Todo segredo, cedo ou tarde, é revelado. No caso do longa As Duas Irenes, do goiano Fábio Meira, 37, o sigilo é descoberto quando uma adolescente de 13 anos se depara com outra versão dela mesma em meio à paisagem do Cerrado. Pela primeira vez o filme será exibido em Goiânia, hoje, às 19 horas, no encerramento da mostra Cinema Psi, no Cine Lumière. Burburinho no Festival de Berlim e aplaudido de pé na mostra Cine BH, a produção recebeu quatro prêmios no 45º Festival de Gramado. Em sua primeira direção, o cineasta levou de uma só vez os troféus de melhor roteiro, ator coadjuvante (Marco Ricca), direção de arte e melhor filme pelo júri da crítica. Formado em Direito pela UFG, Fábio estudou cinema no Rio de Janeiro e em Cuba, onde realizou curtas, foi assistente de diretores como Ruy Guerra e participou de oficinas com Gabriel García Marquez. Hoje o diretor mora em São Paulo onde se divide entre aulas e filmagens. Ao POPULAR, ele conta os desafios para fazer As Duas Irenes.Como você tem analisado toda a repercussão do filme? As Duas Irenes está fazendo uma história muito bonita e fico muito feliz com isso, ainda mais por ser meu primeiro filme. É muito emocionante ver as pessoas emocionadas e envolvidas com a história. O filme está na boca das pessoas e no coração de quem já viu.Fazer cinema é difícil e caro. Que balanço você faz do cinema feito fora do eixo Rio-São Paulo?O maior desafio que tivemos com certeza foi o financiamento. Levei sete anos para conseguir viabilizar a verba do filme. Sem a parceria com Simone Caetano e sem o Fundo de Cultura (estadual) e a Lei Goyazes jamais teríamos conseguido. Que bom que deu certo e que alegria que agora o filme está acontecendo. Espero que ele ajude a chamar atenção para a cultura goiana e sirva para abrir portas a outros filmes feitos no Estado.Um dos principais apontamentos de realizadores é a distribuição. É um gargalo que ainda precisa ser enfrentado?Acho que a distribuidora teve muita visão em colocar a estreia comercial de As Duas Irenes logo após o Festival de Gramado. Entraremos em circuito embalados pelos quatro prêmios no festival e pelas excelentes críticas que tivemos lá. Te conto que estamos trabalhando exaustivamente para divulgar o filme por todo o Brasil.As Duas Irenes fala sobre identidade familiar, regionalismo e os deliciosos anos da pré-adolescência. Quando de você há nas Irenes?Acredito que um autor sempre coloca de si nos personagens. Claro que há um trabalho de observação para compor os personagens do roteiro, mas também sei o que há de mim em cada um deles, onde sou Irene, Tonico, Mirinha, Neuza. Há muito de mim, mas há também muito de cada ator e cada atriz e mesmo do maquiador, da figurinista. A composição de um personagem é um trabalho coletivo, por isso é tão bonito. Estou certo de que temos personagens vivos, complexos, de fácil identificação com diferentes gerações. Até então o filme tem se comunicado lindamente com jovens e com a terceira idade. É um filme para toda a família.As paisagens de Goiás e Pirenópolis servem de plano de fundo para o filme. A paisagem interfere no roteiro?Há algo de misterioso, de lírico nas paisagens de Goiás. O filme toma partido disso para contar essa história de segredos, de sentimentos escondidos. Poderia dizer que há um certo chamado da natureza. As duas Irenes vão se incorporando à natureza do local ao passo que vão entendendo suas próprias naturezas. Há muito de Goiás no filme, não só a luz, mas sua fauna e flora. Sinto muito orgulho disso.Você já disse o filme “é para ser visto”. Além das telas do cinema, quais outras plataformas podem ajudar na visibilidade?O filme já participou de festivais e vários países e tem muitos outros convites para o segundo semestre, há mesmo festivais agendados para janeiro. Fico feliz, parece ser mesmo uma história universal. Ainda chegaremos às televisões e às plataformas de vídeo on demand. E o mais importante, teremos preços especiais no circuito, o ingresso custará 12 reais, com a meia a 6 reais, já que será lançado pelo projeto Vitrine Petrobrás. Espero que isso ajude a levar muita gente aos cinemas. Cinema para refletirCom filmes que abordam temas relacionados à Psicanálise e Psiquiatria, a Mostra Cinema Psi exibiu nos últimos anos produções como o premiado Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky, ou ainda Uma Mulher Fantástica, do chileno Sebastián Lelio. Também passaram pelo Cinema Lumière cineastas e profissionais da área, como o escritor Marcelo Veras, a psicanalista Luciene Godoy e o psicanalista e roteirista Contardo Calligaris. “A mostra nos surpreendeu positivamente porque percebemos a carência de eventos culturais que falam e discutem os problemas emergenciais da sociedade. Foi debatido muito sobre o mundo virtual, essa conexão sem emoção e a falta de afetividade na internet. As sessões comentadas estavam sempre cheias, com um público participativo”, aponta o curador Lisandro Nogueira.