-Imagem (1.1558377)Dos nove feminicídios registrados em Goiás, em oito não havia nenhum tipo de registro policial anterior da vítima contra o agressor. Os casos são os registrados na estatística da Secretaria de Segurança Pública (SSP), que utiliza como base os boletins de ocorrências do Registro Integrado de Ocorrência (RAI), registro único e integrado de qualquer ocorrência das forças de segurança pública do Estado. O registro em questão, feito cinco meses antes do crime, foi de averiguação e visita solidária. Ou seja, após acionada, a Polícia Militar foi ao local, mas a vítima não chegou a ir à Delegacia da Mulher. O documento relatava que a vítima havia sido agredida pelo companheiro na noite anterior e ele já não estava no local.Dos nove casos, em seis deles familiares, amigos ou vizinhos relatam um histórico de agressão, seja durante o relacionamento ou após o término. Em cinco dos nove casos, ficaram apontadas, com base em investigações policiais e informações de pessoas próximas da vítima, situações de ciúmes excessivos e tentativa do autor de controlar a vítima, buscando afastá-la da família e de amigos.Irmã da funcionária pública Giselle Evangelista, de 38 anos, Michelle Evangelista relata que a mulher vendeu o carro meses antes de ser morta pelo namorado José Carlos de Oliveira Júnior, que confessou o crime. Apesar de independente, Michelle conta que ele passou a levar Giselle ao trabalho e outros locais. “Ele era uma pessoa estranha. Tentava falar com ele em um almoço e ele ficava isolado, e puxava ela para um canto, tentando afastá-la de todos”, disse.RompimentoEm pelo menos dois dos nove casos, o agressor não aceitava o rompimento. A enfermeira Márcia Cristina Fernandes da Silva, de 37 anos, foi casada com o agente penitenciário Rosimar Brandão Ferreira Dias por mais de 20 anos. Quando ela pediu o divórcio, mais de um ano antes de ser morta, o homem recusou. Ele trabalhava em Barra do Garças, Mato Grosso, e ia para Formosa, onde Márcia vivia, nos dias de folga. Mesmo separados, com Márcia já até namorando outra pessoa, o homem fazia questão, por exemplo, de dormir na casa da mulher quando estava na cidade. Márcia teve o primeiro filho com Rosimar aos 15 anos. A farmacêutica e técnica de enfermagem Letícia de Jesus dos Reis, amiga de Márcia, afirma que o homem ligava quase todos os dias a ameaçando. As discussões entre os dois eram constantes. Ela, no entanto, nunca quis denunciar o homem por não acreditar que ele teria coragem de fazer algo contra ela. Márcia também não queria um divórcio litigioso, porque teria que dividir tudo, inclusive a casa onde vivia com os dois filhos.Não aceitar o fim desejado pela mulher não é algo exclusivo de relacionamentos longos. A auxiliar administrativa e estudante de Pedagogia Yone Glória da Cunha Novais, de 21 anos, namorava com Marcos Alexandre Morais de Assis há três meses. Segundo a mãe da jovem, Jucelene Ferreira da Cunha Novais, Yone disse que iria terminar o namoro devido às mentiras e ciúmes excessivos de Marcos. “Ele pressionava ela demais. Ela se sentiu sufocada. Se ela ia no banheiro, ele ligasse e ela não atendia, ele brigava com ela”, relata.Tipificação mudada“A vítima do sexo feminino, de aproximadamente 30-40 anos, se encontra em posição fetal dentro de uma mala, apresentando lesão no pescoço, indicativo de estrangulamento”. O relato da Polícia Civil descreve a vendedora Adriana Nunes de Sousa, de 24 anos, morta estrangulada e achada em uma mala, em um córrego de Aparecida de Goiânia. O caso não foi tipificado como feminicídio na Polícia Civil. Na denúncia do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), o órgão diz que o homem “imbuído por motivo torpe com emprego de asfixia, em razão de gênero e utilizando-se de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, matou Adriana”, remetendo assim à questão do gênero. O principal suspeito é o porteiro e estudante de Direito Ubiratan Guilherme Digues de Lima, de 35 anos, que está preso. Ele nega que tenha cometido o crime.O delegado do Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) de Aparecida de Goiânia, Rogério Bicalho Filho, que teve atuação no inquérito de Adriana, explicou que entendeu que o caso não foi um crime especificamente contra o gênero feminino. De acordo com ele, a motivação não ficou clara. Bicalho explicou ainda que a tipificação pode mudar ao longo do processo, com a denúncia do Ministério Público, como foi neste caso.-Imagem (Image_1.1558373)