Técnicos estrangeiros trabalham no Brasil há décadas. Nos últimos anos, viveram conquistas de alguns dos principais títulos nacionais e internacionais no comando de equipes do país. A busca por treinadores de fora do país quase sempre tem sido cogitada quando um time busca um novo comandante com ideia de ter uma nova filosofia ou até mesmo por acreditar que terá a mesma experiência de sucesso que outros adversários com um profissional do exterior.Não há, porém, garantia de que dê certo, e a escolha precisa ser criteriosa, como disseram ao POPULAR três profissionais que atuaram nas contratações dos técnicos Juan Pablo Vojvoda, Gustavo Morínigo e Gustavo Florentín, por Fortaleza, Coritiba e Sport, respectivamente. São casos recentes de continuidade de estrangeiros no futebol brasileiro em clubes que experimentam grande crescimento (tricolor cearense), passaram por descensos (Coritiba e Sport) e, no caso do time paranaense, acesso.O Goiás deseja buscar um novo técnico, de preferência de fora do país, e fez entrevistas com treinadores portugueses nas últimas semanas. Apesar do vice-presidente do Conselho Deliberativo, Edminho Pinheiro, ter dito que a busca estava suspensa, o clube esmeraldino segue análise de perfis e não descarta a contratação de um treinador estrangeiro. O Atlético-GO, que teve a saída de Marcelo Cabo, refuta contratar técnico de outro país.A escolha de um técnico estrangeiro não costuma ser simples. Vojvoda, Morínigo e Florentín tiveram de passar por um processo seletivo para se tornarem os atuais treinadores das equipes. Em todos os casos, foram entrevistados em mais de uma oportunidade, tiveram que fazer análises teóricas e táticas sobre situações que poderiam encontrar no futebol brasileiro e explicar como costumam trabalhar, por exemplo.O presidente do Fortaleza, Marcelo Paz, contou que o primeiro passo antes de buscar o argentino Vojvoda foi entender qual seria o perfil do treinador desejado. A ideia era encontrar um profissional com proposta de jogo agressiva e que buscasse o jogo, com variação tática.“O que chamou atenção foi por ele ser um treinador jovem (47 anos), com boas ideias e modelo de jogo agressivo, que era o que nós buscamos. Além disso, a capacidade de trabalhar com orçamentos menores e entregar resultados maiores do que o esperado”, contou Marcelo Paz, que foi uma das cinco pessoas do Fortaleza que trabalharam diretamente na contratação do treinador.O presidente do Leão reconhece que nenhum treinador tem garantia de sucesso, mas alguns aspectos podem ajudar um estrangeiro a ter conquistas no Brasil.“É determinante que ele (técnico) busque entender a cultura do futebol brasileiro, o que os jogadores gostam de fazer, o que mobiliza os atletas, buscar entender a cidade. O idioma é importante, a humildade de querer aprender e se comunicar. Tempo também. O Vojvoda chegou com mais de 20 dias para começar o Brasileiro. Esse período inicial foi importante para que ele tivesse se adaptado”, salientou o dirigente tricolor.José Carlos Brunoro foi o diretor executivo do Coritiba que teve contato direto com Gustavo Morínigo nas entrevistas e durante o acerto com o treinador de 45 anos em janeiro de 2021, quando o time ainda estava na Série A pela temporada de 2020, muito perto de ser rebaixado, o que acabou ocorrendo.“Com o Coritiba, o orçamento era para subir (em 2021) e eu precisava de um técnico que soubesse mesclar atletas experientes com jovens. Elencamos nomes nacionais e estrangeiros para entrevistarmos”, disse Brunoro, que acompanhou o acesso do Goiás em 2018 como consultor estratégico.O dirigente lembra que o nome de Morínigo foi o último a ser analisado. O clube buscou treinadores brasileiros primeiro, mas recebeu negativas. “Tinha um temor de ser considerado o responsável por um rebaixamento, na época o Coritiba lutava para não cair (à Série B). Partimos para os estrangeiros. Foram dois argentinos, um uruguaio e, no final, apareceu o nome do Morínigo por indicação”, salientou o ex-dirigente do Coxa sobre o treinador paraguaio.O mesmo ocorreu no Sport com a contratação de Florentín. O Leão, assim como o Coritiba, buscou um treinador de fora do país após o insucesso no acerto com um brasileiro, já que o time lutava para não cair na Série A. Diretor de futebol da equipe na época, Nelo Campos consultou o próprio time paranaense, a direção do Fortaleza e do Bahia para entender como os clubes chegaram nos nomes de Morínigo, Vojvoda e Dabove, respectivamente.“Para a minha surpresa, dois clubes (Fortaleza e Coritiba) tinham treinadores com o mesmo empresário. Liguei para o Régis (Marques, empresário), expliquei minha intenção e pedi dois técnicos para uma entrevista. Outro empresário nos indicou um nome. Fizemos três entrevistas”, contou Nelo Campos, que hoje não ocupa mais um cargo na diretoria do Sport.Em todos os casos, além de entrevistas que tiveram duração de pelo menos uma hora, os treinadores tiveram de mostrar conhecimento teórico para convencer os dirigentes.“Preparei um dossiê com cinco jogos da nossa equipe e demos 24 horas para cada técnico (estrangeiro) fazer um raio-x. Pedi que analisassem o elenco, se havia possibilidade de escapar (do rebaixamento), o que fariam de diferente nos jogos analisados e o que concordaram de situações positivas. Eles apresentaram um relatório, selecionamos dois nomes e fizemos propostas. O Florentín aceitou e estamos com ele até hoje”, explicou Nelo Campos.Os profissionais salientam que a busca por um treinador estrangeiro geralmente é marcada por vários questionamentos. O objetivo é conhecer os possíveis futuros técnicos. Isso nem sempre ocorre com brasileiros porque normalmente são profissionais conhecidos e os clubes já sabem o modo de trabalho.“Por isso, preciso escutar dele (técnico) o modo como ele trabalharia com um perfil de atleta e qual sistema de jogo gosta de trabalhar. A 2ª Divisão é diferente da Série A, não dá para ter algo fixo. Quais seriam as alternativas dele? Como pensa o modelo de jogo em determinadas circunstâncias? A parte mais importante é como é a administração do grupo”, frisou Brunoro.Apesar do critério de contratação exigente, não é garantia de sucesso ter um técnico estrangeiro. O segredo, porém, passa por continuidade, de acordo com os profissionais do futebol.Adaptação passou a ser mais fácil, mas ainda é desafioA adaptação de estrangeiros ao futebol brasileiro tem sido mais fácil nos últimos anos. Há mudanças notáveis e que chamam atenção quando um técnico de fora chega a uma equipe brasileira. O idioma também costuma ser um empecilho no começo da passagem, mas os últimos casos mostram adaptação rápida ao Brasil.Além do de Juan Pablo Voyvoda, Gustavo Morínigo e Gustavo Floretín, o futebol brasileiro tem o português Abel Ferreira, no Palmeiras, o argentino Antonio “El Turco” Mohamed, no Atlético-MG, e o uruguaio Alexander Medina, no Inter, como estrangeiros em clubes que estão nas duas principais divisões do Campeonato Brasileiro.No Flamengo, Paulo Sousa exigiu ponto biométrico para atletas, refeições obrigatórias no CT e restrições de uso de celular nas refeições, por exemplo. Tudo com a ideia de unir o elenco. Essas, porém, são medidas semelhantes ao período que o clube carioca foi comandado pelo também português Jorge Jesus.Fortaleza e Coritiba, por sua vez, não tiveram mudanças bruscas em sua rotina com a chegada de Vojvoda e Morínigo. “Ele (Vojvoda) já chegou com espírito de entender a cultura local. Buscou falar o idioma, conhecer o que o jogador brasileiro gosta. Foram feitas pequenas mudanças na alimentação dos atletas, mas aliada a orientações de preparação física. Ao longo do campeonato (Série A de 2021), passamos a fazer treinos noturnos para ter um desgaste menor na preparação de um jogo”, lembrou o presidente do clube cearense Marcelo Paz.O Sport, no entanto, passou por algumas alterações com a chegada de Florentín. “Precisamos de um intérprete nas primeiras semanas para auxiliar com os jogadores. Ele tem o hábito de conversar muito com os atletas e, no começo, não o entendiam bem. Houve uma mudança na quantidade de treinos diários, passaram a ser dois. Isso o grupo não aceitou bem, mas depois entendeu por ser uma chance que ele teve para conhecer os jogadores. Reduziu após algumas semanas”, contou o ex-diretor de futebol do Sport, Nelo Campos, que revelou outra situação cultural que Florentín teve de se adaptar.“Ele não estava acostumado ao hábito de rezarem após os jogos. Na primeira partida, ele não participou da reza. Os atletas estranharam, mas ele não sabia desse hábito que nós, brasileiros, temos de rezar depois dos jogos. Explicamos para ele, que passou a participar”, disse Nelo Campos.Os dirigentes consultados pela reportagem opinam que as diferenças entre técnicos brasileiros e estrangeiros nem sempre são notáveis em campo, mas são perceptíveis no dia a dia.“Quando os estrangeiros começaram a ser contratados, ficou ‘mais fácil’ trazer de fora e agora parece que virou obrigação. Tem estrangeiros do mesmo nível (dos brasileiros), mas é comum nos estrangeiros ver muita convicção em trabalhar. O que talvez o estrangeiro tenha mais é ser mais detalhista, jogar com variações de sistemas e usar praticamente todo o elenco”, opinou José Carlos Brunoro.Goiás fez pelo menos cinco entrevistasO Goiás segue a busca de um novo treinador e a chegada de um estrangeiro não está descartada. Um novo técnico, porém, só será contratado quando houver o consenso na diretoria esmeraldina do perfil ideal para comandar o time alviverde.Segundo o vice-presidente de futebol do Goiás, Harlei Menezes, o clube segue a análise de nomes. “Não temos pressa, estamos analisando perfis e tirando todas as dúvidas”, declarou o dirigente, que revelou que a busca agora também considera nomes nacionais.“Pode ser de fora, mas pode ser brasileiro. Não podemos parar de analisar nomes. O momento é de dar sequência com o trabalho do Glauber (Ramos, da comissão permanente) até estarmos convictos que será preciso contratar”, salientou Harlei Menezes.Um técnico argentino (Fabián Bustos) e pelo menos quatro portugueses foram procurados pela diretoria esmeraldina. Em janeiro, Harlei Menezes foi a Portugal e passou oito dias no país europeu. No período, visitou clubes, conheceu estruturas e entrevistou alguns profissionais portugueses - Ricardo Soares, Nuno Campos, Sérgio Vieira e João Pedro Sousa.O dirigente fez questionamentos sobre situações táticas, modelos de jogo, como enxergam o futebol brasileiro, se há o interesse de treinar equipes do Brasil e compilou dados que foram analisados pela diretoria esmeraldina.Em uma reunião, que teria ocorrido no dia 28 de janeiro, entre o presidente Paulo Rogério Pinheiro, Harlei Menezes e o vice-presidente do Conselho Deliberativo, Edminho Pinheiro, ficou definido que a busca por um técnico estangeiro foi suspensa após pedido do dirigente executivo. A busca, porém, segue ativa, mas não só de treinadores de outro país.Algo que o Goiás definiu é que, se um novo treinador for contratado, terá de convencer que pode organizar o time esmeraldino e montar uma equipe que apresente padrão de jogo.