Quando entrar em campo pelo Vila Nova, neste sábado (26), contra o Crac, Pedro Bambu, de 34 anos, vai completar 400 jogos no futebol goiano. Já é, de longe, o jogador com mais jogos nos últimos dez anos no estado. A marca é contada a partir do último trimestre de 2013, quando ele chegou a Goiânia numa mudança ousada e que foi transformadora para ele e a família.Pedro Bambu é vencedor, no sentido literal da palavra, tanto em termos de conquistas individuais como atleta, assim como de cidadão, filho, pai, marido, migrante de origem humilde no interior maranhense.Além de alcançar 400 jogos, o volante, que tem atuado como lateral direito, tem motivos para se orgulhar de ser um dos poucos profissionais, no estado, a ganhar títulos e obter acessos nacionais nos três principais clubes goianos na atualidade: Atlético-GO, Goiás e Vila Nova. Serão 400 jogos, 15 gols, seis títulos e três acessos. Foi vice do Estadual, “uma derrota doída”, e da Copa Verde pelo Vila, ano passado. No concorrido mundo do futebol, soube agarrar a chance recebida aos 26 anos, quando estava no Tiradentes-CE.“Posso falar que sou realizado por tudo que já fiz. Um cara simples, que saiu do interior. Sou conhecido e tenho respeito por todos”, resume o atleta, que tem o nome colado ao apelido da localidade onde nasceu, viveu e tem familiares: Bambu, povoado de Pindaré-Mirim-MA.Antes de chegar ao Atlético-GO, no dia 23 de setembro de 2013, foram anos difíceis. Tinha de prosseguir, não desistir. No Nacional, de Santa Inês-MA, insistiu. “Falo que futebol não é fácil. Um dia, eu estava no Bambu, interior com 750 habitantes. Precisava andar 11km para treinar, 11km para voltar para casa e tinha que pedir chuteira para treinar”, descreve, sobre o começo no futebol maranhense.“Comia manga com sal porque não tinha dinheiro para comprar comida. Os caras me chamavam de louco por comer manga verde com sal. Não tinha o que fazer. Eu olhava, adulava os outros para conseguir uma chuteira. Hoje, tenho sonho realizado e posso ajudar alguém com chuteiras. Era para escolher dez (jogadores) no dia da escolha. Eu não estava. O treinador me deixou ficar para treinar e, dos 11, sou o único que virou jogador”, atestou.Depois, Pedro foi para o Tiradentes, de Fortaleza. Para economizar, tinha de passar meses sem ir em casa. “Meu salário era R$ 1,2 mil. Mandava R$ 1 mil para casa. Aqui, no Atlético-GO, eu nem tinha roupa”, relembra Bambu que, ao chegar a Goiânia, sequer tinha celular.No futebol cearense, conheceu o técnico PC Gusmão, que o ajudaria a mudar de vida. PC o indicou ao Dragão. Então diretor, Adson Batista não concordava, mas trouxe o desconhecido jogador, que ajudou a evitar a queda à Série C. Pedro chama PC de “pai” por ajudá-lo a realizar o sonho. Até hoje, lamenta a ausência do pai, José Veloso, que morreu em 2000 e não pôde ver o filho jogador.“Muitas pessoas me ajudaram quando cheguei aqui. O Márcio (ex-goleiro) foi uma delas. Cara que sempre me levou (onde precisava ir) porque eu não tinha carro na época, me ajudou a encontrar um apartamento, me levava para o clube. Em 2014, ele me deu dinheiro para comer. É uma pessoa que ficou marcada na minha vida”, cita, agradecido.Mas o ex-goleiro também cobrava no dia a dia. “Ele me falou que eu ia aprender muita coisa. Falei para ele que tinha 26 anos, como iria aprender? Sempre fui o último a sair do treino, olhava o jeito que aqueciam, como eram no treino. Olhava para não errar. Teve um jogo em que errei uma ultrapassagem e, no vestiário, o Márcio disse que, se eu fizesse de novo, ia pedir para o treinador me tirar.” Bom observador, aprendeu as lições básicas.Depois de mais de três anos no Dragão, com títulos do Goiano de 2014 e da Série B de 2016, Pedro Bambu mudou de caminho e camisa em 2017 no futebol goiano. Jogou muito no primeiro ano de Goiás, com título estadual, mas o clube não conseguiu o objetivo do acesso na Série B. No ano seguinte, novo título local e participação no acesso à elite nacional.Disputou cinco jogos daquela Série B de 2018 pelo Goiás, mas perdeu espaço com a chegada de Ney Franco. Antes do limite de partidas, acertou retorno ao Atlético-GO, que também lutou pelo acesso até o fim na mesma competição, mas terminou em 6º. A segunda passagem pelo Dragão ainda rendeu ao jogador, no ano seguinte (2019), o título goiano de 2019 e mais um acesso à Série A com o rubro-negro.Agora no Vila, Pedro Bambu lutará por mais títulos para coroar a mudança de rota feita em 2019, ao sair do Atlético-GO e firmar um pré-contrato com o CRB-AL. “Aí, apareceu o Vila, a minha esposa (Joseane) disse que iríamos gastar mais (fora) com escola, apartamento. Conversei com o pessoal do CRB, queria ficar (em Goiânia). Assinei com o Vila, tive que diminuir o salário para ficar aqui”, revelou o jogador.No Tigre, já tem um acesso e um título, conquistados na Série C de 2020. Depois dos dolorosos vices de 2021, às vésperas dos 400 jogos, Pedro Bambu está empolgado com o bom momento vivido pelo Tigre neste início de temporada.Beijo no pé e fotos nas entregas de sanduíche do negócio da mulherO expediente de Pedro Bambu não termina quando o técnico Higo Magalhães encerra um dia de treino. Do clube, o jogador se desloca para o setor Negrão de Lima, onde a mulher dele, Joseane Pereira Gonzaga, abriu uma hamburgueria em 2020, meses antes do início da pandemia. Por lá, o volante troca o uniforme do Vila Nova pelo da Nação do Hambúrguer e ajuda no que for preciso.“Quem comanda é a mulher, sou só mandado”, resume Pedro Bambu, que faz entregas, atendimento aos clientes que chegam no local, ajuda a limpar as mesas, auxilia na montagem dos hambúrgueres e só deixa a hamburgueria na hora de fechar as portas. “Ela (Josy) montou o negócio dela, que era um sonho e agora está levando a vida dela. Não queria depender de mim, sonhava em trabalhar e abrimos o negócio. Continuo trabalhando e ela foca a vida dela. Termina o treino, vou pra lá, ajudo e fico a noite inteira. Vou para lá umas 19h30, fico até 23h30 mais ou menos. Quando os meninos saem e ela precisa de ajuda nas entregas, sou eu quem faço”, salientou Pedro Bambu.Nessas entregas ou na hamburgueria, o volante coleciona histórias com torcedores. “Já encontrei muitos torcedores. Teve um dia que o motorista tinha saído, demorou muito e fui lá (entregar). Pessoal me recebe bem, bate foto comigo. Tem torcedor do Atlético que pede hambúrguer, mas fala que eu preciso ir lá entregar só para tirar foto comigo”, contou o volante.Um dos gols mais bonitos que o jogador diz ter feito foi contra o Santa Cruz, pelo Vila Nova, no quadrangular final da Série C de 2020. Na ocasião, o Tigre precisava vencer para chegar na última rodada com chance de acesso. Ganhou por 2 a 1.“Um cara me chamou, logo pensei que ele faria algo pra mim por causa do gol, mas chegou e só disse que queria dar um beijo no meu pé. Estranhei, mas ele falou que seria o gol do acesso. O cara estava bêbado, mas disse que estava são e tranquilo. Beijo meu pé esquerdo e saiu. No outro dia, minha filha mais nova (Chrysllane) chegou em mim e disse: ‘você tem noção do gol que fez?’. Até hoje me agradecem”, lembrou Pedro Bambu.Na hamburgueria, a família inteira ajuda. Josy comanda o negócio, Pedro Bambu auxilia em quase tudo que é preciso, a filha mais velha (Flávia) atende os clientes no balcão e auxilia na montagem dos produtos, enquanto a caçula atende os clientes que chegam no local. Futuro no futebolAposentadoria é uma palavra que já começa a surgir na cabeça de Pedro Bambu. Aos 34 anos, com mais de 500 jogos na carreira de quase 15 anos, o volante reconhece que chegou o momento de pensar no futuro. Não definiu ainda quando vai pendurar as chuteiras, mas sabe que não deixará o futebol e quer se preparar para seguir no meio da bola como treinador ou alguma outra função.“Converso bastante com o Higo (Magalhães, técnico do Vila Nova), ele já me deu bastante dicas. O que puder fazer para continuar no meio do futebol, vou fazer. Vou estudar para ser treinador, quero fazer cursos de preparação física. Quero ter oportunidade de trabalhar na base ou profissional. Não sei quando vou parar, mas sei que vou continuar no meio do futebol”, avisou Pedro Bambu, que costuma citar muitos treinadores como pessoas importantes que o ajudaram na carreira - PC Gusmão, Hélio dos Anjos, Marcelo Cabo e Higo Magalhães, por exemplo.A ideia de se manter no futebol é antiga. “É a única coisa que sei fazer”, explicou o jogador. “Tinha um plano de abrir uma escolinha lá em Bambu-MA, mas tive que fechar. Vou focar aqui, ver o que posso fazer por aqui (Goiânia). Vou analisar, mas sei que quero fazer cursos para trilhar outros caminhos para quando parar, conseguir sustentar minha família”, completou Pedro Bambu.O volante também ajuda jovens que buscam o sonho no futebol. Ele trouxe três garotos do Maranhão para testes. Dois sobrinhos foram aprovados e atuam nas categorias de base do Aparecida. Outro jovem, mas sem parentesco, joga pelo time sub-13 do Goiás.“Tento ajudar como posso, indico para testes no Goiás, Vila, Atlético, onde conseguir. Também ajudo de outras formas. Uma vez, um menino (no Vila Nova) me pediu uma chuteira, me veio a lembrança na hora do que eu vivi. Tirei a chuteira e dei para o menino. Garoto com sonho, às vezes destroem o sonho. Eu me vi no lugar daquela criança. Precisei adular para pedir uma chuteira. Quem sabe um dia ele também poderá ajudar alguém no futuro”, contou Pedro Bambu.-Imagem (1.2410029)