, Maria Clorinda Soares Fioravanti, diz que pela primeira vez em 20 anos a universidade não implementou bolsa de iniciação científica, custeada em parte pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e parte com recursos da faculdade, apesar de edital lançado em agosto. “Esses meninos estão trabalhando como voluntários e alguns dependem dessa bolsa para comer”. A diretora diz que o valor pago é o mesmo do da bolsa monitoria, que também está comprometida. Aluna do terceiro período de Medicina Veterinária, Anna Sarah Assis Firmino, de 20 anos, conta que passou em primeiro lugar neste semestre na seleção de monitoria para a matéria de biofísica no departamento de Ciências Biológicas. “O que me daria o direito de uma bolsa de quase R$ 400. Mas, infelizmente, não recebi nenhuma parcela até hoje e não tenho previsão de receber, pois a verba está congelada”. Mas ela diz que prosseguirá na função. “As horas contam para mim, tanto para o currículo quanto para aprendizagem”.Só no Instituto de Ciências Biológicas, segundo o diretor da unidade, professor Gustavo Pedrino, são 35 bolsas de monitoria que, pela primeira vez, o instituto não tem dinheiro para pagar por elas. Diante do quadro que inclui falta de recursos para bolsas e dívidas com fornecedores, a aluna do décimo período de Ciências Biológicas, Geovanna Pires, de 23 anos, diz que torce para conseguir terminar o ano letivo. “Porque a gente fica com medo. Estou perto de formar, tenho medo de não formar agora se tiver paralisação”.Outra preocupação, cita, é que seja mantido transporte da faculdade para levar estudantes, como ela, para divulgar produções acadêmicas no Congresso Nacional de Botânica, de 20 a 26 de outubro, em Maceió. “A priori está garantido, mas fico com medo se vai ter mesmo. Tanto que se não for ter o ônibus eu nem vou. A passagem terrestre está R$ 800”.Geovanna ainda conta que na universidade já percebe mais sujeira nos banheiros, diz que falta papel higiênico e que quase nunca encontra sabonete. Mudança na segurança altera rotina em câmpus e gera reclamaçõesA redução gradativa dos postos de vigias e a ampliação dos postos de vigilantes, apontadas pela UFG como fruto de um projeto de modernização da segurança na universidade, também tem causado reflexos. Estudante do quarto período de Jornalismo, Ildeu Iussef Garcia Felipe, de 24 anos, diz que a saída dos vigias fixos do prédio da Rádio Universitária já implicou em atraso na transmissão de programa esportivo em um fim de semana, quando a equipe teve de esperar a chegada de vigilante com a chave do prédio.No câmpus de Direito, a sala de estudos deixou de funcionar aos sábados, segundo comunicado da direção aos alunos, em razão da saída dos vigias. Aluno do curso, Lucas Nunes, que integra Núcleo de Assessoria Jurídica universitária popular, diz que o grupo usava o espaço para atendimentos aos sábados e que, com a mudança, teve de buscar alternativas. A UFG diz que as unidades acadêmicas possuem autonomia para estabelecer seus horários de funcionamento e “a segurança das quadras funcionará 24 horas para melhor atender às especificidades e necessidades de funcionamento de cada órgão/unidade/laboratório.”-Imagem (1.1897647)