Pelas ruas da cidade, desde o final do ano passado, é possível ver placas indicando rotas de fuga e direcionando para onde a população deve se dirigir em caso de rompimento da barragem. Sirenes de alerta foram instaladas neste mês e testadas na semana passada pela mineradora para demonstrar como tudo, em tese, ocorreria se algo semelhante a Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, ocorresse em Crixás. Viver no município que fica a 328 quilômetros de Goiânia e que possui uma barragem de contenção de rejeitos de mineração com uma capacidade de 16 milhões de metros cúbicos, se transformou num convívio constante com a possibilidade do alerta.Na cidade, fica a unidade Serra Grande da mineradora multinacional AngloGold Ashanti. Desde 1990, a barragem que fica a 1,8 km da cidade está em funcionamento e atingiu na última vistoria feita pela Defesa Civil, no dia 8 de janeiro deste ano, um nível de rejeitos decorrentes da extração do ouro que correspondia a 14,5 milhões de metros cúbicos. Isso equivale, por exemplo, a 1,8 milhão de metros cúbicos a mais do que o total de rejeitos que estavam depositados na barragem que rompeu na cidade de Brumadinho, na sexta-feira (25). Lá, o volume, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e do Recursos Naturais Renováveis (Ibama), era de 12,7 milhões de metros cúbicos.A barragem de Crixás tem uma classificação de risco baixa, ou seja, as características técnicas e o estado de conservação, conforme a última análise feita pela Agência Nacional de Mineração (ANM), estavam de acordo com o plano de segurança de barragens. Todavia, devido à localização, considerada próxima do perímetro urbano da cidade e perceptível por meio de imagens aéreas, o Dano Potencial Associado (DPA), que seriam as consequências causadas em caso de rompimento, é considerado alto. Das dez barragens de rejeitos em funcionamento no Estado, esta é a que mais suscita preocupação, por ter uma cidade inteira logo à frente, à jusante do empreendimento.Desde a tragédia de Mariana, ocorrida em 2015, os moradores da cidade já ficaram preocupados. Na época, segundo o pároco de Crixás, o padre José Modesto Arriel, as autoridades foram procuradas por representantes do povo. A informação dada foi de que não havia o menor risco de algo semelhante ocorrer na cidade. Agora, com o episódio de Brumadinho e envolvendo uma barragem que, apesar de mais antiga (funcionava desde 1976), também possuía uma classificação de risco baixa, a preocupação se fez presente mais uma vez. “Depois que acontecer, tocar as sirenes não vai resolver nada. Ela vai descer e vai haver mortes, danos ambientais e prejuízo material”, diz o padre.SimulaçõesDuas simulações de fuga, com participação da população, foram feitas pela primeira vez em quase 30 anos de funcionamento da barragem, em novembro do ano passado. Segundo a mineradora, 935 pessoas participaram da ação e receberam orientações do que deveria ser feito e para quais pontos correr em caso de rompimento. Existem no município alguns pontos mais altos, como escolas e quadras de esporte, que são considerados locais seguros. Participaram da ação moradores dos bairros Morada do Sol, Novo Horizonte, Horizonte Novo, Santa Izabel e Vila Nova.O comandante da Companhia Independente de Uruaçu e chefe da Regional da Defesa Civil que atende o município de Crixás, o major do Corpo de Bombeiros Ary Bernardo Dutra dos Santos, acompanhou as simulações e diz que a situação encenada foi a de um contexto crítico de rompimento, “como se tivesse ultrapassado o limite da crista dela (da barragem) e as sirenes fossem acionadas”, explica. Na ocasião, segundo ele, como os equipamentos de alerta ainda não estavam instalados, foi utilizado um carro de som que passava pela cidade emitindo os alertas, como se fosse uma sirene móvel.“O que simulamos foi o tempo necessário entre o alerta da sirene e a chegada da população no ponto de refúgio. O morador precisa chegar no ponto de encontro em, no máximo, 25% do tempo que a lama levaria para chegar à casa dele. Utilizou-se um parâmetro norte-americano para estabelecer isso”, detalha o major. O trabalho de simulação, contextualiza ele, em muito foi realizado mediante as orientações dadas à mineradora pela Defesa Civil, que, apesar de não ser o órgão direto responsável pela vistoria da barragem, função realizada pela ANM, mantém o hábito de visitar as estruturas da região pelo menos uma vez por ano.O diálogo existe entre a empresa e a população local, inclusive com realização de visitas à barragem para que todos possam ver de perto como ela está. Muitos moradores, porém, não se sentem seguros. “De maneira alguma, daria tempo de evacuar e sair correndo. Pelo que a gente viu em Brumadinho, a lama vem muito rápido. Aqui é um buraco, um vale”, afirma a confeiteira Lídia Eliane Silva, de 45 anos, que mora numa das áreas consideradas de risco, em caso de rompimento. Segundo ela, dormir com tranquilidade está cada vez mais difícil. 1.087 pessoas seriam atingidas, diz relatórioO comandante da Companhia Independente de Uruaçu e chefe da Regional da Defesa Civil que atende o município de Crixás, o major do Corpo de Bombeiros Ary Bernardo Dutra dos Santos informa que o Plano de Ação de Emergência (PAE) apresentado pela mineradora AngloGold Ashanti, responsável pela barragem de rejeitos de Crixás, estipula que, em caso de rompimento, uma população de 1.087 pessoas poderia ser atingida diretamente. O estudo, segundo ele, determina as regiões que seriam afetadas pelo comportamento de “onda cheia” de rejeitos. As pessoas que residem nos respectivos locais considerados de risco foram cadastradas e convidadas para participar dos treinamentos de simulação realizados em novembro do ano passado. Procurada pela reportagem, a AngloGold Ashanti ressaltou que o foco da empresa é sempre a prevenção para que um rompimento de barragem jamais aconteça. Os monitoramentos na estrutura, segundo a multinacional, são constantes, atendendo às exigências dos órgãos fiscalizadores nas três esferas. O PAE é uma obrigação legal para empresas de mineração que têm barragens de rejeitos. “Nele, estão listadas todas as ações que deverão ser tomadas. Este plano é de conhecimento de todos os órgãos competentes”, diz a nota da empresa. Ainda segundo a AngloGold, desde 2016 vem sendo realizado um forte trabalho de melhoria do Plano, alinhando-se a novas determinações legais. Os investimentos em projetos de inovação e tecnologia feitos pela mineradora, conforme a nota enviada ao POPULAR, tem grande enfoque naqueles que são destinados aos monitoramento. VisitaO prefeito de Crixás, Plínio Luis Nunes de Paiva (PR), esteve nesta terça-feira (29) na empresa para conversar com os representantes da mineradora e obter respostas para passar à população. Nos últimos dias, muitos moradores o procuraram reivindicando por um posicionamento mais incisivo e soluções para uma questão que gera preocupação para a maioria. “A barragem já teve um problema há muitos anos, no início. Hoje, a situação está muito controlada. Estive na empresa tratando deste assunto, porque a população cobra muito”, expõe ele. A informação repassada pelos técnicos ao prefeito foi de que a barragem vive um contexto de extrema segurança. “Eu não sou engenheiro nem técnico, mas tenho uma confiança grande na empresa”, diz o prefeito. O Batalhão Ambiental esteve na prefeitura nesta terça-feira. (colaborou Diomício Gomes) MP quer informações sobre barragens O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) encaminhou na última segunda-feira (28) ofícios à Secretaria de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável, antiga Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (Secima), e à Agência Nacional de Mineração (ANM) solicitando relatórios detalhados sobre as barragens licenciadas pelos dois órgãos. O prazo concedido para que as informações sejam repassadas foi de 60 dias.A solicitação foi feita pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente e Urbanismo (Caoma). O órgão fez o requerimento à Secretaria de Meio Ambiente de dados de todas as barragens licenciadas pelo órgão, acompanhadas das respectivas licenças, autos de infração ou embargo, plano de segurança, classificação de risco e dano potencial associado. Já à ANM, foram solicitadas informações referentes às barragens de rejeitos, que tem como competência fiscalizar o quesito “segurança de barragem”. Também à agência foram pedidas as licenças, autos de infração ou embargo, plano de segurança, classificação de risco e dano potencial associado. O coordenador do Coama, Delson Leone Júnior, disse que quer uma radiografia de todas as barragens já cadastradas, número que gira em torno de 200. “Queremos de todas, não só de algumas. Porque às vezes tem uma barragem com classificação de alto risco, mas a que rompe é de médio. Então, a solicitação encaminhada é que de todas as cadastradas eles nos enviem a classificação, identificação... Tudo que consta na legislação”, disse. O promotor afirmou que já possui uma reunião agendada com a ANM na próxima sexta-feira (1°/2).A secretária estadual de meio ambiente, Andréa Vulcanis, informou que é possível repassar as informações das barragens cadastradas ao MP. Ela disse ainda que já chamou o coordenador do Cao, Delson Júnior, para uma reunião. “É importante que eles entendam que nós estamos nos movimentando. Nós não estamos omissos”, reforçou.Estima-se que o Estado tenha cerca de nove mil barragens de água espalhadas em seu território. Destas, cerca de 1,2 mil possuem outorga de uso de água, o que representaria 13% do total. Dentre o número total, é possível que haja muitas barragens de pequeno porte em que basta ao proprietário uma dispensa de outorga de uso de água, facilmente obtida junto ao órgão ambiental. (Sarah Teófilo)Ouça o relato dos moradores: