Criador da plataforma de conhecimento Doutor Agro e fundador da Harven Agribusiness School, o engenheiro agrônomo e professor Marcos Fava Neves se tornou uma referência no agronegócio brasileiro. Na sexta-feira (5), ele participa da Feira Internacional do Comércio Exterior no Brasil Central (Ficomex), onde ministra a palestra “O agro empoderando o Brasil”.A Ficomex, que prossegue até sábado (6) no Centro de Convenções de Goiânia, é promovida pela Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás (Acieg) e pela Federação das Associações Empreendedoras, Comerciais, Industriais, de Serviços, Tecnologia, Turismo e do Terceiro Setor do Estado de Goiás (Faciest) e reconhecida como o maior evento do país em comércio exterior.Em entrevista exclusiva ao POPULAR, Fava diz que o crescimento na produção e exportação de alimentos, somados à geração de energia renovável a partir do agronegócio, impulsionam a influência e o empoderamento do Brasil no contexto global. Ele, acredita que os impactos do tarifaço dos EUA foram grandes, principalmente sobre a exportação de produtos perecíveis, como frutas e carnes, e de produtos acabados que tinham no mercado americano seu principal mercado. Mas fala sobre as diversas estratégias que o Brasil pode adotar para amenizar estes impactos e se fortalecer.Além disso, o professor adverte que o País precisa abordar com urgência a questão do desmatamento ilegal, que se configura como um delito que prejudica sua imagem mundo afora. Para ele, o Brasil tem grande oportunidade de exportar mais produtos acabados.De onde veio este apelido de “Doutor Agro”?Em 2014, lançamos um livro e buscamos um título que fosse representativo. Consideramos “Doutor Agro”, pois o agronegócio é fundamental para o Brasil, sendo essencial para a nossa saúde, subsistência e indicadores econômicos e sociais. O livro teve excelente aceitação e, posteriormente, desenvolvemos uma plataforma gratuita de conhecimento, com um site chamado Doutor Agro, que disponibiliza 70 livros gratuitos e um canal no YouTube com quase 500 vídeos. A origem do termo está na homenagem ao agronegócio brasileiro, reconhecido como o “Doutor do Brasil”. Na sua opinião, quais os impactos mais preocupantes, a curto e médio prazo, do tarifaço de Donald Trump sobre as exportações do agro de Goiás e do Brasil?O impacto realmente é muito grande porque o Brasil, que deveria estar voando abaixo do radar e não chamar a atenção do presidente americano, acabou sendo um dos países em que ele mais tem prestado atenção e que mais tem criado “aborrecimentos” para ele. Essa história do Brasil virar porta-voz de uma moeda alternativa, estar próximo de inimigos declarados dos Estados Unidos, as reações de nossas autoridades e essa mistura com a questão política preocupou demais. Temos setores onde os impactos são muito grandes, principalmente de produtos perecíveis, como frutas, e de produtos acabados que tinham no mercado americano o principal mercado.De que forma os produtores e governos podem amenizar estes impactos?As estratégias para o Brasil são voar abaixo do radar, não se envolver em conflitos, ser expert em negociações internacionais e fornecedor de alimentos para todos, diversificar suas fontes de suprimentos e os destinos de seus produtos, investir em logística e armazenagem, ter estoques e serviços próximos aos clientes, atrair investidores internacionais, focar na internacionalização de empresas e no desenvolvimento de mercados, com a Apex, e ter diplomacia pragmática e não ideológica, um sistema de inteligência monitorando legislações e uma comunicação pró-ativa, com influenciadores.A busca de novos mercados pode ser uma solução somente a médio e longo prazo?A busca de novos mercados é fundamental e o Brasil tem ido muito bem nesta estratégia. Só que, no curtíssimo prazo, isso não funciona, principalmente para produtos perecíveis. Mas essa deve ser uma estratégia forte nossa e o Brasil tem chance de ampliar as exportações do agro em todos estes setores.Se o governo brasileiro adotar a política da reciprocidade, os prejuízos podem ser maiores que os benefícios para o setor?É muito preocupante a retaliação e a aplicação de qualquer reciprocidade. O governo brasileiro não deveria fazer isto, pois pode escalar o problema e criar uma tragédia a outros setores exportadores aos Estados Unidos.Na sua palestra na Ficomex, você falará sobre o “agro empoderando o Brasil”. De que forma se dá este empoderamento?O Brasil consolida-se como um dos principais fornecedores globais de alimentos. Diferentemente de bens como automóveis e computadores, o acesso a alimentos é fundamental para a sobrevivência, e o Brasil, ao suprir as necessidades alimentares de cerca de um bilhão de pessoas, conforme dados da Embrapa, fortalece sua posição no cenário internacional. A dependência de outros países em relação a nós demanda relações diplomáticas positivas. A bioenergia contribui para esse empoderamento: a produção de energia renovável, como o biodiesel e o etanol, a partir de recursos agrícolas, demonstra a capacidade de autossuficiência energética. Em Goiás, caminhões movidos a biodiesel demonstram isso. O aumento da produção de carne e a utilização de subprodutos na geração de biogás e biometano que promove a agricultura de economia circular. O crescimento na produção e exportação de alimentos, somado à geração de energia renovável a partir do agronegócio, com foco em bioetanol, biodiesel e biocombustível de aviação, impulsionam a influência do Brasil.Os produtores têm reclamado das condições de financiamento da safra, com juros altos, altos custos e endividamento. Isso deve impactar o PIB do setor?A principal preocupação é o endividamento. As elevadas taxas de juros e a menor disponibilidade de recursos, em comparação com o crescimento da agricultura, resultam em dificuldades financeiras significativas. Os juros pagos pelas empresas que se endividaram são um desafio considerável. Mas não se espera um impacto negativo generalizado no PIB do setor neste ano, pois há muitas empresas com boa saúde financeira. A demanda do mercado mundial pela produção brasileira permanece forte, com preços estáveis e exportações consistentes. Na sua opinião, o governo deve disponibilizar algum novo instrumento para securitização das dívidas agrícolas neste momento de dificuldade para o setor?O que for possível, desde que não represente sacrifício à sociedade brasileira, ou seja, sem ser um recurso subsidiado, e que não premie quem foi incompetente na atividade.Na sua opinião, ainda existem oportunidades não exploradas pelo agro no mercado mundial? O qe pode ser feito para incentivar mais as exportações de produtos acabados e não apenas de matérias-primas?As oportunidades são imensas. Eu tenho visto produtos prontos do Brasil sendo colocados nas gôndolas de supermercados e esse é o nosso desafio. Tem muita chance de a gente já exportar produtos embalados e conquistar as gôndolas. O Brasil fornecer matérias-primas para as indústrias de vários continentes, que vão usá-los para fazer produtos finais, como amendoim para o chocolate da Nestlé, mas também exportar o produto pronto, uma pauta onde o País tem avançado. A Apex tem feito um trabalho muito legal, mas o céu é o limite, ainda mais com os marketplaces, onde as pessoas compram direto das plataformas, o que reduziu a pressão por ter espaço nas gôndolas. Problemas relacionados aos cuidados com o meio ambiente podem impactar nossas vendas externas? O produtor está mais atento a iss?É imprescindível que o Brasil aborde com urgência a questão do desmatamento ilegal, que se configura como um delito e prejudica sua imagem. O País é reconhecido por seus notáveis indicadores ambientais, com uma matriz energética que apresenta uma significativa participação de fontes renováveis: quase 50% do total e cerca de 90% no setor elétrico. O País lidera o uso de biocombustíveis, ostenta uma das menores emissões de carbono per capita e possui extensa área de preservação, cobrindo dois terços de seu território. O Código Florestal brasileiro e os elevados índices de reflorestamento, impulsionados por inovações e tecnologias limpas, reforçam a posição do Brasil como uma potência ambiental.