Qualificação dos trabalhadores

A indústria goiana já começou a investir em programas para formar os profissionais que precisará ter em seus quadros até 2027 para operar novos processos produtivos que chegam às fábricas por conta da expansão de tecnologias como a inteligência artificial. O Mapa do Trabalho Industrial Goiás 2025-2027 prevê que a demanda por formação profissional no estado é de 486 mil trabalhadores, sendo que 410 mil deverão passar por treinamento e desenvolvimento dentro das próprias empresas.

Entre as áreas de formação com maior projeção de emprego até 2027 estão as de logística e transportes, construção civil, operação industrial, manutenção e reparação e alimentos e bebidas. Naquelas com maior número de trabalhadores formais, o maior crescimento previsto é em manutenção e reparação, com um aumento de 8,9%, e tecnologia da informação, com expansão de 6,5%. A estimativa é que 11,8 milhões de trabalhadores no País precisarão se atualizar e se aprimorar profissionalmente para se manterem competitivos no mercado.

Para Vinicius Magno Alexandre Vieira, diretor de Gente e Jurídico da São Salvador Alimentos (SSA), que conta com 7.100 colaboradores, o momento nunca esteve tão desafiador para a mão de obra. Por isso, a empresa tem várias ações em andamento, sempre pensando em como contratar mais e melhor, além de capacitar e reter pessoas, outro grande desafio. “Hoje, os jovens acham mais interessante passar de uma empresa para outra do que construir carreira em um local”, avalia.

Por isso, a indústria tem oferecido mais benefícios, como restaurantes em suas unidades, localizadas em Itaberaí e Nova Veneza, que servem 120 mil refeições por mês. No início deste mês, foi lançada uma pesquisa de clima organizacional, que consegue, em tempo real, medir as percepções do colaborador sobre seu trabalho na empresa. Vieira conta que, somente em 2025, a SSA contratou 3.200 pessoas, uma média de 400 contratações mensais.

Mas, como a maioria da mão de obra atua em funções operacionais, que registram uma grande rotatividade, há um esforço contínuo do RH para contratar e reter. Na unidade de Nova Veneza, dois terços dos colaboradores são de cidades vizinhas e a empresa tem investido pesado para buscar e levar os colaboradores de volta para casa, o que contribui para a produtividade. “Goiás tem um dos menores índices de desemprego e, na região de Itaberaí, existem mais vagas disponíveis do que pessoas para preenchê-las”, destaca.

O diretor lembra que essa grande oferta de empregos no mercado, apesar de positiva, gera desafios para contratação e retenção de pessoal. “Ainda temos uma competição grande com o trabalho informal, como da construção civil, por conta da concessão de benefícios sociais”, lembra. Assim, a saída tem sido contratar e qualificar essa mão de obra operacional. Para isso, a indústria investe em vários programas, começando pela aprendizagem.

Atualmente, são 332 jovens aprendizes, que podem participar de cinco cursos neste programa. A empresa também tem parceria com o Sesi e, desde 2017, já formou mais de 200 colaboradores no ensino médio pelo programa EJA (Educação de Jovens e Adultos). Outra parceria é com a Faspec, que oferece cursos técnicos de eletricista. “Temos uma área de manutenção grande, por isso trazemos as pessoas e subsidiamos os cursos para elas”, ressalta Vieira.

A empresa também tem outras parcerias educacionais com instituições de ensino, que atendem demandas específicas de formação dentro da indústria. Além de cursos corporativos, a SSA tem uma política de desenvolvimento individual, onde a pessoa pode se qualificar ou até fazer uma faculdade com bolsa parcial ou completa. “Investimos muito em capacitações internas, feitas pelo time de treinamento e desenvolvimento humano. São mais de 150 mil horas por ano”, destaca Vieira.

A empresa também conta com um programa de desenvolvimento de líderes, para cargos operacionais ou administrativos, com adesão voluntária. No ano passado, foram 170 pessoas. Neste ano, serão 320 por conta do aumento das demandas por capacitação apontadas pelos gestores. O próprio pessoal interno é treinado para capacitar outros colaboradores. “Temos uma área de TI grande. De quatro anos para cá, saímos de 15 para 50 colaboradores”, informa do diretor.

Ele conta que a demanda por mão de obra qualificada aumentou com a hiper automatização, onde o colaborador passa a assumir funções mais analíticas e menos operacionais, pois as máquinas passam a fazer o trabalho mais braçal e potencializam o tempo. Mais de R$ 200 milhões são investidos por ano em melhorias, como a troca de maquinários, novos armazéns e tecnologias. “Mapeamos as funções de cada área para detectar as mais operacionais e onde pode ser aplicada mais tecnologia, capacitando quem está lá”, destaca.

Este colaborador acaba promovido para operar sistemas mais automatizados. “A IA traz oportunidade de desenvolvimento profissional, ou seja, veio para potencializar, e não substituir. A tecnologia já facilita até as contratações pelo RH”, afirma o diretor. Para ele, é melhor qualificar quem está dentro da indústria e tem potencial do que buscar fora. “A pessoa fica mais engajada, motivada e tende a contribuir mais com a empresa”.

<div attr-cid="policy:1.3303497" attr-version="policy:1.3303497:1755915336" class="p-smartmidiabox">-<a class="p-smartembed" data-onecms-id="policy:1.3303497" data-onecms-type="article" href="javascript:window.parent.actionEventData({$contentId:'1.3303497', $action:'view', $target:'work'})" polopoly:contentid="policy:1.3303497">Qualificação dos trabalhadores (1.3303497)</a></div>

Promoção

A colaboradora Cíntia Maria Lino começou como auxiliar de produção na desossa na SSA, há três anos. Ficou pouco tempo na função, pois a indústria precisava de gente na classificadora de partes, onde ela aprendeu a função com encarregados e trabalhou por oito meses. De lá, Cíntia foi para a filetadeira, que é nível dois, onde permaneceu por mais de um ano. Hoje, ela é instrutora de treinamento operacional (ITO), que treina os novatos que chegam na empresa. “Com estas promoções, meu salário já subiu 70%. Aproveitei as oportunidades que apareceram”, garante.

Ela lembra que, para ser promovida, passou por treinamento durante uma semana. A colaboradora também fez o EJA na empresa durante um ano e meio e conquistou o diploma do ensino médio. “Tenho gratidão por estas oportunidades, pois estudar dentro da empresa foi bem mais fácil”, admite Cíntia. Mãe de quatro filhos, sendo que um deles já trabalha na empresa como aprendiz, hoje ela cuida de uma célula na linha de produção e diz que pretende continuar crescendo na indústria. No próximo ano, a meta é começar uma faculdade para fazer carreira.

A Consciente Construtora fez uma parceria com o Sistema S para qualificar trabalhadores em seus canteiros de obra, através do Instituto Consciente. Camila Inácio, diretora de Empreendimentos da empresa, conta que um dos projetos é o Ensino Consciente, que conta com uma escola para treinamentos internos e desenvolvimento dos colaboradores. Em 2024, foram mais de 100 horas de capacitação. Outro treinamento recente foi uma atualização de processos, com foco em atendimento.

Dentro das obras, os melhores funcionários fazem a capacitação interna para aprenderem novas funções. Camila dá o exemplo de quatro serventes que receberam treinamento para se tornarem carpinteiros. “No próprio canteiro de obra, o funcionário para um pouco antes do fim do expediente para tomar um banho e lanchar antes de ir para uma sala de aula montada lá”, conta.

De acordo com a diretora, alguns funcionários chegam a dobrar o salário aprendendo novas funções. “Também estimulamos a trazerem familiares para esta capacitação”, destaca. Ela dá o exemplo do atual diretor financeiro da empresa, que começou como motoboy, e do diretor de Engenharia, que começou como almoxarife de obra.

Inovações exigem treinar 486 mil trabalhadores em Goiás até 2027

Economia

Economia - título

Assine - Offers Target - 2

Matéria - Economia

Indústria

O diretor de Educação e Tecnologia do Sesi e Senai, Claudemir Bonatto, confirma que todas as atividades industriais estão demandando profissionais para seus processos produtivos. “Temos demandas formais de diversos setores, como alimentos, de automação, metal mecânica, química de maneira geral, automobilístico, de confecções e de manutenção de máquinas agrícolas”, ressalta. Por isso, segundo ele, o Sistema S tem intensificado ações para capacitar e qualificar profissionais em atividades de operação e em novas tecnologias que, diariamente, a indústria insere em seus processos produtivos, como automação industrial e robotização. “Existe uma grande demanda por profissionais com novas competências e habilidades, principalmente relacionadas às tecnologias habilitadoras da indústria 4.0, como automação, robotização, IA, segurança cibernética e linguagem de programação”, explica. Bonatto lembra que a mudança no perfil das necessidades de competências é acelerada. Se, antes, a mudança era mais lenta e havia mais tempo para fazer a formação do profissional, agora, surge uma nova tecnologia hoje e amanhã já há demanda pelo profissional que a domine. O Senai faz a formação de profissionais em suas 17 unidades instaladas nos principais polos econômicos e em 11 unidades móveis que vão até a indústria para fazer a capacitação. Mas o diretor da instituição lembra que a capacitação também é feita dentro da indústria e nos canteiros de obra para formar profissionais, de acordo com o perfil e necessidade específica de cada empresa. Neste ano, até julho, o Senai já matriculou em Goiás 75,3 mil alunos em todos seus programas. No mesmo período do ano passado, foram 59,6 mil, da aprendizagem industrial à pós-graduação. “Customizamos nossos programas de acordo com as demandas da indústria, em constante transformação”, informa.Para Davi Braga, fundador da Uneed, ecossistema de educação que qualifica profissionais dentro das empresas, a educação precisa ser mais ágil e focada em resultados práticos. Ele compara a economia a um carro e a educação precisa trocar seus pneus com ele em movimento. “A educação não tem acompanhado o crescimento econômico, e o setor privado tem cumprido o papel do estado nesta formação. Por isso, as empresas estão se tornando escolas”, avalia. Para o fundador da Uneed, o estado deveria incentivar as empresas, que precisam de mão de obra qualificada de forma rápida, através das escolas privadas, que estão preparadas e com a estrutura pronta, ao invés de criar novos polos educacionais, que não resolveriam o problema de hoje até 2027.“Um incentivo ao setor privado para as empresas contratarem mais cursos para o treinamento de seus colaboradores, como um benefício fiscal, seria um investimento muito baixo comparado ao custo de criação de novas escolas técnicas”, alerta. Segundo ele, isso seria uma ponte entre o setor privado da educação e das empresas do agro e da indústria. “É uma mão de obra que já está empregada, mas que ainda não é qualificada como o mercado atual exige. O estado precisa intervir nestas políticas de qualificação para abrir um caminho mais rápido.”O carpinteiro Denilson Barros está há três anos na Consciente. Começou como servente de obra, onde ficou quase três anos. Fez o curso de carpinteiro durante seis meses e foi promovido. Com isso, o salário melhorou e, por isso, ele pretende fazer outro curso de eletricista ou encanador. Casado e pai de dois filhos, para Barros, quanto mais se aprende, mais se tem trabalho para melhorar a condição de vida da família.

Demanda cresce com mudança acelerada de perfil operacional

Mercado de trabalho

Até pouco tempo, os tipos de poluição eram bem conhecidos e facilmente identificáveis. Estudávamos a perda de ecossistemas, a contaminação das águas, a degradação do solo, a poluição do ar, fenômenos com cheiro, cor e resíduos palpáveis. A degradação saltava aos olhos, aos ouvidos e ao nariz!

No entanto, o século XXI nos apresenta um novo e silencioso desafio: a poluição virtual. Estamos imersos em um universo digital que, à primeira vista, parece limpo, leve e sustentável. Redes sociais, plataformas de streaming, reuniões online, armazenamento em nuvem, tudo funciona como se estivesse suspenso no ar, sem deixar rastros. Mas essa leveza é uma ilusão.

Por trás da aparente imaterialidade da internet, há um peso ambiental considerável. Bilhões de e-mails trocados diariamente, vídeos assistidos a cada segundo e fotos arquivadas em servidores distantes exigem uma infraestrutura física gigantesca: data centers, redes elétricas, cabos submarinos e bilhões de dispositivos operando ininterruptamente.

Essa estrutura consome energia em larga escala, muitas vezes gerada por fontes não renováveis. Segundo estimativas da Agência Internacional de Energia, o setor de tecnologia da informação é responsável por mais de 3% das emissões globais de CO2, um número comparável ao da aviação civil. E a tendência é de crescimento acelerado, com o avanço da inteligência artificial e do consumo contínuo de conteúdo digital.

Mas a poluição virtual não se limita à pegada energética. Ela também se manifesta na toxicidade das informações. O excesso de estímulos, a desinformação em massa, o vício em dopamina digital e a manipulação algorítmica poluem a saúde mental coletiva e comprometem a vida em sociedade. É uma nova forma de contaminação ambiental.

A velocidade da comunicação e a lógica do engajamento a qualquer custo criam um ambiente tóxico para o pensamento crítico, o tempo de qualidade e a saúde mental coletiva. Produzimos diariamente um imenso lixo digital que entorpece nossa percepção, fragmenta nossa atenção e empobrece nossas relações.

Estamos diante de um tipo de degradação que escapa aos indicadores ambientais tradicionais, mas cujos efeitos se tornam cada vez mais presentes, embora invisíveis. O lixo digital não se decompõe, não apodrece nem desaparece com o tempo. Pelo contrário, ele invade e degrada nossas almas. O resultado é uma constante sensação de fadiga cognitiva, ansiedade, alienação e uma sensação constante de insuficiência.

A poluição do século XXI não está mais apenas nos rios, solos ou no ar. Está também nas conexões invisíveis que alimentam o mundo digital. Reconhecê-la é o primeiro passo para enfrentá-la, antes que a aparente leveza da internet se torne um fardo ambiental e humano difícil de reverter.

Emiliano Lobo de Godoi é professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG)

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Poluição virtual

Artigos

Título - Artigos

Matéria - Artigos

Emiliano Lobo de Godoi

Setores da indústria goiana já começam a desacelerar

O anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de taxar em 50% os produtos brasileiros que entrarem no mercado americano a partir de 1º de agosto já começa a se refletir em Goiás. Grandes indústrias fazem as contas e devem reduzir a fabricação de produtos que são muito exportados para os EUA, como as carnes e o açúcar orgânico. Buscar outros mercados compradores é uma possibilidade, mas nem sempre isso é possível de imediato e a saída é desacelerar a produção.

Os Estados Unidos foram o segundo maior comprador dos produtos brasileiros em 2024, atrás da China, que responde por mais da metade das exportações goianas. Produtos como carnes, grãos, sementes, açúcar orgânico e minérios estão entre os mais vendidos no mercado americano.

O Brasil é hoje o maior exportador de açúcar orgânico para os Estados Unidos, que só produzem 7% de sua demanda interna. Só o Grupo Jalles Machado, que produz 90 mil toneladas anuais, exporta 60 mil toneladas para os americanos. Henrique Penna, diretor comercial da Jalles Machado, lembra que, no último mês de abril, no Liberation Day, os Estados Unidos já estabeleceram uma taxa de 10% para os grandes players que exportam pra eles: Brasil, Colômbia, Argentina e Paraguai.

<cite>Isso resultou em um repasse de custos para a população americana, mas que não teve impacto negativo na lealdade da concorrência”, destaca. Mas, agora, com a taxação de 50% somente sobre o Brasil, haverá esta deslealdade e, ao longo do tempo, o açúcar brasileiro tende a ser substituído pelo de outros países, mesmo que isso demore. Henrique Penna alerta que os cidadãos americanos vão pagar esta conta na substituição do açúcar brasileiro, que é mais competitivo e de maior qualidade.</cite>

A consequência é que, nos próximos anos, outros países devem aumentar seus preços, praticando o preço brasileiro menos US$ 100 e, ainda assim, sendo competitivos. “Eles deixarão de comprar do Brasil para comprar da Colômbia, que tem mais espaço para crescimento e melhor condição de preço. Mas EUA e Brasil perdem. Só ganhará o produtor colombiano, país que já tem problemas com o narcotráfico”, ressalta.

Por isso, o diretor da Jalles Machado diz que a tendência é que a empresa reduza a produção de açúcar orgânico porque não terá outros mercados que possam substituir os EUA. “Fomos provocados pelos compradores americanos a entrar neste negócio porque a produção deles era muito restrita ao sul da Flórida. Hoje, eles têm várias linhas de produtos industriais a partir do açúcar orgânico”, conta. Para ele, o governo brasileiro precisa sentar para negociar tecnicamente, sem ideologias. “A produção de cana será direcionada para o açúcar convencional, o que é ruim porque a margem de rentabilidade do orgânico é maior, afetando os resultados da companhia e reduzindo o apetite de investimentos futuros”, diz.

<div attr-cid="policy:1.3291016" attr-version="policy:1.3291016:1753192827" class="p-smartmidiabox">-<a class="p-smartembed" data-onecms-id="policy:1.3291016" data-onecms-type="article" href="javascript:window.parent.actionEventData({$contentId:'1.3291016', $action:'view', $target:'work'})" polopoly:contentid="policy:1.3291016">Setores da indústria goiana já começam a desacelerar (1.3291016)</a></div>

A carne bovina é o segundo produto mais exportado por Goiás e a China é a maior compradora, seguida pelos Estados Unidos. O presidente do Sindicato das Indústrias de Carne e Derivados no Estado (Sindicarne), Leandro Stival, informa que já há uma paralisação da produção de carne para o mercado americano, que demanda tempo. “Você tem de comprar os animais, abater, processar essa carne, resfriar, estocar, e isso demora. O pessoal já está paralisando porque não sabe se a tarifa vai mesmo se efetivar no dia 1º de agosto ou se será adiada”, explica.

Stival explica que isso afeta toda a cadeia produtiva, pois as indústrias já começam a suspender a compra de bois que já foram adquiridos ou que estavam confinados. Segundo ele, a produção destinada ao mercado americano deve ser remanejada para outros países. “O problema é que a indústria frigorífica tem contratos de 60 ou 90 dias para frente, onde você pega o adiantamento do parceiro comercial para produzir essa carne e faz um contrato com o produtor para ter esse boi específico disponível para atender o mercado, e isso não acontece.”

Por isso, a expectativa é que sejam necessários uns 30 dias para a indústria se organizar e resolver os problemas de realocação de produtos que já estão na estocagem do frigorífico, em trânsito terrestre, nos portos brasileiros ou no transporte marítimo. O presidente do Sindicarne lembra que surgem questões relacionadas à renegociação de contratos. “Se você recebeu o adiantamento e não vai entregar o produto, o parceiro comercial poderá exigir multa e a devolução dos valores pagos, mas você já fez compromissos com os pecuaristas”, adverte.

Por isso, Stival alerta que esta conta vai recair sobre a cadeia produtiva, como a indústria e os produtores rurais. “Na diplomacia entre os governos, eles não perdem nada. Isso nos deixa indignados, pois o prejuízo sobra para o setor produtivo. Acompanhamos as tratativas diplomáticas para sanar, o mais rápido possível, este problema”, completa.

Para o presidente em exercício da Federação das Indústrias de Goiás (Fieg), Flávio Rassi, se ficar como está, o tarifaço será terrível para indústria goiana, que produz açúcar, minérios e outros produtos exportados para os EUA. “Outra questão é a cadeia produtiva nacional: às vezes, você não exporta diretamente, mas produz para uma outra indústria que exporta em outro estado e que pode deixar de produzir. Várias multinacionais serão prejudicadas”, adverte.

O Brasil até conseguiria trabalhar outros mercados, mas ele lembra que isso não é feito a toque de caixa e exige uma série de adaptações de produtos, que são feitos de acordo com a preferência de cada mercado, logística de distribuição e até formato de embalagens. “Esperamos é que o governo brasileiro tenha pragmatismo, deixando questões ideológicas de lado, para reverter isso ou ganhar tempo para implementação das medidas”, alerta.

Apesar de as empresas sempre procurarem novos mercados, ele acredita que esta pode ser uma perda real e irreversível para o mercado brasileiro. A própria insegurança já cria um movimento tão ruim no mercado quanto a tarifa. Para Rassi, a retaliação poderia prejudicar muito o Brasil neste momento. “Nossa economia tem um PIB de US$ 2 trilhões, enquanto a americana é de US$ 30 trilhões. Não dá para bater de frente. É preciso usar diplomacia pragmática e pelos canais convencionais, sem ficar batendo boca em redes sociais para tirar proveito político. É preciso insistir em negociações bilaterais, produto a produto, para reduzir o tamanho do problema”, recomenda.

Apesar de enxergar impactos negativos para o setor de carnes, o diretor executivo do Instituto Mauro Borges (IMB), Erik Figueiredo, não acredita que eles serão muito profundos nesta primeira fase, já que o volume de exportações para os EUA não é tão elevado. Ele lembra que 16% do que o Brasil exporta vão para os EUA, mas com grande concentração no setor de minérios. Por isso, o impacto em empresas como Gerdau e Vale deve ser bem maior.

<cite>Não vejo impacto profundo na economia de Goiás, que está relativamente protegida deste tarifaço. Mas, se o governo brasileiro partir para reciprocidade, nossas importações serão afetadas, principalmente de matérias-primas para a produção industrial, refletindo nos preços internos e na capacidade de produção”, adverte. </cite>

Figueiredo diz que não defende a restrição ao comércio, mas não vê impacto expressivo para Goiás, pois a demanda pode ser realocada, inclusive para o mercado interno.

É o caso do açúcar, que pode ser direcionado para produção de etanol. Para ele, o ponto mais importante desta discussão são os riscos de ter um parceiro comercial só. “Imagina se acontece algo parecido com a China, que compra uma parte muito maior de nossa produção. A diversificação de mercado é muito sadia. Concentrar em um parceiro, ele ganha muito poder de mercado”, alerta.

Tarifaço

A Associação de Avicultores e Produtores Integrados do Sudoeste Goiano (Avip) emitiu um comunicado anunciando que os <a href="https://opopular.com.br/cidades/brf-suspende-contratos-e-diz-que-dara-ferias-coletivas-para-parte-dos-funcionarios-em-jatai-1.3051569" target="_self">integrados da BRF irão paralisar os alojamentos de animais</a> a partir de quarta-feira, dia 23. Os motivos alegados pelos avicultores integrados de Mineiros seria um descumprimento sistemático de diversas cláusulas contratuais pela empresa, com a adoção de condutas unilaterais que violam os princípios da boa-fé, da transparência e do equilíbrio contratual.

Segundo a Avip, a relação entre integrados e a agroindústria é pactuada via contratos de integração que seguem as regras definidas na Lei da Integração (13.288/2016). “No caso dos avicultores integrados mineirenses vinculados à BRF, diversas cláusulas contratuais estão sendo negligenciadas pela integradora, mesmo com inúmeros apontamentos feitos pelos produtores”, diz o comunicado.

De acordo com os integrados, a BRF não adequou sua conduta aos princípios da Lei da Integração e, via poderio econômico, impõe aos integrados alterações unilaterais e contrárias à regra legal. Diante disso, eles alegam que cabe a aplicação do artigo 476 do Código Civil, que trata da exceção do contrato não cumprido e estabelece que, em contratos bilaterais, nenhuma das partes pode exigir que a outra cumpra sua obrigação sem antes ter cumprido a dela.

<div class="p-readmore-box"><a href="https://opopular.com.br/cidades/brf-suspende-contratos-e-diz-que-dara-ferias-coletivas-para-parte-dos-funcionarios-em-jatai-1.3051569" target="_self">BRF suspende contratos e diz que dará férias coletivas para parte dos funcionários em Jataí</a> 
<a href="https://opopular.com.br/economia/brf-anuncia-distrato-com-64-aviarios-de-rio-verde-1.1572271" target="_self">BRF anuncia distrato com 64 aviários de Rio Verde</a> 
<a href="https://opopular.com.br/economia/embargo-a-carne-de-frango-paralisa-unidades-da-brf-1.1505397" target="_self">Embargo à carne de frango paralisa unidades da BRF</a></div>

O comunicado informa que, em virtude “das claras violações contratuais e do abuso econômico da BRF perante o sistema de integração de Mineiros”, a paralisação perdurará até que a BRF regularize suas obrigações, que as condutas unilaterais sejam revistas e o equilíbrio econômico-financeiro seja restabelecido entre as partes, com a retomada das negociações de forma justa e equilibrada, como prevê a Lei da Integração.

A região possui 92 produtores integrados, 134 núcleos (unidades epidemiológicas), <a href="https://opopular.com.br/economia/brf-anuncia-distrato-com-64-aviarios-de-rio-verde-1.1572271" target="_self">516 aviários</a> e o abate diário é de 240 mil aves. É a única unidade da BRF que abate chester. “Só não vamos alojar, os abates continuam pelo bem estar animal”, diz o presidente da Avip, Gilberto Rezende de Souza. Segundo ele, a questão em pauta é a sustentabilidade financeira do negócio dos integrados, que não estaria sendo alcançada.

Souza garante que a situação tem gerado desafios significativos, não apenas em termos de resultados financeiros, mas também em relação à comunicação entre as diferentes categorias envolvidas. “A falta de clareza e alinhamento nas informações está dificultando a colaboração e o entendimento mútuo, o que agrava ainda mais a crise econômica que enfrentamos”, alega.

“Contudo, as negociações referentes ao nosso contrato se prolongaram por um período significativo de um ano, durante o qual foram realizados diversos encontros e discussões entre as partes”, diz o presidente da Avip. Ele lembrou que este extenso processo de interlocução visou encontrar soluções viáveis e satisfatórias para ambas as partes, permitindo a identificação de pontos críticos e oportunidades de melhoria.

No entanto, apesar do tempo investido nas negociações, Souza afirma ser preocupante o fato de que alguns dos compromissos estabelecidos ainda não estejam sendo cumpridos, levantando questionamentos sobre a efetividade e o comprometimento da BRF. “É essencial que as negociações sejam refletidas em ações concretas e transparentes para garantir o sucesso do nosso relacionamento comercial”, diz o produtor. A paralisação ainda é restrita apenas aos integrados da indústria em Mineiros.

Procurada pela reportagem, a BRF ainda não havia se pronunciado até o fechamento desta edição.