“Ele me mostrou um vídeo pornô e depois me levou para a cama dele.” O desabafo é de Amanda (nome fictício), uma calunga de 12 anos de idade, moradora de uma comunidade de descendentes de escravos quilombolas que se refugiaram em Cavalcante, no Nordeste de Goiás. Ela não é a única vítima. O Conselho Tutelar registra, em média, por mês, cinco denúncias de abuso sexual infantil. A maioria das vítimas é calunga e, por causa de ameaças, vive sob a lei da mordaça. Até um vereador da cidade é suspeito de abusar de outra criança. O estupro de vulnerável é o crime mais comum na cidade, confirma o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO).Devido ao silêncio das vítimas, O POPULAR levou três meses apurando como elas têm se tornado presa fácil para os criminosos. Eles estão dentro e fora da comunidade e, às vezes, convivem com as vítimas na mesma casa. É o caso de Amanda. “Foi meu irmão por parte de pai que me machucou”, conta ela (leia entrevista ao lado), enquanto tampa o rosto com as duas mãos, numa tentativa de apagar da sua cabeça a imagem de terror. O suspeito fugiu.Outro caso recente envolve o vereador Jorge Cheim (PSD), marido da vice-prefeita do município. O delegado Diogo Luiz Barreira diz que vai pedir a prisão preventiva dele, já que um laudo comprovou a conjunção carnal. O parlamentar nega, afirmando que só levou a vítima para morar na sua casa devido às dificuldades da família dela. “O intuito sempre foi de ajudar”, ressalta, acrescentando que, apesar de não haver autorização judicial para cuidar da criança, o MP-GO sabia.O vereador é primo do marido da promotora de Justiça Úrsula Catarina Fernandes Siqueira Pinto, que responde pela comarca de Cavalcante há 18 anos. “No caso do Cheim, houve manifestação do MP, mas em fase de inquérito”, explica. Ela diz que deve se declarar suspeita na fase de ação judicial. Em nota, a Corregedoria-Geral do MP informa que analisa reclamação autuada no mês passado contra o trabalho dela.Úrsula diz que toma todas as providências para apurar as denúncias. Apesar do grande número de casos registrados pelo Conselho Tutelar, só 11 ações judiciais de abuso sexual foram propostas desde 2010. “Já houve denúncias envolvendo pessoas politicamente influentes”, destacou, ressaltando que outro vereador da cidade já foi condenado, mas aguarda julgamento do recurso.Muitas vítimas se tornaram adultas, sem ver a punição dos culpados, diz Dalila Reis Martins, uma das representantes dos calungas. Elaine (nome fictício), de 31, sabe bem o que é isso. Calunga, ela lembra que foi abusada aos 9 anos. “Fiquei sendo abusada por um bom tempo e não falei nada porque tinha medo de morrer. Hoje tenho mais medo de meus filhos passarem pela mesma situação.”