Mais de R$ 12 milhões foram enviados nos últimos seis anos para obras de 47 creches que ainda nem começaram em Goiânia e Aparecida de Goiânia. Todos esses convênios se encerram em 2018 e existe a possibilidade de que esse montante depositado possa retornar à União. Se esses espaços tivessem sido construídos, mais de 11 mil crianças de até 5 anos já poderiam ter sido beneficiadas.A reportagem apurou junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação (MEC), que existem 101 convênios firmados com as duas cidades para a construção de escolas de educação infantil. No total, 60 construções sequer começaram, sendo que 47 delas chegaram a receber recursos que, hoje, estão parados em contas bancárias dos municípios.Nesse mesmo período, 22 Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) foram concluídos, sendo 2 em Goiânia e 20 em Aparecida. Somente 2 construções estão em execução, 1 em cada cidade, e ainda estão atrasadas. As demais obras estão paralisadas ou foram canceladas.Uma das construções que ficou apenas no papel foi a do Cmei Alto do Vale II, no Setor Alto do Vale. Conforme o FNDE, no dia 5 de abril de 2013 a Prefeitura de Goiânia recebeu R$ 282 mil para o início da obra, orçada em R$ 1,4 milhão.Quase cinco anos depois, o dinheiro continua depositado e corre o risco de ter que ser devolvido, já que o convênio vence no dia 25 de março de 2018. O espaço poderia receber 240 alunos em dois turnos. Porém, o projeto está em fase de reformulação atualmente o local abriga uma praça.O pedagogo Rederson Ferreira dos Santos, de 36 anos, que brincava com a filha de 2 anos em um balanço da praça no Setor Alto do Vale recebeu com surpresa a notícia de que na Rua RB-3, esquina com a Rua ALV 4, deveria existir uma creche.“Para falar a verdade eu me assustei. Pensei que fosse em outro endereço, mas realmente bate com essa praça aqui que é a única área pública possível. E se tivesse um Cmei aqui do lado da minha casa seria muito mais fácil para mim e para vários pais da região. Seria perfeito, porque fica a cerca de 50 metros da minha casa. Na região existem outras creches, mas estão todas cheias”, disse.O FNDE afirma que as duas administrações municipais são as responsáveis por contratar, acompanhar e vistoriar as obras. Assim que as construções avançam, mais recursos são disponibilizados. A fiscalização, no entanto, também deve ser realizada pela União.Fila de esperaA Prefeitura de Aparecida informou que para este ano foram disponibilizadas 4.657 vagas para educação infantil e a fila de espera alcança aproximadamente 10 mil crianças. A administração disse, ainda, que existem 30 Cmeis na cidade, além de 17 Centros Integrados de Educação Infantil (CEIs) conveniados.A Secretaria Municipal de Educação (SME) da capital não revelou qual o tamanho da fila de espera de crianças, mas afirmou que o dado seria repassado na próxima semana seguinte, já que o período de matrícula se estendeu até a última sexta-feira (26). Existem na capital 143 Cmeis e 43 convênios com creches, segundo a SME.Vale lembrar que, neste ano, famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família tiveram prioridade no acesso às vagas da educação infantil. A SME disse que as vagas prioritárias que ficarem ociosas serão disponibilizadas àquelas crianças que estiverem na lista de espera de 2018.Demanda cresce ao lado de obra paralisadaO esqueleto de um Cmei no setor Center Ville, região Sudoeste da capital, começa a desaparecer. O matagal esconde parte da estrutura que foi erguida em uma obra paralisada desde 2014. Quase quatro anos depois, a situação da construção não mudou. O que mudou foi a demanda crescente de pais em busca de uma vaga para os filhos.Segundo o FNDE, R$ 230 mil foram enviados para a unidade, o equivalente a 20% do recurso total da construção, orçada em R$ 1,1 milhão. No órgão federal consta que apenas 7% da obra foi concluída. A Prefeitura diz que não existe um prazo para finalizar o projeto, que agora está em fase de licitação.A reportagem de O POPULAR já havia visitado o local em agosto de 2017. Na época, segundo o presidente da Associação de Moradores do Center Ville, Wilson Sodré, a demanda era de aproximadamente 80 crianças. “Hoje esse número já cresceu. E pior, o mato já está maior que as paredes que estão deteriorando. Era um local em que nós sonhávamos para nossos filhos e nossos netos. O poder público tem que olhar com carinho para a população. A falta de vagas em creches, atualmente, é a maior aflição dos moradores do bairro”, disse.O presidente relata que aquelas crianças que conseguem vagas no setor precisam percorrer vários quilômetros para outros bairros em que são atendidas. “A fila é grande e olha que já cobramos muito. Algumas mães ainda conseguem vagas, porém distantes. E está na lei que a criança tem que conseguir uma unidade próxima da casa dela”.Hoje, nem mesmo a placa que informa o prazo para a conclusão do procedimento, como determina a legislação, está afixada nas proximidades.3 perguntas para Bruno BelemAdvogado e presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO) explica o que pode acontecer com o recurso.1 - O que pode acontecer com esse dinheiro que ficou parado por anos?Esse recurso é repassado para um fundo específico do município. Se o convênio celebrado vencer, ele pode ser prorrogado, dependendo da justificativa, ou a prefeitura devolve o saldo. De qualquer forma, o município tem que justificar o uso do dinheiro, se foi aplicado e a obra foi paralisada ou cancelada, por exemplo, ou porque não gastou.2 - Quem é responsável por fiscalizar as obras?Em primeira instância o município, que realiza a licitação e tem obrigação com o convênio, prazo, custo e a construção. E o FNDE, que analisa as prestações de contas. Como é um recurso federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) avalia a efetividade das transferências e a aplicação dos recursos federais. Posteriormente, até mesmo o Ministério Público e a Controladoria-Geral da União (CGU) podem analisar os casos. Se forem identificadas irregularidades, cabe a esses órgãos apurar a eventual responsabilidade. A população também pode acompanhar e provocar os órgãos fiscalizadores.3 - É comum que esses contratos se arrastem por anos?Não é uma realidade tão fora da curva. Isso porque entra prefeito e sai prefeito e o trabalho é descontinuado. Por vezes pode faltar recurso, outras vezes gestão. A nova administração pode demorar meses para se situar de todos os convênios firmados, quais estavam irregulares ou não. A descontinuidade chega a atrapalhar em alguns casos. Infelizmente é uma realidade que vemos com frequência. Mas isso não pode nos tirar o poder de indignação diante de coisas como essas.