O número de testamentos registrados em cartórios de notas em Goiás disparou, no ano passado, e o crescimento superou a média histórica estadual. A pandemia de Covid-19 é o principal fator que justifica esse movimento. Pelo possível aumento da preocupação em definir as questões de herança, partilha e sucessão a favor de herdeiros legais e de pessoas queridas. Ao todo, foram 1,3 mil registros no Estado em 2020.Em dez anos, esse foi o maior número alcançado. Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil (CNB-CF), representou um crescimento de 21,8% em relação a 2019. Presidente do CNB em Goiás, Alex Valadares Braga, ressalta que o impulso representa 14,8 pontos porcentuais superiores à média histórica, que apontava um crescimento médio anual de 7% nos testamentos em cartórios.“As pessoas passaram a ver os testamentos como uma garantia de suas vontades em caso de morte. A crise de saúde mundial fez muitas pessoas refletirem sobre o destino de seus bens, para que sejam corretamente encaminhados e suas vontades cumpridas, em caso de morte, utilizando instrumentos legais que evitem futuras disputas entre familiares e garanta a segurança jurídica aos envolvidos”, pontua ao ressaltar que outros 12 Estados também registraram aumento na busca por esse instrumento. Os inventários, partilhas e doações, conforme explica Braga, não tiveram o mesmo crescimento expressivo em Goiás. Outro ponto, além da pandemia, que pode ter influência na maior procura é a possibilidade de fazer pela internet o processo. “Por meio da plataforma e-Notariado o cidadão poderá atestar, no conforto do seu lar, sua vontade perante um tabelião em videoconferência, contando com toda a estrutura necessária para a realização remota dos atos de transferência de bens, e os mesmos efeitos, garantias e segurança do processo presencial”, explica. Esse aumento na procura pela formalização ocorreu especialmente a partir de junho do ano passado, quando houve um salto de 56,72% em comparação com o mesmo período do ano passado. Neste mês, o número de mortes por Covid-19 também registrou impulso e começou a acelerar. Passou de 142, em maio, para 590 em Goiás, conforme dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-GO). Agosto foi o mês que registrou o maior número de óbitos por consequência da doença. Foram 1.792 no Estado. Ao seguir essa curva de crescimento, o registro de testamentos alcançou o pico em setembro do ano passado, com 166 registros em um único mês. Apesar do incremento, a procura ainda tem potencial para crescer. Não apenas pela instabilidade que a pandemia ainda traz para 2021 como pela mudança de entendimento em relação ao tema. A morte ainda é um assunto evitado. Pesquisa realizada pelo Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) mostra que 76% dos brasileiros entrevistados evitam falar sobre o tema. Associam a sentimentos ruins, como tristeza (63%), dor (55%), saudade (55%), sofrimento (51%) e medo (44%). O que pode postergar uma reflexão sobre a finitude da vida e a consequente organização da sucessão. Perfil Porém, com a pandemia, até o perfil de quem procura orientações sobre testamento tem se diversificado. De acordo com Braga, do CNB-GO, o instrumento ainda é mais procurado por idosos. Mas pessoas de meia-idade e até jovens e profissionais da saúde, que estão na linha de frente do combate ao coronavírus, também ajudaram a reforçar o número de registros no ano passado. “Para lavrar um testamento em cartório, o cidadão precisa ser maior de 16 anos, estar lúcido, portar carteira de identidade, CPF, e apresentar duas testemunhas, que não podem ser herdeiras ou beneficiadas pelo testamento”, descreve sobre o processo. A presença de um advogado nesse processo é opcional. Mas, nos escritórios goianos, os profissionais também sentiram aumento da demanda, segundo informa a presidente da Comissão de Direito de Família e de Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de Goiás (OAB-GO), Ana Paula Félix de Souza. “Muitas vezes, a pessoa não chega ao escritório com a ideia do testamento, mas com a necessidade de resolver algo em relação ao patrimônio e há algumas formas de proteger os familiares. Ao perceber o risco de morte, as pessoas realmente se atentaram para a necessidade de deixar a vida patrimonial e sucessória organizada.” O testamento tem sido o instrumento mais recomendado, pela agilidade e acessibilidade. Entre as opções, esse documento pode ser público, cerrado ou particular. Ana Paula pontua que o mais recomendado é o público, feito em cartório e a partir de minuta elaborada por um advogado. “Isso porque fica cercado de segurança, arquivado e não corre o risco, como o particular, de desaparecer ou alguém de má fé esconder. Enquanto o cerrado tem muitas formalidades.”Ela defende a opção de ter acompanhamento do advogado para que realmente o documento expresse o que o testador deseja e dentro dos limites da lei. “Há regras como igualdade entre filhos, o que pode ou não deixar para o cônjuge e a orientação é importante nesse sentido da parte saber as possibilidades e para não ser nada invalidado depois ou questionado.” No Brasil, por exemplo, não é possível deixar bens para animais. O uso do instrumento não está limitado às grandes fortunas, pode ser feito por diversas pessoas que tenham o interesse em deixar claro como gostaria que fosse destinado o patrimônio. O documento pode ser alterado e revogado enquanto o testador viver e ser capaz de dispor e tem validade e publicidade somente após a morte. “É possível nomear um testamenteiro que será o único a saber, além das testemunhas.” O sigilo é orientado para dar segurança, mas além de nomear uma pessoa que saberá do documento, nos processos de inventário é possível averiguar se há testamento registrado. -Imagem (1.2212187)