Com um faturamento bruto mais de três vezes maior que a arrecadação de Goiás entre 2018 e 2021, o setor agropecuário goiano foi responsável por 2,4% de participação no que foi arrecadado de impostos no Estado no mesmo período. É o que mostra levantamento feito pelo POPULAR utilizando dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Secretaria Estadual de Economia.Nesses quatro anos, considerando a correção pela inflação, o Valor Bruto da Produção (VBP) agropecuária goiana chegou a aproximadamente R$ 352,3 bilhões; já a arrecadação do estado somou R$ 107,5 bilhões, dos quais o agro foi responsável por R$ 2,5 bilhões.O valor da participação do agro na arrecadação goiana é quase oito vezes menor do que a de setores como a indústria, e 5,8 vezes inferior à média da contribuição do comércio goiano (atacadista e varejista) no mesmo período, considerando valores atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) até outubro deste ano.Se considerados os valores da arrecadação estadual entre janeiro de 2018 e outubro de 2022, o dado mais atualizado, o agro foi responsável pela arrecadação de R$ 3,3 bilhões, que representa 2,5% dos R$ 132,8 bilhões que entraram, via tributos, nos cofres do estado nesses quatro anos e dez meses.Os dados mostram a baixa participação do setor na arrecadação estadual no momento em que agropecuaristas estão insatisfeitos com a criação de uma nova contribuição, que deve cobrar até 1,65% sobre a produção de algumas áreas do agro goiano, como cana-de-açúcar, soja, milho e carnes, além da mineração.A proposta, revelada pelo POPULAR, foi aprovada em definitivo pelos deputados estaduais na quarta-feira (23), um dia após o plenário da Assembleia Legislativa ter sido invadido por produtores rurais, que quebraram vidros e interromperam a sessão, em meio aos protestos contra a aprovação do texto proposto pelo governador Ronaldo Caiado (UB).A contribuição será regulamentada por decreto, que ainda não tem data para ser editado, mas não deve atingir produções de leite, mandioca, arroz, feijão, suíno, frango, além de pequenos e médios agricultores, segundo tem reafirmado Caiado em uma tentativa de afastar críticas de agricultores de que a contribuição provocaria aumento no preço de produtos da cesta básica.ExplicaçõesA nova contribuição goiana foi proposta por Caiado em meio à perda de recursos do estado devido à redução da alíquota do ICMS sobre os combustíveis e outras áreas, feita via lei aprovada pelo Congresso Nacional, com aval do governo Jair Bolsonaro (PL), durante a alta dos preços neste ano — e às vésperas do período eleitoral. O setor de combustíveis é o principal contribuinte da arrecadação estadual. (veja quadro)A Secretaria de Economia prevê R$ 2,3 bilhões a menos de receita para o estado neste ano, e de R$ 5,2 bilhões em 2023 como consequência da limitação da alíquota do imposto em 17% e, além da nova contribuição do agro, o estado também deve entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para buscar compensação pelas perdas, segundo informou nesta semana a titular da pasta, Cristiane Schmidt.Não há previsão, porém, de quando a ação será protocolada pela gestão — a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) diz apenas que a questão está sob análise.A contribuição do agro em Goiás deve gerar arrecadação de aproximadamente R$ 1 bilhão, recurso que será utilizado para investimentos em infraestrutura, sobretudo rodovias, segundo o anunciado por Caiado, que utiliza como argumento para “taxar” o agro goiano o discurso de que os grandes produtores do estado, assim como negociadores que compram a produção, os chamados traders, não contribuem com impostos, mas são os que mais usam as estradas para escoar sua produção.“Como tem a Lei Kandir, eles não deixam nada em Goiás porque são isentos. Eles compram o produto aqui, não abrem uma vaga de emprego, destroem nossas rodovias com carretas superlotadas, e vão embora”, disse Caiado nesta semana em entrevista ao jornal Valor Econômico.A Lei Kandir é uma norma federal criada em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e que isenta do ICMS, principal imposto estadual, as exportações de produtos não industrializados. Isto é, a lei afeta diretamente o mercado de commodities, principais produtos exportados pelos goianos.“A Lei Kandir permite que você exporte produtos sem pagar nenhum tipo de imposto. Estou falando de commodities, produtos que poderiam ser industrializados, e sobre os quais se poderia cobrar ICMS, o que não é feito não só em Goiás, mas também em outros estados”, explica o economista Aurélio Troncoso. “E como não são industrializados, esses produtos vão para fora sem pagar nada (de impostos).”Ele explica que a lei surge com o objetivo de destravar o agro em termos de exportação no país, mas que a legislação “trava a economia”. “Trava porque é mais fácil para o produtor exportar do que correr riscos aqui dentro (no mercado interno). O produtor manda o produto (para o exterior), não paga imposto e tem a vantagem de produzir, às vezes, com o próprio recurso. É por isso que o agro contribui pouco com a arrecadação.”Dados da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, organizados pelo Instituto Mauro Borges (IMB), de Goiás, exemplificam a fala do economista: apenas Rio Verde, cidade mais importante do agro goiano, exportou 2 bilhões de dólares em 2021. Tratam-se de R$ 10,7 bilhões, na cotação atual, de exportação de soja e seus derivados, além de milho e farinhas de cereais, exceto de trigo ou mistura de trigo com centeio. Jataí, segundo maior município do agro no estado, exportou R$ 3,3 bilhões (US$ 625,3 milhões) de soja e milho no mesmo período.A reportagem buscou posicionamento da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) sobre a baixa participação do setor na arrecadação, em contraponto ao alto faturamento, mas não obteve resposta até o fechamento da edição. A entidade, contudo, já havia se posicionado contra a contribuição, juntamente com outras entidades que representam o setor.MinériosA lógica da Lei Kandir também se aplica ao setor de extração mineral, que deve ser atingido pela nova contribuição estadual, e teve a menor participação na arrecadação de Goiás entre 2018 e outubro de 2022: 0,5% (R$ 718,4 milhões dos R$ 132,8 bilhões).A atividade também é a última no ranking de contribuição de ICMS em Goiás, logo atrás do agro, o penúltimo: o agro contribuiu com 1,3% do ICMS do estado entre 2019 e 2021; já o setor de minérios, 0,4%. “O setor de extração mineral também entra na Lei Kandir. Também é commodity. As mineradoras extraem e exportam”, relata o economista Aurélio Troncoso.Os dois setores são diferentes do de serviços, por exemplo, de acordo com o economista. “Se a gente pegar o PIB do estado, mais de 60% é na área de serviços, mas a arrecadação é das prefeituras, via ISS, então, não vai para o estado.” Tanto que o setor tem a segunda menor participação nos tributos estaduais: 2,2%.-Imagem (1.2573301)