O debate sobre pagamentos de adicionais por trabalho aos domingos, feriados e no período noturno (após 22 horas) para jogadores de futebol não é novidade, mas esquentou nos últimos dias com decisão de pagamento, no valor de R$ 200 mil, em favor do volante Maicon pelo período em que defendeu o São Paulo, entre 2012 e 2015 (ainda cabe recurso ao tricolor). Especialistas consultados pelo POPULAR confirmam que ações com esse tipo de pedido devem aumentar em processos trabalhistas envolvendo atletas pelo País.Em outro caso, o presidente do Corinthians, Andrés Sanches, chegou a pedir a entidades que o clube não jogue mais aos domingos e em período noturno, motivado por uma ação que seria movida pelo ex-jogador Paulo André, mas o advogado do ex-zagueiro negou tais pedidos, disse que era relativa a descanso semanal remunerado (DSR) e que houve acordo, que não estaria sendo cumprido.Para especialistas, a tendência, inclusive, é de que o caso do volante Maicon possa abrir precedente para outros atletas buscarem na Justiça pagamentos com esse tipo de ação. “A existência de decisão judicial sobre o caso propõe, invariavelmente, uma releitura jurídica do problema. Porém, isso não implica dizer, por si só, que o magistrado esteja vinculado a aplicar tal precedente”, explicou o juiz do trabalho Alexandre Piovesan.Somente em Goiânia, considerando processos desde 2015 contra Atlético-GO, Goiás e Vila Nova, a reportagem consultou 271 ações no site do Tribunal Regional do Trabalho 18ª Região - Goiás. Em dez, constavam pedidos de adicional noturno e pagamento dobrado por trabalho em domingos e feriados entre outras reivindicações. Dessas ações, sete foram favoráveis aos funcionários e jogadores que entraram na Justiça, duas o clube (Goiás) conseguiu vencer e uma está em andamento, de Marcelo Cordeiro contra o Vila Nova. O Atlético não teve processos do tipo no período.Dos casos encontrados pela reportagem, o que possui maior valor de condenação foi o do zagueiro Valmir Lucas, ex-Goiás. O jogador recebeu aproximadamente R$ 1,2 milhão por acidente de trabalho, mas acrescentou, entre alguns temas, adicional noturno e trabalhos realizados aos domingos e feriados. Roupeiro, garçom, treinador de goleiro, fisioterapeuta e motorista foram outros profissionais que cobraram valores do tipo na Justiça.Contratos de jogadores de futebol possuem algumas especificidades, por isso há uma lei própria. A brecha para abertura de processos do tipo existe porque, em casos de lacunas na Lei Pelé, artigos da CLT devem ser considerados de forma secundária. “Quanto a adicional noturno e descanso aos domingos, a Lei Pelé não faz nenhuma referência expressa e específica, o que suscita diferentes interpretações quanto à aplicação da CLT de forma subsidiária para solucionar essa aparente lacuna”, comentou Pedro Henrique Mendonça, advogado especialista em Direito Desportivo.Especialista em Direito Desportivo e com ações defendidas para jogadores, o advogado Beline Barros explica que a maioria dos processos trabalhistas é movida por atrasos de salários e outros direitos. “Quando os atletas nos procuram, todos os direitos são colocados na ação, entre eles de adicionais noturnos e trabalhos no feriado e domingo. O que pode ser feito no futuro é uma mudança na Legislação Desportiva ou, em novos contratos, estar pactuado evitando novas ações”, sugeriu o especialista.Só que não é tão simples assim. Colocar nos contratos de jogadores cláusulas que ferem direitos trabalhistas pode também resultar em decisões favoráveis aos atletas. “Nos termos do artigo 9º, da CLT, são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais tendentes a desvirtuar direitos trabalhistas (artigo 28, parágrafo 4º, da Lei Pelé). Neste contexto, a restrição de direitos pela via contratual não se sustenta, uma vez que há previsão deste direito na lei”, frisou o juiz do trabalho Alexandre Piovesan.Cláusula extra é saída. Sindicato desaconselha açõesFormalizar acordos com os atletas, colocando nos contratos de trabalho, entre clube (empregador) e jogador (empregado), a chamada cláusula extra é uma medida recomendada por dois advogados e dirigentes do Atlético: Paulo Henrique Pinheiro (diretor jurídico) e Marcos Egídio (diretor administrativo). Segundo eles, parte das regras que embasam um contrato de trabalho entre clube e jogador está no artigo 28, parágrafo 4, da Lei Pelé (9.615/98), que aponta peculiaridades da atividade profissional de um atleta de futebol, como jornada semanal de 44 horas, folga e concentração (não pode ser superior a três dias e tem de ser anterior a um jogo).Por isso, a cláusula extra complementa o contrato. “O que acontece é que, muitas vezes, não há observância desse cuidado. O clube precisa estabelecer a cláusula extra de forma adequada, bem redigida, concisa. Muitas vezes, isso não é feito quando o contrato de trabalho é firmado entre clube e atleta”, disse Paulo Henrique Pinheiro. Segundo ele, além da cláusula extra, é preciso que o descanso semanal remunerado (DSR) não seja ignorado pelo clube, mesmo que haja excesso de jogos. O clube terá de observar e cumprir o DSR, que também é válido para trabalhadores de outras profissões. O DSR é o direito a 24 horas consecutivas de descanso. O clube precisa ser criterioso nisso para que o atleta tenha a folga e não deixá-las acumuladas.Como o calendário do futebol brasileiro deverá ficar recheado nos próximos meses, assim que forem liberados os jogos, será muito difícil conceder folgas. “Os clubes terão de ter elenco maiores para cumprir isso”, observa o Marcos Egídio. No caso, o cansaço físico fará parte da rotina dos atletas. Segundo Marcos Egídio, o Dragão tem sido criterioso ao firmar contratos com atletas, para evitar ações trabalhistas. O dirigente cita que a última ação perdida pelo clube, dessa natureza, foi movida pelo ex-atacante Felipe, que atuou no clube em 2011 e 2012.Os dois advogados também ressaltam que a ação movida por Paulo André, por exemplo, não se restringe apenas ao recebimento de folgas semanais que o ex-jogador não teve enquanto atuava. Há outros direitos reclamados pelo ex-jogador na ação. No caso de Maicon, o adicional noturno não está especificado na Lei Pelé mas, sim, na Constituição Federal. Como a carreira de futebol tem peculiaridade e como o clube, ao jogar à noite, está obedecendo determinações de entidades organizadoras de torneios (CBF, federações), não se vê obrigado a pagar adicional noturno.Para se resguardar quanto a possíveis ações trabalhistas com pedidos de pagamentos de adicionais noturnos e de disputa de partidas em feriados e aos domingos, o Vila Nova, segundo o advogado do clube, Maurilho Teixeira, acrescenta uma cláusula em todos os contratos de jogadores na qual especifica que o atleta deve participar de jogos em “quaisquer horários de realização, inclusive noturnos, finais de semana e feriados”.“No caso do Vila Nova, essas situações estão contidas nas chamadas cláusulas extras, admitidas na legislação e que são anexadas ao contrato de trabalho do jogadores”, explicou Maurilho Teixeira, que frisou que ainda não precisou defender o clube em situações do tipo.O advogado reconhece que ações do tipo ocorrem. Para ele, o melhor caminho para resolver processos com essa justificativa seria com alteração literal da Lei 9.615/98. “É preciso que se faça constar dispositivo que desobrigue os clubes dessa contraprestação , ou seja, do pagamento de horas extras e adicional noturno, por ser a atividade de jogador de futebol uma atividade, além de trabalho, de entretenimento ao público diferenciada dos demais trabalhadores”, opinou o diretor jurídico do Vila Nova.Recentemente o clube colorado foi condenado a pagar R$ 120 mil para o volante Araújo, que defendeu a equipe em 2019. No caso, o jogador cobrou pagamentos de auxílio moradia, direito de imagem atrasados, salários de agosto, setembro, outubro e de 26 dias de novembro do ano passado. Além disso, 13º salário, férias proporcionais e recolhimento de FGTS. No balanço financeiro do Tigre, mais de R$ 2,4 milhões foram destinados no ano passado para pagamentos judiciais.Há 19 anos à frente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de Goiás (Sinapego), o presidente Marçal Filho disse que até hoje não participou de nenhuma tentativa de acordo ou orientou algum jogador que procurou cobrar pagamentos de adicionais noturnos e pagamentos por atividades aos domingos e em feriados. O ex-volante se diz contra esse tipo de ação.“Quando um jogador assina o contrato com o clube ele sabe das obrigações que terá de fazer e uma delas é a concentração. Se for colocar sempre na Justiça, clubes vão fechar. Sou temeroso quanto a esse tipo de situação. Todos sabem dos seus direitos e obrigações, o jogador sabe que pode jogar no domingo, feriado e à noite”, opinou Marçal Filho.Para o presidente do Sinapego, o melhor caminho para evitar abertura de processos é o diálogo. “Eu fui atleta e sabia que teria de concentrar e jogar nos finais de semana. Não concordo com essa situação de jogador cobrar adicional na Justiça, mas o melhor caminho sempre é a conversa. Já fizemos acordos coletivos de outras situações. Pode ser uma saída já que agora se tornou normal”, salientou o ex-volante, que disse que, se um jogador ou advogado procurá-lo, estará aberto para orientar e ajudar na tentativa de evitar abertura de processos.Goiás cobra união dos clubes por legislaçãoO advogado e vice-presidente jurídico do Goiás, Dyogo Crosara, vê com um misto de estranhamento e como algo que é parte da rotina dos clubes ações movidas na Justiça do Trabalho por pagamentos de adicional noturno e por trabalho em domingos e feriados. Ao mesmo tempo, observa que há um movimento no País para alterar e tornar mais clara a legislação nas questões relativas aos direitos e deveres, tanto de empregadores (clubes) como de empregados (jogadores), especialmente na Lei Pelé, que rege relações de trabalho na esfera esportiva. “Isso faz parte da rotina dos clubes. Muitos jogadores passam a se esquecer do que está no contrato de trabalho e acabam se voltando contra o clube com ações”, disse o dirigente do alviverde.“Temos rapidamente alguma jurisprudência (por causas de ações, como as de Paulo André e Maicon), mas creio que isso vai mudar. Os clubes precisam ser mais solidários, estar mais próximos, para resguardarem os seus direitos”, cobrou o vice jurídico do Goiás, reforçando a ideia de que o movimento dos clubes precisa estar atuante no sentido de aperfeiçoar a legislação.Um dos casos mais emblemáticos, envolvendo o clube e um atleta, foi a ação movida em 2014 pelo ex-atacante Araújo - ele foi à Justiça reivindicar R$ 500 mil de verbas rescisórias, incluindo alguns direitos, como adicional noturno e auxílio moradia. Depois, no fim do ano, fez acordo para receber R$ 400 mil parcelados.Dyogo Crosara lembrou que houve mais casos dessa natureza, mas que o departamento jurídico do clube tem tentado reverter isso e tem se resguardado tanto com relação aos contratos quanto ao cumprimento deles, para não permitir possibilidade de que recursos movidos contra o clube resultem em perdas de ações, como a que foi movida por Araújo.O Goiás, segundo o dirigente, tem sido cuidadoso ao firmar vínculos com atletas. Por isso, quando estabelece o contrato especial de trabalho, acrescenta cláusula ou adendos que contemplem situações como as de jogos aos domingos. “Primeiro, não é o clube que estabelece os dias e horários dos jogos. Ele cumpre uma determinação de entidades organizadoras. Segundo, o jogador é profissional como qualquer outro e está sujeito a exercer o trabalho em outros horários em algumas situações específicas”, frisou o diretor.