Produtores rurais sofrem há anos com quedas de energia, mas estudo mostra que a partir dos resíduos das próprias produções poderiam iluminar Goiás. O cocô das vacas, galinhas e porcos concentra grande potencial de gerar energia. Juntamente com restos da agricultura, se fossem aproveitados, o campo seria mais do que autossuficiente. Produziria até 35% a mais do que o necessário para atender o consumo registrado pelas distribuidoras (Enel e Chesp) em 2019.É o que mostra dados do Sistema de Informação para Energia (SIEnergia), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com base na produção e rebanho de 2017. O agronegócio goiano é destaque no País nesse quesito. Entre os 15 municípios com maior potencial bioenergético, estão Jataí e Rio Verde, em terceiro e quarto lugares, respectivamente. O que atrapalha é a falta de informação e o custo elevado dos sistemas de geração.São poucas as propriedades rurais no Estado que apostam na oportunidade de gerar a própria energia. Em Abadiânia, no Entorno do Distrito Federal – uma das regiões de Goiás mais ricas em resíduos para uso energético –, a Fazenda Jerivá é um exemplo. Há dois anos, gera energia que atende 70% do consumo. Com aumento dos animais alojados, pode se tornar autossuficiente em 12 meses.O diretor administrativo, Fernando de Souza Benko, conta que para isso é feito uso dos dejetos da bovinocultura de leite e da criação de suínos, que antes eram um problema ambiental. “Traz segurança para deitar e dormir tranquilo, um ganho gigantesco”, compara ao lembrar que da forma tradicional, excesso de chuva tirava o sono pelo risco da lagoa de dejetos transbordar. “Era feio, poluente e caro porque tinha de tratar, tinha limpa fossa, chorumeira e tinha de espalhar no pasto, uma confusão que não existe mais.” Ele diz que a fazenda ficou mais bonita e a geração traz diretamente pelo menos mais dois benefícios, além da economia de energia. A fertirrigação para pasto, hortaliças e outras culturas e a adubação para safrinha e safra verão. Isso porque o biodigestor recebe os dejetos, separa sólido, líquido, e o tratamento gera gás metano, que é canalizado e vai para o gerador, o que resulta na energia para a propriedade. Na última safra, a fazenda utilizou 400 toneladas da adubação natural para plantio de milho, o que inclui, além do material dos dejetos, palha de milho, bagaço de cana e de laranja – que volta das lojas de estrada do Jerivá. O responsável pelo biodigestor, Marcos Henrique Nascimento, trabalha há nove anos na propriedade e reforça que a mudança do sistema tradicional para o novo tratamento aos resíduos é tranquila. “Antes eu não imaginava que os dejetos de animais contaminavam tanto e por isso é gratificante de ver a transformação.” Investimento O investimento do sistema de geração foi de R$ 400 mil, nesse caso. Mas a média do biodigestor varia de R$ 75 a R$ 100 mil, o que depende do projeto. “Do ponto de vista do investimento, é um bom negócio, mas não milagroso”, pondera Fernando ao citar economia de R$ 5 mil por mês na conta de energia e a segurança de não ficar no escuro e perder produtos em caso de falta de luz – o que o faz dependente também de gerador à diesel.“O custo diminui quando há um grande número de projetos a serem implantados, pois possibilita a entrada de várias empresas na disputa por clientes, assim, à medida que a tecnologia se propaga o valor de investimento cai”, defende o analista de mercado do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), Marcelo Penha. Outra saída que em alguns Estados começam a tornar mais viável a implantação é o projeto conjunto de várias fazendas.Marcelo explica, porém, que é uma alternativa possível quando as propriedades são pequenas e as distâncias entre elas não são grandes. Para Goiás, destaca que a cadeia produtiva do leite, frango e suinocultura, que demanda muita energia, com geração via biogás pode diminuir o custo de produção. “Teriam energia mais barata, segura no ponto de vista da queda e segurança ambiental, evitando contaminação do ar e do solo.”“O dejeto é um problema de contaminação resolvido pela construção do biodigestor”, completa. O metano, ao ser queimado, se transforma em gás carbônico e o impacto no efeito estufa é 28 vezes menor. Já há empresas que oferecem soluções mais acessíveis com foco em pequenos produtores, com investimento a partir de R$ 1,2 mil. O resultado não é geração de energia, por conta da pouca quantidade de dejetos, mas o uso do biogás para esquentar água. Fazenda em Catalão, por exemplo, tem esse sistema e reduziu o mau cheiro que tinha com a criação de suínos, além de ter o biofertilizante também como resultado. “A principal barreira é a falta de informação”, destaca o sócio da BGS equipamentos para Biogás, Fernando Machado. A produção de energia por meio do biogás tem se tornado mais viável também quando enquadrada como geração distribuída, em que a energia excedente é injetada na rede da distribuidora e há desconto na fatura de energia. “Nos locais onde a agropecuária já conte com uma tarifa elétrica reduzida, a competitividade diminui. Mas isso pode ser atraente para os casos de geração compartilhada, nos quais consumidores de outras classes associem-se”, destaca o analista de pesquisa energética da EPE, Daniel Kuhner Coelho.