-Imagem (1.2161014)Nesta quarta-feira (2), o Reino Unido autorizou o uso emergencial da vacina da Pfizer. Esta não é a única vacina que apresentou eficácia de mais de 90% nos últimos dias. Com uma nova tecnologia baseada em ácidos nucleicos, que utiliza o RNA do vírus, Pfizer e Moderna já solicitaram autorização para uso de vacinas contra a Covid-19 na Europa e nos Estados Unidos. Inovadora e promissora, a tecnologia pode revolucionar a ciência e facilitar a criação de vacinas para outras doenças. Apesar disso, possui especificidades como a necessidade de transporte e armazenamento com temperaturas de -70ºC e -20ºC. Pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG), membro do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização (SAGE) da Organização Mundial da Saúde (OMS) e representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em Goiás, Cristiana Toscano foi convidada para falar um pouco mais sobre os desafios a partir de agora. Pfizer e Moderna já solicitaram autorização para uso de vacinas contra a Covid-19 na Europa e EUA. O Reino Unido autorizou o uso emergencial da Pfizer. Ambas possuem uma tecnologia nova, que utiliza RNA, e tiveram resultados de eficácia acima de 90% até o momento. O que é essa tecnologia e como esse novo tipo pode influenciar a ciência de uma forma geral?A forma como é desenvolvida e funciona implica em identificar uma porção antigênica que estimula a resposta imune contra um determinado organismo, no caso, os vírus. Geralmente é uma proteína que é codificada, produzida a partir de um gene. Essas vacinas são formadas por esse gene que é introduzido no organismo por meio de uma vacina e que vai estimular a produção desta proteína dentro do corpo. A proteína, por sua vez, vai então estimular a resposta imune. Por que é inovadora? Porque se você identifica essa molécula e o gene responsável por essa produção, é muito fácil desenvolver vacina para outras várias doenças e organismos. Uma segunda vantagem, do ponto de vista de laboratório e tecnologia de produção, ela é muito fácil de produzir. Embora seja inovadora, é fácil ampliar a escala de produção. Quando você está falando de bilhões de doses de vacinas que vão ser necessárias para conter a pandemia, é fácil ampliar a escala. É muito promissor, vemos com muito otimismo e de fato representa uma inovação muito grande agora para Covid e daqui pra frente. Apesar dos resultados comemorados no mundo todo, o Brasil não deve efetuar compras ou receber transferência de tecnologia de Pfizer e Moderna. A justificativa principal inclui as baixas temperaturas que elas necessitam para armazenamento e transporte, por exemplo. Moderna, -20ºC e Pfizer, até -70ºC. Quais países hoje teriam condições de custear o transporte e armazenamento destas vacinas?Apesar da grande notícia boa em relação ao desenvolvimento destas vacinas, existem também desafios. O RNA desestabiliza, denatura e, portanto, a vacina perde o efeito rapidamente se tiver em temperatura ambiente. Mais ainda, a temperatura de geladeira, que é habitual para a grande maioria das vacinas que a gente utiliza na rotina de qualquer programa de imunização, não é suficiente para essa vacina de RNA. Embora as duas sejam de RNA, depois de descongelada a vacina da Pfizer permanece cinco dias em temperatura ambiente e depois perde o efeito. A da Moderna permanece até 30 dias. Elas têm algumas diferenças de exigências nesta cadeia de frios. E são desafios operacionais imensos. Aqui no Brasil a gente tem um programa super forte, estruturado, com aproximadamente 38 mil salas de vacinação e uma série de centrais estaduais e municipais. Então, imagina que eu vou ter que fazer o armazenamento e distribuição de uma vacina -70ºC em todas estas unidades. A gente não tem isso agora porque nenhuma vacina que usamos é armazenada a -70ºC. Países com menor estrutura vão ter dificuldades para incorporar essa tecnologia. O próprio Reino Unido, que deve ser o primeiro a vacinar em larga escala, já nas próximas semanas, vai ter dificuldade. Já anunciaram hoje (quarta-feira, 2) que em alguns locais mais remotos, menores, haverá dificuldade de distribuição e armazenamento. Custo operacional e esforço enorme. Claro que vale a pena, mas é um desafio adicional. Temos ainda outra limitação que envolve o custo dessa vacina. Essas duas giram e torno de 30 dólares a unidade. As outras vacinas têm custo 10 vezes menor, girando em torno de três dólares. Isso está relacionado ao fato de que é uma tecnologia inovadora e que teve um grande investimento. O Brasil possui parcerias para as vacinas produzidas pela Universidade de Oxford e a Fundação Oswaldo Cruz. Além disso, o Instituto Butantan e a empresa farmacêutica chinesa Sinovac também fecharam uma parceria em junho. Devem ser, de fato, as primeiras aplicadas no país? acordos de transferência de tecnologia isso é feito com instituições que possuem experiência e capacidade de produção de vacina. No caso, Fiocruz, através de Bio-Manguinhos e Butantan, que são os maiores produtores de vacina do Brasil e oferecem a maior parte das vacinas que são utilizadas habitualmente no Programa Nacional de Imunização (PNI). Quando isso é feito, a instituição avalia, é claro, se é capaz de receber essa tecnologia. Tem que ter estrutura, capacidade produtiva e planta de produção.Claro que depende dos resultados dos estudos de fase 3, mas, preliminarmente, os estudos de Oxford também foram apresentados na semana passada com dois tipos de dosagens de esquema. Resultados precisam ser submetidos à agência regulatória nacional e serão avaliados segurança e eficácia para liberação do uso. A mesma coisa com a vacina da Sinovac. Com aprovação, as duas deverão ser as primeiras aplicadas aqui, até porque já existe compra antecipada e transferência de tecnologia. Também está confirmada a participação do Brasil no Covax, um fundo de acesso multilateral coordenado pela OMS e Aliança Global para Vacinas. O Brasil terá acesso a mais de 40 milhões de doses de vacinas, que ainda não estão definidas. Existe a possibilidade de outras vacinas serem oferecidas. A maior parte dos países já fez compras antecipadas das vacinas que estão em estudo e a capacidade de produção de muitas delas já está comprometida. Não é tão fácil. Em outubro, na Jornada da Sociedade Brasileira de Imunizações, a senhora disse que a vacinação no Brasil deveria começar prioritariamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Existe alguma possibilidade de laboratórios privados ofertarem vacina no Brasil ou em outro local do mundo ainda em 2021?A prioridade da vacinação, não só no Brasil, mas em todos os países, é que ocorra pelo sistema público de saúde. O importante é que se garanta o acesso a toda a população e não que seja um produto disponível para quem possa comprar. Isso é fundamental porque estamos no meio de uma pandemia e há escassez na produção. Não há vacina para todo mundo e a gente sabe disso. Dentro de cada país também não haverá vacina para todos. Isso não impede que mais adiante algumas empresas solicitem junto às empresas regulatórias nacionais o registro para uso comercial. É possível, mas depende da disponibilidade de doses, interesse do produtor e é adicional ao SUS. Reforço que a vacina garantida a todos, seguindo fases planejadas por cada país, deve ser priorizada. Em relação ao distanciamento e às medidas atuais. Quando se prevê uma “vida de volta ao normal”, considerando que a vacinação seja de fato iniciada no primeiro trimestre de 2021?O ano que vem ainda será de pandemia, apesar das boas notícias em relação à vacina. A vacinação terá duas doses e existe um tempo após a segunda dose para estímulo e proteção ao indivíduo. Inicialmente a vacina vai proteger o indivíduo vacinado de ter a doença, mas ainda não sabemos como estas vacinas se comportam em relação à prevenção da transmissão. Isso porque pode prevenir a doença e não ter impacto na transmissão. É muito importante entender que, mesmo começando a vacinar em março, é processo que vai demorar meses para que de fato nos permita voltar ao que a gente conhecia como normal. Medidas de distanciamento devem ser mantidas. Se tudo der certo, arrisco a dizer que no segundo semestre.