Localizado no Território Rural Vale do Araguaia, em Goiás, o município de Britânia ficou, em média, 102 horas e 24 minutos sem energia em 2021. Isso significa que 7.252 consumidores ficaram mais de quatro dias sem o fornecimento de energia no ano passado, na média disponível em levantamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).O levantamento traz os indicadores coletivos de continuidade que são medidos pela Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (DEC), que é expressa em horas, ou seja, equivale ao tempo médio que um conjunto ficou com a energia interrompida; e pela Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (FEC), que é expressa em número de interrupções, isto é, quantas vezes aquele conjunto ficou sem energia no ano.Os dados referentes a 2021 mostram que a variação do tempo médio em que os conjuntos em Goiás ficaram sem energia vai de 3,82 horas, caso da Subestação Aeroporto, em Goiânia, até 102,4 horas, que é o caso de Britânia, como exposto no início desta reportagem e antecipado pela coluna da jornalista Cileide Alves.Em Goiás, são 156 conjuntos. Para cada um deles há um DEC limite, ou seja, um máximo de tempo médio que a região pode ficar sem energia. Em 2021, só 28 conjuntos tiveram o período com a energia interrompida menor do que o limite estabelecido. É o caso da Subestação Aeroporto, que ficou 3,82 horas sem o fornecimento, mas o limite era de 8 horas.A questão é que os outros 82%, ou seja, 128 conjuntos ficaram sem energia por tempo maior do que o limite imposto. O caso mais crítico é o de Cabriuva S2, que compreende parte dos municípios de Aparecida do Rio Doce, Jataí, Montividiu, Quirinópolis e Rio Verde.São 1.267 consumidores, que ficaram 97 horas, 39 minutos e 36 segundos, em média, com a energia interrompida em 2021. O tempo supera o limite, de 12 horas, em 85 horas, 39 minutos e 36 segundos. A superação do limite chega a 87,7%.Zona ruralO POPULAR apurou que o maior problema está no interior e nas zonas rurais. São regiões que, apesar de terem menos consumidores, possuem alta demanda de energia. Presidente do Sindicato Rural de Jataí, Vitor Gaiardo, afirma que é no período das chuvas que a situação se intensifica.Além de Cabriuva S2, Jataí também recebe energia por meio do conjunto Jataí S1, que só fica atrás de Britânia no tempo médio sem energia em 2021 – foram mais de 99 horas com o fornecimento interrompido no ano passado, em média.“Embora a Enel tenha feito muitos investimentos, o sistema ainda é muito precário, as redes são velhas. Uma grande parte das redes da região são monofásicas. Então, qualquer problema, um galho de árvore que cai em cima da rede, ou de estruturas que já estão danificadas, a energia cai”, diz o produtor rural.A vice-presidente da Comissão Especial de Direito de Energia da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO), Thawane Larissa, avalia que o problema maior para a zona rural é o atraso da Enel Distribuição Goiás para resolver as quedas, o que resulta nos longos períodos de interrupção de energia nessas regiões.Thawane Larissa afirma que, desde que se começou a falar em venda da Enel, percebe-se um desinteresse crescente em resolver esses problemas. “Hoje o diálogo é ineficiente e as pessoas acabam partindo para a judicialização, que não é o melhor meio”, diz.Leia também:- Candidatos ao governo de Goiás apontam medidas contra o gargalo na energia- Imóveis chegam a ficar sem energia por um ano após entrega em Goiás- Empresas brasileiras são principais candidatas à compra da Enel GoiásEspecializada em Direito de Energia, a advogada Ingrid Silvestre acrescenta que também faltam investimentos em manutenção preventiva e equipes para que, em caso de interrupção, o fornecimento seja rapidamente restabelecido. “Por mais que a malha elétrica em Goiás tenha sido desenvolvida, temos uma malha carente de investimentos e melhoria”, avalia.O problema também é sentido pela Indústria. De acordo com a Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), há perspectiva de que novas demandas por energia incrementem cerca de 3,5 vezes em relação à existente em 2017. As quedas de energia, portanto, são um ponto de preocupação. “Os prejuízos se elevam com a queda de energia e, principalmente, pela demora na religação. Algo que deve ser visto com mais atenção.”‘Média global cria ilusão de que está melhorando’, diz secretárioO secretário-geral de Governo de Goiás, Adriano da Rocha Lima, critica o fato de que os limites de tempo médio em que cada conjunto pode ficar sem energia não são considerados para a análise de caducidade da concessão de energia. Para ele, quando a Aneel leva em conta só a média geral do estado, especificidades regionais acabam sendo deixadas de lado para analisar a qualidade do serviço prestado.Embora a Enel cite a evolução positiva da média geral do DEC no estado, para o secretário, o problema está nos 128 conjuntos que continuam com a duração média do tempo em que ficam sem energia ainda acima do limite específico. Adriano afirma que é esperado que tenham conjuntos fora da curva. “Mas não dá para ter conjuntos com indicadores muito fora”, avalia.Para ele, é um problema esse fato não ter impacto contratual. “Porque (só com a média global) você cria uma ilusão de que a coisa está melhorando. Imagina, um lugar ficar com uma média de 100 horas. Isso é muito além de qualquer razoabilidade. A gente tem que garantir que o serviço seja homogêneo no estado”, pontua.Hoje, há o indicativo de venda da Enel para outra empresa, em meio a um processo que tem sido incentivado pelo governo estadual.PolíticaEnergia tem sido um dos temas mais quentes da eleição estadual em Goiás. Em sabatina ao POPULAR, o governador Ronaldo Caiado (UB) trouxe o tema como a pedra no sapato para o desenvolvimento econômico no estado. Na semana passada, questionado novamente, disse que tem dialogado com o Ministério de Minas e Energia e espera por avanços nos próximos meses.Por outro lado, candidatos da oposição, como Gustavo Mendanha (Patriota), têm utilizado o tema como principal ponto de crítica ao governo atual e para embasar propostas. No meio do tiroteio, está a Enel, que afirma que precisa de tempo para melhorar os números no estado, como os citados por esta reportagem, mas que também já negocia a venda da distribuidora de Goiás para outra empresa.InvestimentoUma questão nacional é o investimento em linhas de transmissão, que já não é de responsabilidade da Enel. De acordo com informações no site da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o último leilão de transmissão para Goiás foi realizado em 2020, com um investimento de R$ 400 mil para Silvânia.O POPULAR procurou o Ministério de Minas e Energia para saber se há previsão de novo leilão, mas não recebeu retorno.Enel cita melhora na ‘frequência’José Luís Salas, diretor de Infraestrutura e Redes da Enel Distribuição Goiás, lembra que em 2015 o DEC médio do estado era de 43 horas e 12 minutos. Em 2020, passou para 16 horas e 30 minutos, mas subiu de novo, em 2021, para 18 horas e 48 minutos. A meta, estabelecida no contrato de concessão, é de que a empresa atinja um DEC de 12 horas, 10 minutos e 48 segundos. A Enel conseguiu alcançar a meta da FEC, que é a frequência de interrupções. Hoje, a média em julho foi de 8,27 quedas. A meta era de 9,22 interrupções. "Quando a gente fala de qualidade, não se pode simplesmente olhar a duração sem olhar a frequência", diz o diretor. Segundo ele, a empresa investiu mais de R$ 1,8 bilhão em manutenção e R$ 670 milhões em qualidade de rede. Salas também reconhece os problemas de subestações como a de Britânia e a Cabriuva S2, e afirma que, de fato, a prioridade tem sido para áreas com maior densidade populacional. O que explica conjuntos que abastecem Goiânia, por exemplo, estarem dentro do limite do DEC. O diretor, no entanto, cita a redução do tempo médio sem energia, desde que a Enel comprou a Celg-D, nessas regiões com resultados que seguem negativos. Segundo ele, foram investidos R$ 5,9 milhões e há previsão de mais R$ 40 milhões para o conjunto Cabriuva S2. O conjunto Britânia recebeu R$ 6,7 milhões e deve receber mais R$ 50 milhões. O primeiro teve redução de 40% no DEC, de 2015 a julho de 2022, e o segundo, de 20%, no mesmo período.Para solucionar os problemas, Salas explica que a Enel tem feito investimentos, mas que para chegar ao funcionamento ideal, o volume investido teria que ser muito maior do que o que é considerado prudente pela Aneel. Por isso, afirma que é um processo que leva tempo. Ele vê como positiva, porém, a evolução dos resultados. -Imagem (Image_1.2522814)-Imagem (1.2522846)