-Imagem (1.1537293)Nos últimos três anos, cresceu em cerca de cinco vezes o número de estudantes quilombolas da Comunidade Kalunga, localizada na região da Chapada dos Veadeiros, no Norte do Estado, presentes em cursos de graduação na Universidade Federal de Goiás (UFG). Dados da Coordenação de Inclusão e Permanência da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) da instituição demonstram que, desde 2016, a quantidade de ingressantes ultrapassou a casa das três dezenas por ano letivo, enquanto, entre 2010 e 2015, o número total de matrículas oriundas desta população foi de 24.Considerado o maior território remanescente de quilombos no Brasil, o Kalunga é a origem da maior parte dos quilombolas que entraram na UFG desde 2009, ano de ingresso da primeira turma do Programa UFGInclui, que foi criado em 2008 e gera uma vaga extra em cada curso em que há demanda de indígenas e quilombolas. Das cerca de 272 pessoas, ao menos 151 são da comunidade goiana. Os números são uma estimativa e podem ser ainda maiores, uma vez que, segundo a Coordenação, nem todos os estudantes identificaram sua comunidade de origem.Para os protagonistas do crescimento, este é o resultado da luta por representatividade travada dentro e fora da universidade, do empenho próprio em divulgar as possibilidades de ingresso no Ensino Superior, algo a que as gerações anteriores tiveram pouco ou nenhum acesso, e do aprendizado advindo das experiências vividas pelos primeiros estudantes a quebrarem as barreiras até então existentes.O pontapé inicial de Laísa da Silva Santos, de 21 anos, kalunga do Vão do Moleque, Região Prata, foi dado quando as primeiras pessoas da comunidade ingressaram no ensino superior. Até então, segundo diz, não havia informações sobre como cursar uma faculdade. “Quando elas entraram, começaram a se unir e a formar o coletivo de estudantes indígenas e quilombolas”, explica ela, aprovada em 2015 em Ecologia e Análise Ambiental. “Senti que, desde então, aumentou bastante o número de estudantes. Os alunos começaram a divulgar, para a comunidade e para outras pessoas, as formas de sobrevivência e as políticas públicas existentes na universidade, e isso ajudou”, opina Laísa.Coordenadora de Inclusão e Permanência, a professora Suzane de Alencar Vieira vê na influência dos estudantes pioneiros um papel determinante para o crescimento na participação destes alunos nos processos seletivos da instituição, que, em sua visão, se tornou ainda mais visível a partir de 2015, fortalecido pela oferta de bolsas de permanência.“É algo que tem a ver com relações de parentesco e redes de apoio que essas pessoas têm. Os primeiros que ingressam vivem todos os desafios de permanência e encorajam os demais. Há, ainda, um apoio muito importante da própria comunidade”, explica ela.Permanência é desafioPara a coordenadora de Inclusão e Permanência, porém, um desafio maior do que a aprovação é a continuidade no processo de graduação. As dificuldades vividas pelos estudantes vão além da questão financeira ainda considerada determinante para a evasão e, para isso, são desenvolvidas ações de apoio e acolhimento nos âmbitos educacional, cultural e psicológico.“As monitorias de disciplinas, por exemplo, tentam ajudar a superar obstáculos trazidos por problemas em uma formação anterior. É um programa para que se sinta que o ambiente acadêmico é acolhedor. A universidade precisa acompanhar de perto esses estudantes, com ações concebidas para recebê-los”, diz Suzane de Alencar Vieira.A necessidade de tais ações é destacada em relatos como o da estudante de licenciatura em Educação Física Andréia Luiza de Souza Conceição, de 23 anos. Em Goiânia desde 2012, vinda da Comunidade Kalunga, a jovem diz que a falta de recursos financeiros, a distância de casa, os problemas de aprendizagem e o preconceito foram entraves no início da graduação, em 2015.“Passei por muitas dificuldades, tanto financeiras quanto psicológicas, em termos de preconceito e aceitação. O ensino também foi bem difícil, porque o que há no interior é bem diferente da capital. É bem precário”, relata. “Tive muita dificuldade no convívio com os colegas de sala. A sorte é que havia uma outra quilombola e a gente se uniu. Muitos não queriam fazer trabalhos junto com a gente por causa do nosso desenvolvimento”.A realidade do ambiente universitário também impactou Laísa. “A ideia que temos antes é de que a universidade é uma coisa linda, que te recebe de braços abertos. Apesar de ter várias políticas públicas, muitas vezes elas não nos alcançam. Isso acaba dificultando a caminhada”, afirma ela, mencionando a dificuldade de muitos colegas em conseguir auxílio do Programa de Bolsa Permanência (PBP) do Ministério da Educação (MEC), de R$ 900, ou da Bolsa Permanência da Pró-Reitoria de Assuntos da Comunidade Universitária (Procom) da UFG, de R$ 400.Suzane Vieira reconhece a importância da concessão de auxílios para a manutenção dos graduandos na universidade. “O número de desistências é maior antes da bolsa do MEC para indígenas e quilombolas. Passou a ter papel importante na permanência”, afirma.A reportagem solicitou à UFG, na última sexta-feira, um posicionamento acerca da publicação de editais de bolsa permanência para estudantes indígenas e quilombolas. Até o fechamento desta matéria, no entanto, a instituição não havia se manifestado.