Em meio às ações do governo federal para estimular a instalação de data centers no Brasil e reduzir a dependência de serviços do exterior, especialistas avaliam que, por um lado, o País tem condições de receber esses empreendimentos, mas enfrenta desafios significativos em outra frente, como o aumento da demanda por energia impulsionado pela inteligência artificial (IA) e a necessidade de planos consistentes de sustentabilidade para o setor, especialmente no que tange ao uso das águas, utilizadas para esfriar os supercomputadores.Esses pontos dominaram o painel sobre soluções tecnológicas para desafios ambientais realizado na terça-feira (30) pelo Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), durante a 30ª edição do Futurecom, em São Paulo (SP), considerado um dos principais eventos de tecnologia, inovação e telecomunicações da América Latina.Os data centers são locais que abrigam servidores, armazenam, processam e distribuem grandes volumes de dados e informações. São ao menos duas categorias desses processamentos: nuvem (para operar serviços na internet); e IA (para treinar modelos de linguagem complexos).De acordo com o site Data Center Map, o Brasil tem hoje 188 data centers de nuvens e ocupa o 12º lugar no ranking global. Entretanto, diante da alta demanda, a corrida agora é pela construção dos quatro primeiros complexos de data centers focados em IA em estados do Sul e do Sudeste. Na esteira disso, vem gerando polêmica a construção de um data center de IA em Caucaia (CE), que poderia ser usada pelo TikTok, de acordo com informação da agência Reuters.Embora trate com entusiasmo a instalação dos data centers no País, o professor Otávio Chase, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), chamou a atenção para a necessidade de regulamentação acerca do reaproveitamento das águas. “O Brasil está preparado para receber esses data centers, mas se for para ter mais, precisará de projetos estruturantes”, afirmou, acrescentando que os projetos a serem tocados devem elevar também a instalação de usinas fotovoltaicas. “Mas caso haja uma falha na usina, não será um problema acessar a energia do sistema interligado por um pequeno período de tempo.”Professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Vanessa Schramm apontou durante o painel que, apesar da aprovação no fim do ano passado, pelo Senado, do projeto de lei 2338/2023, que regulamenta a IA no Brasil, é precipitado avaliar a qualidade dessas regulações, que vêm sendo realizadas concomitantemente em outros países. “O que é importante é que isso seja um processo dinâmico, que permita ajustes necessários para garantir o uso ético da tecnologia e o desenvolvimento do País”, disse. Para Vanessa, a lei foi desenhada para lidar com os possíveis riscos e desafios que a IA pode representar e, ao mesmo tempo, “dar segurança jurídica para que esse mercado se desenvolva”. A professora ainda citou o Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center no Brasil (Redata), criado no último dia 17 por meio de Medida Provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O programa oferece benefícios tributários para impulsionar novos data centers no País e atender demandas de exportação dos serviços de armazenamento de dados. “Já é uma iniciativa que está surfando nessa onda de oportunidades que a IA vem gerando”, afirmou Vanessa.Na corrida por investimentos em data centers, os especialistas avaliam positivamente o interesse do governo de Goiás no setor, considerando benefícios como a geração de empregos e o impulsionamento da economia com a atração de investidores, mas consideram que a oferta de incentivos fiscais não é condição suficiente para catapultar o Estado a um destaque relevante entre outros players. “As horas de sol a pico de Goiás são favoráveis a instalação de usinas fotovoltaicas, que por sua vez podem dar conta de data centers de IA e impulsionar a economia local. Com isso, você passa a ter também demanda por capacitação por ciência de dados, IA, o que vai causar impacto positivo no sistema de ensino, profissional, para trabalhar com isso”, destacou Otávio Chase ao POPULAR.Por outro lado, Vanessa Schramm ponderou que, apesar das ações do governo estadual, a competitividade de Goiás deverá ser avaliada agora no âmbito do Redata. “É possível que o programa federal favoreça a competitividade de Goiás, visto que a MP considera estímulos específicos para o Centro-Oeste, além de Norte e Nordeste”, afirmou em resposta a questionamento do POPULAR.Em maio, o governador Ronaldo Caiado (UB) sancionou lei que cria a Política Estadual de Fomento à Inovação em Inteligência Artificial. A norma regulatória, como mostrou O POPULAR, não cria uma classificação de risco das ferramentas nem um sistema de remuneração de escritores e artistas, divergindo do projeto de lei 2338/2023 que, apesar de aprovado pelo Senado, ainda está sob análise da Câmara dos Deputados.Já em agosto, Caiado lançou o Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), voltado para disponibilizar crédito para empresas a taxas mais competitivas, com o intuito de incentivar setores estratégicos - como biometano, data center, terras raras, inteligência artificial e linhas de transmissão de energia - para o desenvolvimento da economia goiana.Para Vanessa Schramm, os incentivos são relevantes, mas não são o centro da discussão sobre a construção dos complexos de data centers. “A operação de um data center consome uma quantidade muito alta de energia, que precisa ser ofertada com confiabilidade para garantir a operação ininterrupta. É preciso observar se a contrapartida desses incentivos envolve aspectos ambientais como o uso de energia proveniente de fontes renováveis”, disse, complementando que, em casos assim, a geração de empregos ocorre na fase de construção da infraestrutura e o número de postos na fase de operação é bem pequeno.