Quando deixou o Vila Nova no começo de 2021, o atacante Talles Brener aceitou a proposta de um clube da Ucrânia, o Olimpik Donetsk, para realizar o sonho de jogar no futebol europeu. Pouco mais de um ano de sua estreia, o jogador de 23 anos fugiu do país ao lado da namorada, a goiana Jéssika Ariani, após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia.Talles foi campeão da Série C em 2020 pelo Vila Nova. Ele mora em Lviv, no Oeste da Ucrânia, cidade sede do Rukh Vynnyky, seu atual clube - ficou no Olimpik Donetsk de fevereiro a maio de 2021 e chegou ao Rukh em agosto. Na quinta-feira (24), a Rússia invadiu o país ucraniano, e a saga do jogador, mineiro de Divinópolis, para fugir da Ucrânia começou.“Vivemos dias de muita angústia, tristeza e sem ter a sabedoria de nada. Estamos na Hungria, na casa de nossos amigos, e estamos conseguindo descansar um pouco agora. Ainda estou sem palavras para tudo isso, que é um momento de muita tensão. Espero que tudo termine logo, que se resolvam. O povo não merece estar passando por tudo isso, é muito triste e estou bem angustiado pelas pessoas de lá”, contou Talles.O jogador e a namorada saíram de Lviv na quinta-feira (24), após orientação do clube que o atacante defende na Ucrânia. A equipe alugou uma van que foi utilizada para levar alguns dos atletas estrangeiros para a fronteira com a Polônia. Além de Talles e Jéssika, o volante brasileiro Edson, ex-Bahia, o meia argentino Fabricio Alvarenga, ex-Coritiba, com sua esposa (Aline) e a filha de 1 ano (Manuela), embarcaram no veículo.“Conseguimos deixar Lviv no primeiro dia de guerra, não ouvimos bombardeios, mas muitas sirenes ligadas nas ruas. Tinha muito trânsito e muita movimentação de pessoas nas ruas e nos supermercados”, lembrou Talles, que foi orientado a chegar na fronteira com a Polônia e tentar entrar no país vizinho a pé, já que o motorista é ucraniano e não poderia deixar o país por causa da lei marcial.Segundo Talles, sua namorada conseguiu entrar em contato com a embaixada brasileira nos primeiros dias da guerra, mas foi informada que não poderiam ajudar naquele momento.O casal e os amigos chegaram na quinta-feira à noite na fronteira, a 80km de Lviv, para entrar em Medyka, na Polônia, e permaneceu no local até a manhã de domingo (27) após alguns conflitos e desencontros.“Quando chegamos na fronteira, os soldados informaram que só mulheres com crianças ou pessoas em carros passariam para a Polônia. Não nos deixaram passar, mas Fabrício, Aline e Manu entraram em um ônibus e atravessaram”, relatou Jéssika Ariani, em uma transmissão de vídeo que a goiana publicou em uma rede social.Talles e Jessika permaneceram com Edson na entrada da fronteira com a Polônia e, na sexta-feira (25), conseguiram o contato da ONG Frente BrazUcra, criada pela brasileira Clara Magalhães. A namorada do jogador enviou uma mensagem para Clara e explicou sua situação.“A Clara estava na Polônia e disse que iria nos buscar na fronteira. Permanecemos mais uma noite lá e, no outro dia (sábado, 26) pela manhã, nos vimos, mas ela foi proibida de atravessar”, contou Jéssica, que, no mesmo dia, recebeu autorização para entrar na Polônia, por ser mulher, e permaneceu em uma sala, sem Talles e Edson, quando decidiu voltar para o namorado e o amigo.No mesmo dia, Talles entrou em contato com um dos seus empresários, que estava no Equador, e pediu ajuda para chamar um táxi para voltar para Lviv ainda no sábado, mas só conseguiu o veículo no outro dia.No domingo (27) à tarde, o grupo encontrou o taxista, após andar 20 km até um posto de gasolina, mas, por causa do trânsito, não conseguiram sair das redondezas de Medyka. Talles e Jessika decidiram parar para comer em um posto de conveniência na manhã de segunda (28), quando viram um carro com a bandeira do Brasil desenhada em um papelão no vidro de um carro. Era Clara.“Foi Deus que fez ela parar o carro em um momento que não tínhamos mais forças. Eu e a Jessika fomos comer em um lugar que tinha um grupo de pessoas doando comida. Na volta, quando estávamos levando comida para o Edson, consegui ver a Clara no carro e só a localizei porque estava com uma bandeira do Brasil. Foi quando começamos a gritar ‘Brasil’, ‘Brasil’, ‘Brasil’”, detalhou Talles, que lembra de olhar para a namorada e chorar de emoção.Talles, Jéssika e Edson embarcaram com Clara e um casal, formado por um rapaz nigeriano e uma ucraniana, e tentaram ir para a fronteira da Eslováquia. Perceberam um longo congestionamento e acessaram um aplicativo, que mostrou lentidão de quase 60km no local.“A Clara recomendou para a gente ir para a Hungria. No mesmo dia (segunda, 28), chegamos na fronteira e entramos na Hungria. Decidimos ir para um hotel, em uma cidade próxima a Kisvárda, dormimos, tomamos um banho e uma amiga (Carol) nos ajudou a ir para Budapeste no dia seguinte (terça, 29). Eram 8 horas da manhã e o motorista da van que ela arrumou estava na porta do hotel nos esperando”, salientou Jéssika.Talles e a namorada seguem em Budapeste e vão aguardar os próximos dias para definir o futuro.Com contrato até 2024, jogador espera para decidir futuro com clubeTalles vai aguardar uma posição do seu clube, o Rukh Vynnyky, sobre o que deve fazer em meio à guerra que a Ucrânia vive com a Rússia. O jogador de 23 anos tem contrato até junho de 2024 com a equipe ucraniana e decidiu, neste momento, permanecer em Budapeste, na casa do amigo, o atacante Fernando, que joga no Újpest, da Hungria.“Ainda não sei qual será o próximo passo, não estamos com muita cabeça para pensar nisso por agora. Vou esperar Deus decidir por nós e aguardar alguma novidade nos próximos dias”, disse Talles.“Ainda estou esperando alguma orientação do clube também, em relação ao meu contrato”, salientou o jogador, que admitiu, que “seria uma grande possibilidade retornar ao Vila Nova”, seu ex-clube.Talles tentou falar com a diretoria do Rukh Vynnyky, mas não teve sucesso e decidiu esperar em Budapeste.“Estou recebendo notícias boas dos meus amigos brasileiros que jogam no país (Ucrânia), todos conseguiram sair, mas é muito triste ver os outros companheiros de equipe ucranianos. Todas as famílias e pessoas estão vivendo e passando por essa situação lá ainda”, contou Talles, que tem amigos em Kiev e Donetsk, locais em que a maioria dos brasileiros que jogam na Ucrânia vive.Sobre um possível retorno do jogador, o Vila Nova confirmou o interesse e até entrou em contato com representantes do atacante. Um avanço na negociação, porém, depende do posicionamento da direção do Rukh Vynnyky.Talles jogou no Vila Nova na temporada de 2020. O atacante disputou 33 jogos pelo Tigre, marcou quatro gols (dois deles no jogo de ida da final da Série C contra o Remo) e foi campeão brasileiro da 3ª Divisão pelo clube colorado.