A chácara no valor de R$ 2 milhões que seria, segundo a Polícia Civil, o que motivou o assassinato de dez pessoas no Distrito Federal, não pertencia às vítimas. Na manhã desta sexta-feira (27), o delegado responsável pelas investigações concluiu que os criminosos mataram a família para vender o imóvel em que parte dela morava. No entanto, o local havia sido invadido por dois membros da família há três anos e os verdadeiros donos do imóvel tentavam, na Justiça, retomar a posse.O encerramento dos trabalhos concluiu as investigações do que a imprensa local define como a maior chacina da história do Distrito Federal. As descobertas foram iniciadas após a localização, no dia 13 deste mês, do corpo da cabeleireira Elizamar Silva, de 39 anos, e de três filhos, dois de 6 e um de 7 anos. Após dias desaparecidos, os corpos foram localizados carbonizados dentro do carro da cabeleireira em uma rodovia de Cristalina, Goiás. As duas semanas seguintes foram marcadas pela descoberta de outros seis assassinatos de membros da mesma família.Na chácara que teria motivado a série de crimes moravam Marcos Antônio Lopes de Oliveira, de 54 anos, e Renata Juliene Belchior, de 52 anos, sogros de Elizamar. O casal passou a morar no imóvel no final de 2019, um ano após a morte da proprietária original. Marcos teria feito um acordo informal com um homem que meses antes teria “comprado” os direitos trabalhistas do caseiro, que permanecia na casa, para em troca viver no local. Entretanto, desde 2020 os herdeiros tentavam a retirada dos ocupantes e não reconheciam o acordo feito por Marcos.Após a mudança para a chácara, Marcos teria convidado Gideon Batista de Menezes, de 55 anos, e Horácio Carlos, de 49 anos, dois dos cinco acusados de envolvimento na chacina, para também morar no local. O delegado Ricardo Viana, da 6ª Delegacia de Polícia do Paranoá, disse nesta sexta-feira (27) que os criminosos planejaram o crime com outros comparsas acreditando que, matando a família, poderiam tomar a posse do imóvel e vendê-lo, mesmo sem escritura ou qualquer documento.Leia também:- Chacina de família no DF foi planejada e execução durou quase 1 mês, diz polícia- Preso quinto suspeito de envolvimento em chacina de família do DF- Quarto suspeito de envolvimento na chacina do DF se entrega, diz políciaA Polícia Civil investiga se havia um potencial comprador para a chácara. Ao POPULAR, um dos agentes envolvidos na investigação diz que a venda não era algo impossível mesmo que não houvesse documentação de posse e que o local estivesse sendo reclamado pelos herdeiros. “Nessa parte de Brasília fazer a venda sem documentação não é algo impossível”, disse o agente que pediu para não ser identificado.ChácaraA chácara visada pelos criminosos ficava dentro do Condomínio Vale do Sol, em Itapoã, região administrativa do DF, a 23 quilômetros do Plano Piloto. O local tem uma mistura de casas simples, mansões e a área de chácaras, que fica na parte mais baixa do condomínio. Há uma portaria que registra a entrada de moradores e visitantes, mas qualquer um pode entrar desde que informe o número de algum documento de identificação.O local, segundo vizinhos, se tornou um ponto de preocupação desde a morte da dona, em 2018. Um morador diz que a propriedade era o contraste da calma observada no restante do condomínio. Um outro vizinho não reclama de Marcos e Renata, diz que eram “tranquilos”, mas conta que antes da chegada do casal a chácara teria sido usada por “pessoas estranhas” e que nessa época suspeitava de uso como ponto para o tráfico de drogas.Após a chacina, a porteira de madeira que dá acesso à propriedade passou a contar com uma faixa com os dizeres “Proibido o acesso. Propriedade particular”. A faixa foi colocada pelos herdeiros do local, que dizem esperar agora retomar a posse da chácara.HerdeirosUma das herdeiras da propriedade, que falou em condição de anonimato, disse que a família acompanhava a invasão com preocupação e de mãos atadas. Os processos pela retomada encararam adiamentos durante a pandemia de Covid-19 e erros de formalidade, que resultaram no arquivamento de uma das causas em setembro do ano passado. “Mas eles jamais ganharam o direito de estar lá”, destaca a herdeira, que enviou cópia de todos os processos bem como da escritura da chácara em nome de sua avó.Nos processos consta um depoimento de Marcos em outubro de 2020, quando foi chamado pela Polícia Civil para explicar porque estava morando no local reclamado por herdeiros. Ele disse na ocasião que teria feito o acordo com o homem que “comprou” os direitos trabalhistas do antigo caseiro. Para os agentes, Marcos reconhecia que não era dono do lugar e que jamais pagou nenhuma quantia pelas terras. No entanto, disse que reformou partes da propriedade e que gostaria de “cuidar da terra” e “ficar por lá” caso fosse permitido.A herdeira ouvida pelo POPULAR diz que conversou com Marcos apenas na audiência realizada em setembro do ano passado. Segundo ela, o ocupante dizia que sairia do local caso a família pagasse os direitos trabalhistas comprados de um terceiro. “Isso nunca fez sentido, nós não contratamos ele. Nunca havíamos conversado”, reclama a mulher.Caso foi marcado por reviravoltas A versão final da investigação foi a última de uma série de reviravoltas. Inicialmente os agentes acreditavam que o crime teria sido encomendado por familiares das próprias vítimas, que depois também foram encontrados mortos. A segunda tese era de que os mortos teriam diversos valores a receber após a venda de imóveis e que essa era a motivação, o que se mostrou verdadeiro apenas sobre uma das vítimas. Os investigadores dizem que Gideon e Horácio começaram a arquitetar a chacina há três meses. De início, os alvos seriam toda a família próxima de Marcos, o que incluía Renata, a mulher, Gabriela Belchior, de 24 anos, sua filha, Thiago, o filho, além de Elizamar e seus três filhos, sendo esses netos de Marcos e Renata. Em 23 de outubro, alugaram o cativeiro onde iriam manter as vítimas, em Planaltina. Os planos teriam incluído outras duas vítimas em dezembro, quando os criminosos descobriram que a ex-mulher de Marcos, Cláudia Regina Marques de Oliveira, de 54 anos, vendeu uma casa por R$ 200 mil. Por conta disso, decidiram matar Cláudia e Ana Beatriz Marques de Oliveira, de 19 anos, filha de Cláudia com Marcos. As investigações apontam que a série de crimes começou no dia 28 de dezembro do ano passado, quando Marcos, Renata e Gabriela foram rendidos por dois dos suspeitos. A família foi levada para um cativeiro. Cláudia e Ana Beatriz teriam sido sequestradas em seguida. Por fim, o grupo atraiu Thiago, a esposa Elizamar e os três filhos do casal.Todos foram mortos em diferentes momentos ao longo dos dias em que ficaram sob ameaça dos criminosos. Os corpos foram encontrados em locais diferentes, carbonizados, dentro do Distrito Federal, em Goiás e Minas Gerais. Marcos foi esquartejado. Família tinha vida humilde e era vista como trabalhadora A família que acabou morta por dinheiro de uma terra que não era dela tinha vida humilde. A maior parte da família viveu nos últimos anos em Santa Maria, região administrativa do DF. O endereço fica na parte mais isolada da região administrativa. A casa simples, com nenhum acabamento, é apontada por vizinhos que olham para o local com a perplexidade de terem conhecido muitas das vítimas do caso que dominou o noticiário nas duas últimas semanas. Um vizinho diz que o início das investigações deixou a comunidade aborrecida. O descontentamento era o fato de Thiago ser apontado como mandante do assassinato da mulher e de seus três filhos. “O Thiago cresceu junto com meus filhos, sempre foi trabalhador”, conta. A característica de pessoa trabalhadora foi destacada pelo vizinho sobre Elizamar, Gabriela e Renata. Toda a família morava no local até 2019. A segunda tese das investigações também não convencia os vizinhos. Os policiais acreditavam que os criminosos teriam cometido o crime por montantes de dinheiro das vítimas, entre eles, supostos R$ 400 mil obtidos pela venda da casa de Renata. Ele diz que a casa vendida pela antiga vizinha em 2019 era um “pequeno barraco”, que inclusive foi demolido pelos novos proprietários. “Um lote aqui não vale mais que R$ 90 mil”, afirma. Renata trabalhava como auxiliar de serviços gerais em uma escola do bairro, sendo descrita por uma irmã como feliz e focada em viver o presente. A irmã diz que Renata sonhava em comprar uma casa para morar com Marcos. Na mesma escola em que trabalhava Renata, a filha Gabriela estava dando aulas após ter se formado em pedagogia. Elizamar trabalhava como cabeleireira e havia aberto um salão próprio há três meses. Thiago, seu marido, segundo a família, trabalhava com eventos. Marcos tinha passado criminoso Entre todos aqueles ouvidos pela reportagem, o que inclui familiares, amigos e vizinhos, o nome de Marcos foi motivo de silêncio e poucas informações. Aqueles que o conheceu dizem ter tido poucas informações sobre o que fazia, sem citar profissão ou a rotina do mesmo. A única familiar que citou algum afazer, disse que Marcos “gostava de bater enxada” e de “vaquejada”.Nesta sexta-feira (27) foi revelado que ele tinha uma extensa ficha criminal e conheceu um dos suspeitos presos pela chacina na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Ele e Gideon Menezes, um dos cinco presos pelas mortes, cumpriram pena juntos na penitenciária e mais tarde passaram a morar juntos na chácara invadida. Segundo os investigadores, Gideon foi o mentor do crime. Os processos contra Marcos somam 11 na Polícia Civil do Distrito Federal, já tendo sido condenado por roubo, furto e associação criminosa. Os registros de crimes praticados por Marcos começaram em 1995, quando teria cometido dois furtos. Desde então, ocorreram várias reincidências, além de casos de associação criminosa e adulteração de chassi de carro.Um dos últimos processos contra o homem foi pelo roubo de dois tratores, que inclusive teriam sido localizados pela polícia na chácara onde morava e que foi alvo de interesse dos criminosos responsáveis pela chacina. Além desse, constam outros dois processos por ameaça e invasão, sendo que esses estariam relacionados com a invasão da chácara. O corpo de Marcos Antônio foi encontrado em 18 de janeiro, desmembrado e enterrado em uma cova improvisada. Os criminosos disseram que ele foi o primeiro da família a ser assassinado. Marcos foi enterrado na tarde de quinta-feira (26), junto do filho, Thiago. O sepultamento ocorreu no Cemitério do Gama.