A música gospel que vinha do Auditório Carlos Eurico, no saguão da Câmara Municipal de Goiânia, não chegava aos ouvidos dos servidores municipais que organizavam uma assembleia na entrada da Casa contra o não pagamento da data base, naquela manhã de terça-feira. No auditório, também alheias à movimentação do lado de fora, 19 pessoas participaram de um culto evangélico promovido pela vereadora Léia Klébia (PSC). “Vamos fazer uma oração porque essa Casa precisa muito da iluminação do Espírito Santo e da proteção de Deus”, convocava a vereadora.O culto acontece no horário de expediente da Câmara, das 8h às 8h40, e entre os participantes estão servidores da Casa, que trocam o trabalho pelo culto ao menos uma vez por semana, sempre às terças-feiras. “Havia pouca gente hoje, mas já tivemos a presença de mais de 70 pessoas”, revela a vereadora orgulhosa.Jorge Kajuru (PRP) é um dos que engrossam o coro gospel no culto, assim como Oseias Varão (PSB), que é pastor e por alguns momentos comandou a celebração evangélica que o POPULAR acompanhou. O delegado Eduardo Prado (PV) também frequenta o culto, mas naquela terça-feira, chegou na porta, olhou, e decidiu não entrar.Cabo Sena (PRP) e Rogério Cruz (PRB) também costumam professar a fé nas dependências da Câmara Legislativa, segundo Léia, que é a responsável por levar os pastores. Naquele dia, o celebrante foi o pastor Maurício Santana.DivisãoA realização do culto na Câmara Municipal, que tem como princípio ser laica, divide a opinião dos vereadores. Eduardo Prado, que é evangélico, considera importante que a Casa abra suas portas para o evento religioso para garantir a harmonia no local, “desde que seja fora do horário do expediente”, observou, ignorando que o culto é realizado logo no início dos trabalhos, às 8h.Já Lucas Kitão (PSL) não vê problema na realização do culto. “Essa Casa é do povo e os auditórios são abertos a todos os movimentos”, justifica. Para Kitão, o culto é uma garantia de liberdade religiosa. “O foco da Câmara não é esse, mas não vejo problema. Podia ser depois do expediente para o servidor poder participar sem atrapalhar o serviço”, ressalva.Já Cristina Lopes (PSDB) não concorda com a realização da cerimônia religiosa. “Aqui não é igreja nem templo. Imagina se todos as religiões exigirem espaço na Câmara para realizarem suas manifestações”, questiona. Segundo a vereadora tucana, se o vereador for religioso, que realize orações no gabinete, nas atividades próprias ou um evento religioso eventual para todas as religiões.“Esse não é o papel da Câmara e se a gente começa a partidarizar a religião, o resultado será péssimo”, prevê. Cristina culpa o presidente da Câmara Municipal, Andrey Azeredo (PMDB) pela realização do culto porque, segundo ela, “ele não tem pulso para barrar.”Elias Vaz (PSB) também é contra o culto semanal organizado pela colega. “Respeito os religiosos, mas aqui não é local apropriado para realização de celebrações religiosas”, afirma, lembrando que a Câmara é uma instituição laica.LiberdadePara Oseias Varão, que também é pastor, a laicidade do Estado não é antagônica à manifestação religiosa. “No Brasil faz-se confusão em relação ao Estado laico. Rejeitam e excluem a religião, mas o que a Constituição consagra é a não adoção de uma única religião”, afirma.Essa também é a opinião do presidente, Andrey Azeredo. Segundo ele, ser laico não significa ser sem religião, mas que cada um possa ter liberdade para fazer suas manifestações. “No preâmbulo da Constituição Federal há a expressão sob a proteção de Deus”, lembra.Segundo o presidente da Casa, o culto foi permitido porque não compromete as sessões legislativas, que também se iniciam com o pedido de proteção divina. A rotina legislativa é aberta diariamente com a leitura de um trecho da bíblia que é feita por um vereador escolhido por Andrey Azeredo ou outro vereador que esteja na condução dos trabalho no momento.Essa não é a única manifestação religiosa no legislativo municipal, já que, por iniciativa de Kleybe Morais (PSDC), realiza mensalmente uma missa católica no Auditório Carlos Eurico, em toda primeira segunda-feira do mês, das 8h30 às 9h20. “O Estado é laico, mas as pessoas não são e aqui precisa de um ambiente de oração”, defende Morais.De acordo com o advogado constitucionalista Dyogo Crosara, permitir o uso dos espaços da Câmara para a realização de cultos e missas não é ilegal, desde que o Poder Legislativo não tenha gasto com o evento e nem adote nenhuma religião.Eventos religiosos ocorrem em outros legislativosOs eventos religiosos não são exclusividade da Câmara de Municipal de Goiânia. Na Assembleia Legislativa de Goiás, toda quarta-feira, às 9 hs - horário de expediente - os servidores promovem um culto evangélico no Auditório Costa Lima, segundo o Cerimonial da Casa de Leis estadual. Por outro lado, não são todas as casas legislativas que são adeptas dos eventos religiosos. Nas câmaras municipais de Anápolis, de Aparecida de Goiânia, de Rio Verde, Porangatu, Itumbiara e Mineiros não é realizado nenhum tipo de manifestação religiosa.Em Jataí, a religiosidade se revela na oração feita antes do início da sessão; em Luziânia, a prece ocorre no início de cada legislatura, quando o plenário da Casa se transforma em palco de uma missa católica . Além disso, na festa do Divino Espírito Santo, as tradicionais bandeiras do santo percorrem os gabinetes e corredores do legislativo municipal. Em Caldas Novas, o vereador Geraldo Pimenta (PP) promove, em toda primeira sessão do mês, um culto no plenário da Câmara, antes do início da sessão ordinária. A Câmara Federal também costuma servir de espaço para cultos religiosos. Em média, são realizados três cultos por semana e, em 2016, a Câmara dos Deputados recebeu mais de 100 eventos religiosos. Eles são realizados nos plenários das comissões e são solicitados por grupos de servidores, de terceirizados ou de deputados federais que desejam ocupar esses espaços para professar suas crenças religiosas.-Imagem (Image_1.1349687)-Imagem (Image_1.1349689)