Com a retomada da economia, um antigo gargalo enfrentado pelo setor produtivo voltou a ficar em evidência: a escassez de mão de obra qualificada. Por necessitar de trabalhadores com perfil mais técnico, o setor industrial chega a ter sua produtividade e crescimento comprometidos pela carência de recursos humanos com conhecimento especializado. Apesar do alto índice de desemprego, sobram vagas na indústria goiana, para a qual a saída está na adoção de uma política nacional de estímulo à formação técnica, que aumente os investimentos e o interesse dos jovens pela área.Oportunidades existem. A Pesquisa de Acompanhamento de Egressos 2019/2021 mostra que nove em cada dez ex-alunos de cursos técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai Goiás) estão empregados. Este índice de 90% de empregabilidade é superior à média nacional do Serviço, de 70%. O problema é que o número de matrículas nos cursos profissionalizantes não tem acompanhado a velocidade do avanço da industrialização no Estado: foram 123,5 mil em 2011, 132,5 mil em 2019 e, com a pandemia, 127,7 mil em 2020. Este ano, foram 95 mil até setembro. Só entre 2011 e 2019, o valor bruto da produção industrial goiana mais que dobrou: de R$ 53,1 bilhões para R$ 109 bilhões, segundo o IBGE.Representantes do setor falam até em “apagão de mão de obra”. O presidente do Sindicato das Indústrias Farmacêuticas no Estado de Goiás (Sindifargo), Marçal Henrique Soares, diz que a demanda é muito maior que a oferta de profissionais qualificados, que ficam leiloando seu serviço entre as empresas e, depois de formados na indústria local, muitas vezes saem do Estado. Segundo ele, gestores de recursos humanos do setor farmacêutico de Anápolis têm um encontro marcado com o Senai para discutir a formatação de cursos para o setor, que tem hoje cerca de 250 vagas abertas à espera de pessoal qualificado de nível técnico e superior.“Quem se forma no Senai para operação e manutenção de máquinas, por exemplo, tem contratação imediata hoje. Temos um apagão de mão de obra especializada pior que em anos anteriores”, alerta Marçal. Para ele, a situação se agravou após a pandemia e já atrapalha o planejamento das empresas, por isso é preciso criar uma reserva de pessoas capacitadas. “Você compra uma máquina, coloca na indústria, mas não tem operador para ela”, conta.O presidente do Sindicato das Indústrias Metalmecânicas e de Material Elétrico de Goiás (Simelgo), Sílvio de Sousa Naves, também acredita que a escassez de mão de obra qualificada, como torneiros mecânicos, soldadores e técnicos eletricistas e de manutenção de equipamentos, está maior agora, com a retomada da economia. As cidades mais industrializadas, como Goiânia, Anápolis, Aparecida e Rio Verde, são as mais afetadas. “O resultado é uma baixa produtividade e retardo de investimentos planejados”, diz.Ele conta que o Sistema S tem ajudado a reduzir o problema, através de parcerias com a indústria, mas a maioria ainda precisa treinar seu pessoal, o que requer tempo e investimento. Para Sílvio, nos últimos anos houve muito marketing em cima do curso superior, o que não trouxe grandes benefícios para a produção. “São jovens que saem despreparados para a indústria e nem conseguem se inserir no mercado geral. Precisamos de pessoal técnico para operar equipamentos no chão de fábrica, pois chegamos a buscar mão de obra em outros Estados, o que eleva os custos”, observa. Base técnicaO técnico em Eletromecânica Kayus Gracco conquistou seu emprego atual graças ao curso feito no Senai em 2015, mas lembra que continua se qualificando. Hoje, ele cursa Engenharia Mecânica e garante que chegou ao curso superior bem mais preparado que outros colegas graças à formação técnica que teve. “A maioria dos estudantes de Engenharia não tem esta base técnica”, comenta.Há 26 anos, Edilson Nunes Arruda começou a trabalhar como auxiliar de produção na indústria de produtos de limpeza Ki Joia. Pouco tempo depois, se tornou operador de máquinas, cargo que ocupou até 2011, quando a empresa o encaminhou para um curso de Mecatrônica no Senai. Com a nova qualificação, ele assumiu o cargo de encarregado geral de manutenção da indústria. Com um salário bem melhor, Edilson conseguiu comprar sua casa própria e um carro. “Mudei muito minha vida. Hoje, incentivo outros funcionários a fazerem o mesmo.”O proprietário da Ki-Joia e vice-presidente do Sindicato das Indústrias Químicas do Estado (Sindquimica), Jaime Canedo, diz que a Federação das Indústrias (Fieg) tem enfrentado o desafio de trabalhar a educação e qualificação direcionadas à demanda industrial por meio de parcerias em municípios onde as indústrias estão. “Mas já há dificuldade até para encontrar motoristas que saibam operar caminhões cada vez mais automatizados, com vários equipamentos”, cita.Nas indústrias de produtos de limpeza, Jaime fala da dificuldade para encontrar responsáveis técnicos que saibam desenvolver novos produtos mais eficazes ou apenas adaptar produtos e embalagens às demandas de mercados específicos. “Pesquisa e desenvolvimento não são baratos e exigem profissionais muito capacitados. Hoje, isso é um desafio para a indústria elevar a produtividade e reduzir custos, o que poderia ajudar até a baixar preços de produtos.”