Pecuaristas goianos, principalmente os da região do Vale do Araguaia que concentra a maior produção de bovinos no estado, enfrentam dificuldades devido à suspensão de importação de carne pela China, desde 15 de março. A medida foi imposta à JBS de Mozarlândia, mas como se trata da maior unidade do Brasil, a paralisação de atividades ali tem impacto em toda cadeia produtiva do setor ao forçar para baixo os preços ao produtor justo no momento de fim de safra, de boi gordo no pasto antes do início do período de seca no Centro-Oeste.“Com o boi no pasto, os gastos são menores, é mais o sal mineral. Mas sem chuvas, é preciso investir de R$ 20 a R$ 25 por animal/dia em silagem, milho, soja, cujos preços subiram muito”, observa Marcelo Penha, coordenador técnico do Senar Goiás.Marcelo alerta que a repercussão do veto chinês à unidade da JBS pode até, em alguns meses, resultar na diminuição da oferta dessa proteína e em aumento de preço no mercado interno, se houver redução do confinamento e semiconfinamento de junho a setembro devido ao descompasso entre os custos de produção mais altos e o preço menor obtido com a venda do boi.Perspectiva confirmada pelo pecuarista Luiz Saraiva. “Para este ano, a decisão é de paralisar confinamento em Goiás. Estamos no mercado há mais de 20 anos e, pela primeira vez, paralisando”, afirma. Ele explica que suspendeu as vendas por causa do baixo preço e que não vai reabrir confinamento enquanto não tiver segurança do valor pago pelo frigorífico.De fato, houve queda na média do preço da arroba do boi à vista em Goiânia: de R$ 307,15 em fevereiro para R$ 285 em maio. A média em Mozarlândia foi de R$ 313,86 em fevereiro e de R$ 310,93 em março (não há valor a partir de abril devido à paralisação do frigorífico no município).Conforme esclarece o coordenador técnico do Senar Goiás, os preços caíram não só pela situação do frigorífico em Mozarlândia. “Nesta época cresce a quantidade de animais ofertada porque começa a estiagem e o pasto fica pior, o que força os que têm baixa tecnologia e não têm comida para a seca a vender os animais agora, e isso também joga os preços para baixo”, discorre.Nesse contexto, o pecuarista Luiz informa possuir capacidade estática de 4.500 bois, normalmente, 12 mil bois por ano, e que 80% da produção vêm sendo exportados para a China. Mas este ano, diz ele, com o veto chinês a Mozarlândia, complicou bastante, mesmo com a planta em Senador Canedo, à qual costuma destinar 70% do que produz, apta a exportar para a China. É que, enfatiza, com o aumento da oferta, o preço caiu muito.Segundo o produtor, o quadro atual é desfavorável ao setor. Ele lembra problema climático na safrinha, que se reflete em alta no preço da dieta dos animais para engorda, enquanto, na contramão, “o maior comprador do mundo está sinalizando que não vai comprar, ou vai comprar menos”. Diante disso, ele reavalia o investimento direcionado a um único importador nos últimos três anos, o que agora se revela um alto risco.“Concentramos produção e hoje os chineses dominam. Deveríamos ter colocado um limite. A cadeia da carne hoje se tornou muito dependente. Prova disso é a JBS ter que paralisar a maior planta porque os chineses pararam de comprar”, analisa. Mudar esse cenário requer tempo, observa ainda. “Não é fácil retomar outros mercados, a gente vendia para outros países que foram buscar outros fornecedores, como Austrália, Estados Unidos, Argentina...”Exportações Dados do Ministério da Economia/Secretaria de Indústria, Comércio e Serviços (SIC) atestam o quanto a China representa no aumento das exportações de carnes bovinas em Goiás. De um total de US$ 336,3 milhões em carnes bovinas exportados entre janeiro e abril de 2021 houve um salto para US$ 505,1 milhões no mesmo período deste ano, aumento de 50,20%. E a China lidera, com cerca de R$ 324 milhões do total exportado até abril deste ano, ou seja, 64%.Na comparação desde 2019, antes da pandemia, também é visível o avanço crescente das exportações de carnes de Goiás aos chineses. Passou de US$ 118,7 milhões de janeiro a abril de 2019 para US$ 329,8 milhões nos primeiros quatro meses de 2022, aumento de 177% (veja quadro).O freio nas compras pela China altera as projeções dos produtores. Inicialmente, eram previstos 15 dias de suspensão, decorrente de vestígios encontrados nas embalagens do alimento congelado proveniente da unidade da JBS em Mozarlândia que chegou ao país asiático e representariam risco de contaminação de Covid-19. Porém, conforme apurou O POPULAR, a medida foi mais uma vez prorrogada e deve se estender pelo menos até junho.Pecuarista em Nova Crixás, que junto com São Miguel do Araguaia lidera em volume de rebanho no Vale do Araguaia, Paulo Leonel conta que deixar de vender para a JBS de Mozarlândia afetou muito seus negócios. “A situação está cada dia mais complicada, pela concentração de compra, que já era em poucos grupos, e agora a planta principal de um desses grupos está fora de atividade”, lamenta.Leia também:Vacinação suspensa contra aftosa pode ampliar mercado para carne goianaProdução de grãos em Goiás aumenta 10 milhões de toneladas em cinco anosPaulo reclama que a paralisação de atividades pelo frigorífico força o preço para baixo e não se tem para onde escoar a produção. “Como é final de safra, quem tem boi de pasto, principalmente, tem que vender”, aponta. Na planta de Mozarlândia, a demanda era de mais de 2 mil bois por dia, “e não está comprando”, diz ainda, acrescentando que o direcionamento a outras unidades tornou pior o escoamento.“Isso prejudica a cadeia como um todo. É a lei de oferta e procura”, resume, sugerindo como possível estratégia para ajudar o produtor, a diminuição do ICMS para facilitar a venda para outros estados, como Mato Grosso e São Paulo.“O produtor está sofrendo, não está conseguindo cumprir os custos de produção, que subiram muito enquanto baixou o preço do gado”, reforça Paulo.Muita cautelaO coordenador técnico do Senar Goiás destaca que o estado tem o segundo maior rebanho bovino do País e é o terceiro em exportações de carnes bovinas, atrás de Mato Grosso e São Paulo, para ressaltar a importância desse setor na economia goiana.Ele recomenda cautela diante de uma retração da China, país que se tornou determinante não só para Goiás, mas para o Brasil, que neste ano registrou recorde nas exportações de carnes bovinas ao gigante asiático.Mas agora a China vem adotando medidas mais rígidas de isolamento para conter novos surtos de Covid no país. A capital, Pequim, com 21,5 milhões de pessoas, e Xangai, a maior cidade do país, com 25 milhões, impuseram lockdown.Os bloqueios sinalizam desaceleração ainda maior na segunda maior economia do mundo, com retração no comércio exterior.Colaboradores de frigorífico em Mozarlândia serão afastadosAlém dos prejuízos acusados por pecuaristas, os cerca de 2 mil colaboradores da unidade da JBS em Mozarlândia serão afastados temporariamente. Procurada pela reportagem para comentar a suspensão imposta pela Administração Geral de Alfândegas da China (GACC, na sigla em inglês), desde março, à unidade e sobre a negociação com os colaboradores, a JBS respondeu, por meio de nota, que a empresa “está adotando na unidade de Mozarlândia a suspensão temporária do contrato de trabalho, ação prevista na legislação”.“Ainda assim, os colaboradores continuarão recebendo integralmente os seus salários. A medida foi adotada para preservar o emprego de seus colaboradores na planta até que a conjuntura da operação seja normalizada.A empresa está prestando toda assistência para esclarecer dúvidas dos colaboradores nesse período”, completa.-Imagem (1.2455629)