Era para ser batizado e registrado Antônio de Pádua Pinheiro de Abreu, pois nasceu no dia 13 de junho de 1936, consagrado no calendário católico a Santo Antônio. Porém, na mesma data, a Etiópia (na África) havia sido invadida pelas tropas do ditador italiano Benito Mussolini. O líder político da nação africana era Hailé Selassiè.A história do dirigente goiano, natural de Itaberaí, começa pela troca de nome em família. A mãe, Anádia, queria o filho com nome de santo. O pai, Edmundo Pinheiro, optou pelo nome do imperador etíope. A história é relatada pelo jornalista Hélio Rocha no livro "Verde que te Quero Verde", publicado ano passado, relatando a trajetória do Goiás Esporte Clube, desde a gênese até os dias atuais. Antônio de Pádua Pinheiro de Abreu virou Hailé Selassié Pinheiro - mais tarde, incorporou o nome do clube de coração (Goiás) ao sobrenome.A morte dele nesta quarta-feira, em pleno feriado nacional de 7 de setembro, fecha o ciclo de atuação política e de gestão dele no clube. Construiu legado único e uma história poucas vezes vistas no futebol, marcada por arrojo, inteligência, atuação nos bastidores, visão de futuro e astúcia. Hailé Pinheiro tinha 86 anos. Pai de quatro filhos - Paulo Rogério Pinheiro (atual presidente do Goiás), Hailé Filho, Edmundo Pinheiro e Anádia Pinheiro -, era casado com Marilena Pinheiro. Teve seis netos e três bisnetos.Leia também+ Morre Hailé Pinheiro, principal dirigente da história do Goiás, aos 86 anos+ Morte de Hailé Pinheiro: velório será aberto ao público na SerrinhaNatural de Itaberaí, Hailé Pinheiro e outros oito irmãos, além da mãe, vieram para Goiânia em 1953, enquanto o pai veio um pouco depois, cita Hélio Rocha. Hailé tentou a carreira de jogador. Chegou a atuar no Goiânia, mas trocou a bola e o Galo pela gestão esportiva, dez anos depois da mudança para a capital. Não foi uma mudança qualquer.Pego no laço, como se diz na gíria, virou dirigente de maneira inusitada, no dia 25 de julho de 1963. Naquele dia, começou a mudar o destino da vida e carreira dele, assim como os rumos do Goiás. Se tornou presidente do clube e dele não mais se desligou. Além da presidência executiva, também teve papel atuante no alviverde como presidente do Conselho Deliberativo. Chegou a acumular os dois cargos.RIFA DO AERO WYLLYSNo início da gestão na presidência, ousou ao organizar a rifa de um Aero Wyllys para que o Goiás arrecadasse fundos para manter as atividades. Ousado, contratou a cantora Elizeth Cardoso a capital goiana para um show. Pode-se dizer que, naquele tempo, Hailé Pinheiro tinha a visão do marketing esportivo, pois sabia que era preciso buscar outras formas para arrecadar recursos para a sobrevivência de um clube pobre, como o Goiás era naquele ano.O dirigente conta que, como o clube foi beneficiado com a doação pública de uma área - a da Serrinha, afastada da então capital em crescimento -, era preciso arregaçar as mangas e construir algo que pudesse beneficiar o time.CONSTRUÇÃO DA SERRINHAPor isso, gostava de contar a história do "Fordinho alemão" que ele emprestou ao clube para transportar grama, de uma propriedade em Leopoldo de Bulhões, para plantá-la no primeiro campo gramado da Serrinha, para treinos.O batismo dele no futebol passa a coincidir, também, com a fase vitoriosa que o clube começa a ter a partir de 1966, quando conquista o primeiro título do Estadual.Tempos difíceis, de quase rebaixamento no ano anterior. Uma espécie de junta diretiva fazia a gestão do clube, que festejou o primeiro título importante.VIAS DE FATO NOS VESTIÁRIOSNesse período, há a passagem relatada pelo dirigente. Não se sabe a extensão dela, mas Hailé contou que ele e o irmão, Edmo Pinheiro, outro nome lendário no clube, entraram no vestiário para tirar satisfação dos jogadores numa atuação pífia. Jovens à época, os dois irmãos teriam chegado às vias de fato com alguns atletas. Resultado: o time voltou a campo e virou um jogo perdido.Este era Hailé Pinheiro. Às vezes, e por boa parte da história dele no clube, teve muitas divergências de ideias com outros dirigentes, mas sempre fez questão de ressaltar a luta e o trabalho deles pelo clube.HEGEMONIA NO ESTADUAL E PIONEIRISMOO título do Goianão de 1966 passou por uma espécie de milagre da multiplicação. O Goiás é o maior ganhador de títulos do Estadual (28), tem duas taças da Série B do Brasileiro (1999 e 2012), três Copas do Centro-Oeste (2000, 2001 e 2002), foi vice da Copa Sul-Americana (2010) e da Série B (1994), chegou aos torneios internacionais e foi o primeiro e único clube do Centro-Oeste a disputar a Libertadores (2006).Leia também+ Ex-Goiás, Walter define Hailé Pinheiro como "pai" em homenagem+ Jogadores do Goiás prestam homenagem a HailéO Goiás tem uma trajetória de participações no Brasileiro e também foi pioneiro nesse sentido, desde 1973. Pode-se dizer que Hailé não fez nenhum gol nestas disputas, mas em cada taça e faixa que ficaram na Serrinha há a digital dele, atuando nos bastidores.Por isso, passou a ser tratado como o maior dirigente do clube e do futebol goiano. O Goiás cresceu em conquistas, torcida e patrimônio. Virou gigante regional por causa da visão e do trabalho de bastidores.RELAÇÃO COM JOGADORESHailé cunhou termos irreverentes, como "imprensa vermelha". Gostava de ter uma relação próxima com alguns jogadores, como Harlei, Rodrigo Tabata, Rafael Moura, Walter, Michael, Josué, Fernandão e os que passaram pelo clube enquanto nele atuou como dirigente.O dirigente também mantinha uma relação de rivalidade, mas também de cordialidade, com os outros dirigentes, como João Carneiro, Odilon Soares e outros. Gostava de chamá-los de raposas do futebol. Dizia que, na próxima encarnação, não queria ser dirigente nem empresário do transporte coletivo. Dizia isso com humor único. Gostava de perguntar aos repórteres menos conhecidos se também eram da "imprensa vermelha".FAMÍLIAAo mesmo tempo, também falava que não queria que os filhos fossem dirigentes. Um dos filhos, Paulo Rogério Pinheiro e que era chamado pelo pai de Rogério, tomou gosto pela coisa, pegou o bastão e é o atual presidente do Goiás. Um dos sobrinhos, Edminho Pinheiro, é filho do irmão que mais próximo esteve de Hailé Pinheiro no clube (Edmo Pinheiro) e é o atual sucessor dele na presidência do Conselho Deliberativo.Leia também+ Rafael Moura lamenta morte de Hailé Pinheiro: 'perdi o meu pai do futebol'+ Hélio dos Anjos presta homenagem a Hailé PinheiroAssim, construiu o legado de quase 60 anos de clube. Hailé Pinheiro também é empresário bem sucedido no ramo de transporte coletivo, agropecuarista e foi proprietário de granjas espalhadas pelo Estado. Virou lenda no futebol, primeiro no goiano, e depois em nível nacional.A ÚLTIMA GESTÃOEm 2019, Hailé Pinheiro passou pela última eleição no Goiás. Foi aclamado presidente do Conselho Deliberativo para um mandato de três anos. Na ocasião, falou aos conselheiros: "será esta a minha última recondução à presidência deste Conselho". Em 2022, o fim do mandato chegou e o sobrinho de Hailé, Edminho Pinheiro, foi aclamado presidente do grupo.Era tratado como referência empresarial, não se omitia para tomar decisões e tinha um humor ácido e raro no trato com as pessoas e as situações. Disse num discurso que já "estava aos 48 minutos do segundo tempo", o que é relatado por Hélio Rocha. Se o tempo de jogo dele expira com a morte nesta quarta-feira (7), a prorrogação começa com o legado e o futuro do Goiás, a partir de agora sem Hailé Pinheiro, mas com a história dele escrita.