O processo de falência da Encol completa 23 anos hoje ainda sem a conclusão do pagamento dos créditos trabalhistas, que precedem o pagamento de todos os demais credores. Representantes dos trabalhadores reclamam da grande lentidão no processo. De acordo com a Associação Brasileira dos Credores Trabalhistas da Encol (ABCTE), 15% dos ex-funcionários da empresa já faleceram e seus herdeiros ainda aguardam a quitação das indenizações. Enquanto isso, a massa falida teria registrado uma despesa mensal média de R$ 1,259 milhão com funcionários, síndicos e advogados terceirizados nos últimos 47 meses. A Encol, que já foi a maior construtora da América Latina, tem um dos processos falimentares mais longos da Justiça brasileira, por conta de “manobras judiciais”, segundo a ABCTE. O presidente da entidade, Luiz Eloy Marques, informa que, nestes 23 anos, a massa falida teria arrecadado mais de R$ 700 milhões, dos quais R$ 200 milhões foram utilizados em pagamentos aos ex-funcionários. Mas cerca de 7,5 mil trabalhadores ainda não receberam integralmente, principalmente por conta de uma divergência quanto ao indexador usado na correção dos créditos.A massa falida vem pagando os créditos trabalhistas corrigidos pela TR, conforme o decreto 7661/1945, que rege a falência da empresa. O síndico da massa, Miguel Cançado, afirma que pelo menos 95% das verbas principais já foram pagos aos trabalhadores e as ações revisionais é que ainda estão pendentes. Isso porque os funcionários ajuizaram ações pedindo a correção dos valores pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O Tribunal de Justiça de Goiás decidiu pela aplicação do INPC, mas a massa falida recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo correção pela TR e ainda aguarda a decisão.Mas Eloy defende que é preciso agilizar estes pagamentos a todos os credores que estão com a documentação em dia, através da realização de um mutirãoprocessual, pois muitos até já faleceram antes de receber o valor devido. “A massa falida vem protelando isso há muito tempo, pois os síndicos e advogados prestadores de serviço se beneficiam com o recebimento de valores milionários, fora os gastos exorbitantes com a administração da massa”, acusa o presidente da ABCTE. Segundo ele, o ex-síndico Olvanir Andrade recebeu mais de R$ 34 milhões em remunerações, entre 2004 e 2018, e o atual síndico, Miguel Cançado, recebe cerca de R$ 180 mil mensais. Entre janeiro de 2018 e janeiro de 2022, as despesas da massa falida com funcionários, síndicos e advogados somaram R$ 59,2 milhões. “Os síndicos ficaram milionários. É uma situação inaceitável e ultrajante, considerando tantos trabalhadores tentando receber todos seus direitos”, diz.Enquanto não há decisão final quanto ao indexador, a juíza à frente do processo da Encol, Luciana Monteiro Amaral, da 11ª Vara Cível, explica que todos os processos estão sendo pagos pela TR. Caso o STJ decida pelo INPC, os credores receberão a diferença. Mas, segundo a juíza, este não é o único entrave. Ela explica que muitas ações possuem vários autores e todos precisam estar com a documentação completa para que o pagamento seja autorizado, o que muitas vezes não acontece. “Já pedimos para desmembrar isso para acelerar os processos”, destaca. Luciana lembra que um caso tão grande e complexo como o da Encol exige muito cuidado quanto à documentação para evitar fraudes e pagamentos em duplicidade. “Se os advogados regularizam os documentos, o pagamento é autorizado rapidamente”, garante a juíza.Longa esperaO presidente da ABCTE conta que a grande maioria dos credores é composta por idosos, pobres e desfavorecidos. Por isso, centenas de ex-funcionários e familiares vão participar de manifestações em Goiânia e São Paulo, na próxima sexta-feira, às 11 horas. Na capital, o ato será na via que dá acesso à entrada principal do Tribunal de Justiça, no Setor Oeste. Cristovam Dias trabalhou na Encol durante 35 anos e faleceu em 2013 sem receber todo o crédito trabalhista ao qual teria direito. Ele Recebeu R$ 80 mil e ainda restam pouco mais de R$ 30 mil. Hoje, sua viúva, a pensionista Gina Aparecida Nascimento, ainda tenta receber o valor. “Ele passou boa parte de sua vida na empresa e até adquiriu uma doença. Morreu esperando receber. Não justifica uma demora tão grande se a massa falida tem o recurso. Assim como ele, muita gente está morrendo sem receber”.O ex-funcionário da Encol João Barbosa Peixoto e sua viúva, Elvica da Silva Peixoto, morreram sem conseguir receber o valor total da indenização trabalhista. Hoje, a filha do casal, Elza da Silva Peixoto, que está desempregada, ainda tenta receber o restante: pouco mais de R$ 3 mil referentes à correção. “A massa falida tinha dinheiro em caixa e poderia ter feito justiça em vida. O valor já estava determinado quando eles se foram sem conseguir receber”, lembra Elza. Para ela, o pagamento agora é uma questão de Justiça, mesmo sendo um valor pequeno. “Isso pode me ajudar com algumas contas. É um dinheiro parado, enquanto a massa falida gasta valores exorbitantes”, acredita.Síndico diz que demora não é culpa da massaO síndico Miguel Cançado garante que a demora na conclusão dos pagamentos não é responsabilidade da massa falida da Encol, pois o processo tem questões complexas submetidas ao Poder Judiciário, como a discussão da correção. Mas, segundo ele, a juíza da falência tem dado celeridade ao processo e mais de R$ 41,2 milhões já foram pagos só na sua gestão. “Há muitos recursos pendentes de julgamento. O STF ainda debate a questão e o índice de correção não é um assunto pacificado”, destaca. A definição do indexador está sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, que se mostrou favorável ao INPC em ações específicas. O síndico estima que a correção pela TR ainda resultaria em cerca deR$ 90 milhões em créditos a serem pagos. Já pelo INPC, este valor mais que dobraria. Ele afirma que todos pagamentos estão sendo feitos nos autos do processo, por determinação judicial. “Não há nada pendente. Só não foi pago o que ainda está em discussão no Poder Judiciário. A massa falida só faz o que é determinado pela Justiça, sob a constante fiscalização das partes interessadas: credores, falidos e o Ministério Público”, garante. De acordo com ele, o síndico recebe o valor fixado pela Justiça nos termos do decreto 7.661, que rege a falência da Encol: 5% dos recursos obtidos pela massa, com a prestação mensal de contas nos autos do processo. “Só nos últimos anos, identificamos mais de 200 pedidos de pagamento em duplicidade ou irregulares nos processos que correm em todo País”, diz. A ABCTE também acusa os dois síndicos de receberem pagamento deR$ 2 milhões de comissão pela venda da fazenda Gameleira que era da Encol, o que configuraria duplicidade. Mas Cançado reitera que todas as verbas recebidas foram fixadas por determinação da Justiça. O ex-síndico Olvanir Andrade não foi localizado para comentar.-Imagem (Image_1.2420064)-Imagem (1.2420116)