Os servidores do Centro de Internação Provisória (CIP) no 7º Batalhão da Polícia Militar, no Jardim Europa, em Goiânia, demoraram 3 minutos e 16 segundos para agir no incêndio no dia 25 de maio em que morreram 10 adolescentes infratores que estavam em uma cela no local. Isso considerando o tempo a partir de quando o fogo foi descoberto. Durante este tempo, segundo sindicância interna cujo relatório O POPULAR teve acesso com exclusividade, um dos internos e alguns servidores aparecem em câmera de segurança observando o fogo e saindo do foco de visão do equipamento para só depois o combate ao incêndio ter início, incialmente de forma improvisada com baldes de água. No local, não havia extintores por perto.A investigação feita pela Secretaria Estadual da Mulher, do Desenvolvimento Social, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho (Cidadã), órgão ao qual o CIP está ligado, levou ao afastamento de 13 servidores da unidade por suspeita de omissão de socorro e à abertura de um procedimento administrativo, como O POPULAR mostrou no dia 6. O relatório final ignora 15 depoimentos de funcionários que alegaram a falta de extintores no momento da tragédia.De acordo com o relatório final da comissão interna, na manhã daquela sexta-feira, a ala A, cenário da tragédia, fica sem a presença de nenhum servidor em vários momentos. Em um deles, às 11h10, seria possível perceber o clarão do início do incêndio. As chamas começaram no corredor do alojamento 1, que fica em uma área com pouca visibilidade. No livro de atas da unidade, na data de um dia antes da tragédia, é sugerido que internos novatos não sejam transferidos para essa cela, porque ela seria de “difícil visualização para monitoramento”. Para sanar esse ponto-cego, uma posição fixa de observação deveria ser ocupada por um servidor durante 24 horas, segundo a secretaria Cidadã. Dois adolescentes que estavam no alojamento 2, de onde é possível ver o corredor onde começou o incêndio, afirmam em depoimento à sindicância que primeiro viram ser jogado um pedaço pequeno de colchão em chamas e em seguida um pedaço maior, com labaredas mais altas. A prática seria comum em situações de reivindicação. O fogo só foi percebido cerca de 40 segundos depois de seu início, por um adolescente que ajudava a servir o almoço. Ainda segundo os depoimentos desses dois adolescentes, durante o incêndio, os internos do alojamento 1 gritaram. “Socorro educador, nóis tá queimando, ajuda, ajuda educador” e “Vai nos deixar morrer educador?”Assim que foi avisada sobre o incêndio, a coordenadora técnica do CIP, Sany Silvano Nogueira, que era a responsável pela unidade naquele dia, pediu para ser confeccionado um documento que solicitava a entrada de policiais na ala. Apesar do centro de internação funcionar dentro de um batalhão da PM, é preciso ter autorização por escrito para os militares entrarem na unidade. Segundo a sindicância, imagens de câmeras de segurança demonstram que durante mais de três minutos o incêndio é visto por 13 servidores, entre educadores, pedagogos e assistentes sociais, mas ninguém tenta conter as chamas. Enquanto elas consomem a ala, um servidor do CIP faria deboche da situação. “Vê o fogo, sorri e faz sinal com a mão que não está nem aí”, diz trecho do documento. Um dos agentes ouvido no processo, afirma que os funcionários não sabiam se o fogo se tratava de um motim, tentativa de fuga ou rebelião.O incêndio só começa a ser combatido depois que Sany entrega a solicitação à PM e com a ajuda de um interno de confiança passa a jogar água nas chamas com um balde. Em seguida, dois servidores pegam uma mangueira, que estava do lado externo do CIP, e acoplam em um hidrante. As filmagens acabam nessa parte, já que a energia elétrica da ala foi desligada para evitar curtos-circuitos. Em um dos depoimentos, um servidor diz que o ferrolho que trancava o alojamento só foi aberto depois que os policiais chegaram. A PM entrou na unidade mais de cinco minutos depois do início do incêndio. Os funcionários conseguiram apagar o fogo antes da chegada da equipe do Corpo de Bombeiros, mas já era tarde. O Procedimento Operacional Padrão do Sistema Socioeducativo prevê, em casos de incêndio, “avaliar a melhor forma de conter o fogo e se há necessidade de uso de extintores, mangueiras ou chamar bombeiros”. Também é orientado que o servidor deve “agir com máxima rapidez no combate ao foco de incêndio.” MotivosA reportagem questionou quatro servidores que estavam no momento do incêndio sobre a demora para combater as chamas. Três deles foram afastados pela sindicância,. Um deles explica que não tinha noção do que acontecia no momento do fogo, já que não teria visão da porta do alojamento. Todos afirmam que nesse tempo de espera procuravam extintores de incêndio e mangueiras. “Não é como uma escola ou shopping, que você abre as portas de emergência e todos saem”, justifica um educador. Já o servidor que teria sorrido durante o incêndio, diz que não teve acesso às imagens das câmeras de segurança e não se lembra do que aconteceu no momento. “Isso é o que eles estão falando. Agora, eu não sei quem é o especialista em linguagem labial, nem de sinais, para deduzir qualquer interpretação a respeito da minha postura”, defende.A defesa dos servidores afastados reclama que não conseguiu ter acesso a cópias das imagens de monitoramento mesmo após solicitação formal. Ela defende que a decisão da sindicância foi arbitrária e que há contradições nos depoimentos. Por nota, a secretaria Cidadã afirma que a sindicância possui discricionariedade para conduzir as investigações e que o processo corre sob segredo para não haver pré-julgamento contra os servidores. A pasta iniciou um novo procedimento administrativo para apurar o vazamento dos autos. Por telefone, a coordenadora Sany disse não querer comentar o assunto. Ela não foi afastada de suas funções e não é considerada suspeita de omissão pela sindicância.A reportagem também questionou a Polícia Militar de Goiás (PM-GO) pela demora no atendimento da ocorrência. Segundo a sindicância, mesmo estando ao lado do CIP, os policiais só entraram na unidade mais de 4 minutos depois de terem sido informados sobre o incêndio e mais de 2 minutos após receberem documentação autorizando a entrada na unidade. Por nota, a PM-GO informou que os policiais se deslocaram imediatamente para o local ao saber da ocorrência. “Mesmo não sendo habilitados para combate a incêndio e não tendo nenhum equipamento de uso individual ou apropriado, fizeram tudo que era possível naquele momento, não medindo esforços para salvar a vida das vítimas, colocando suas próprias vidas em perigo”, diz a resposta.-Imagem (1.1593797)