Durante o city tour, a guia turística conta pela enésima vez a piadinha sobre o local. "Abrir uma loja de guarda-chuvas por aqui é falência na certa", diz, no tom de brincadeira calculado para arrancar alguns risinhos dos turistas. Apesar de batida, a anedota sintetiza um dos aspectos que fazem de Lima, a capital peruana, uma cidade tão especial e peculiar. Mas essa metrópole onde praticamente não chove, com suas casas sem telhado e hotéis que se dão ao luxo de terem áreas externas recobertas com carpete, ainda reserva muitas outras surpresas para quem se aventura por suas ruas e bairros centenários.Situada às margens do Oceano Pacífico, Lima, hoje com cerca de 9 milhões de habitantes, pouco evoca a atmosfera de um balneário. O clima é agradável, com uma média anual de 19 graus, chegando à máxima de 28 graus no verão. No entanto, raros são os dias ensolarados.Aliás, a sensação que se tem ao olhar para o céu invariavelmente cinza é que vai chover a qualquer momento, algo que raríssimas vezes acontece. O máximo que pode ocorrer é um chuvisco rápido uma ou duas vezes por ano, que mal chega a molhar o chão. Esse estranho fenômeno se deve à localização da cidade, entre o mar e as montanhas da Cordilheira dos Andes ? estas impedem que nuvens muito carregadas cheguem até lá.Por conta destas características, a primeira impressão que Lima deixa é a de uma certa aridez, principalmente no caminho do aeroporto até a região central da cidade, onde se veem poucas áreas verdes. Impressão que logo se dissolve assim que se chega ao imponente centro histórico da capital.Vice-reinoLima foi fundada em 1535 pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro. Inicialmente, recebeu a denominação de Ciudad de los Reyes (Cidade dos Reis), porque o seu território foi invadido no dia 6 de janeiro, data, no calendário católico, dedicada ao culto dos Reis Magos. Logo elevada à condição de capital do vice-reino do Peru, a cidade foi por muito tempo a mais importante das Américas.A memória desse passado colonial ainda está presente em vários pontos de Lima. O mais eloquente é a Praça das Armas, construída no ano da chegada de Pizarro à região. A praça é circundada por vários prédios históricos, como a Catedral, erguida em 1625, mas que passou por diversas reconstruções e reformas por conta da série de terremotos que atingiram a cidade. Dentro da igreja, que abriga uma miscelânea de estilos, do barroco ao neoclássico, fica o túmulo de Pizarro, ornamentado com um belíssimo painel em mosaicos venezianos representando a imagem do colonizador espanhol.Ao lado da Catedral, o Palácio do Governo é outro edifício de arquitetura suntuosa, mas bem mais recente: sua construção data da década de 1930. Uma das atrações do local, que mobiliza tanto os turistas quanto os moradores da cidade, é assistir à troca de guarda, ao som da música da banda militar, que ocorre de segunda a sexta-feira, sempre ao meio-dia.Ainda no centro histórico, cujo formato geométrico fez com que fosse denominado por muito tempo como o "damero de Pizarro", vale a pena visitar o Convento de São Francisco, fundado em 1620, e que, no seu auge, chegou a abrigar 300 religiosos ? hoje cerca de 30 padres franciscanos ainda moram lá. Os claustros e pátios do convento são decorados com azulejos sevilhanos e o lugar ainda conserva uma biblioteca com cerca de 25 mil volumes, muitos deles edições raras e centenárias.No subsolo, um passeio interessante, embora um tanto quanto mórbido, é percorrer as catacumbas, um labirinto repleto de corredores em cujas paredes estão depositadas as ossadas de milhares de pessoas. Já perto da saída, o visitante depara-se com um enorme tanque no qual milhares de ossos formam um desenho macabro. Calcula-se que cerca de 25 mil pessoas foram enterradas nas catacumbas, que, por décadas, funcionaram como o cemitério público de Lima.Outro convento, o de Santo Domingo, datado de 1551, foi palco da fundação da Universidade de São Marcos, a primeira da América do Sul. Também não pode ficar de fora do circuito turístico o Palácio da Torre, de 1730, com seus balcões de madeira ricamente entalhados e a fachada em estilo barroco.Já na Praça St. Martin, o destaque é o antigo Grande Hotel Bolívar, o primeiro de Lima, e que hospedou personalidades como os escritores William Faulkner e Ernest Hemingway e a atriz Ava Gardner. O bar do hotel até hoje é muito frequentado e é famoso pelo drinque que serve: o pisco sour Catedral. Além dessas construções históricas, por várias ruas da região central de Lima pode-se ainda apreciar a arquitetura colonial dos majestosos casarões, com suas amplas janelas e os pátios internos ornados com jardins e fontes. Museus e sítios arqueológicosNo roteiro histórico-cultural por Lima, os museus também têm muito o que mostrar e ensinar. O Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera, em especial, demanda uma visita demorada. Instalado num casarão do século 18, tem um magnífico acervo do Peru pré-colombiano e uma curiosa coleção de arte erótica.O Museu da Nação é outro que apresenta um detalhado panorama da cultura incaica e de outros povos que habitaram a região. Cerâmicas, tapeçarias, pinturas e artefatos compõem o acervo da instituição. Objetos das sociedades inca e pré-incaica também estão em exposição no Instituto Riva Aguerro.A metrópole peruana conta ainda com impressionantes sítios arqueológicos, anteriores ao período inca. No bairro de Miraflores, fica o Huaca Pucllana, com construções que datam do período de 700 a 200 a. C. Ao sul de Lima, o sítio arqueológico de Pachacamac conserva ruínas que revelam a presença de sociedades anteriores ao povo inca em cerca de mil anos. Do alto das pirâmides, tem-se uma bela vista do litoral. Capital da boemia O escritor Mario Vargas Llosa, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, nasceu em Arequipa, uma bela cidade ao sul do Peru, situada em meio à Cordilheira dos Andes. Lima, no entanto, foi o local onde o autor passou sua juventude e a capital peruana aparece em vários de seus romances, em especial o bairro de Miraflores.Miraflores é um dos locais mais badalados e charmosos da cidade, com uma vida boêmia intensa. Apesar da agitação nos bares, restaurantes e casas noturnas do bairro, suas ruas são tranquilas e nem de longe lembram o trânsito caótico da região central.Um dos locais que merecem uma visita em Miraflores é o LarcoMar, considerado o melhor centro de compras de Lima, com vistas para o oceano. No Mercado Inca, é possível encontrar peças de artesanato, como roupas, tapeçarias e joias em prata, mas a variedade e a qualidade são bem inferiores ao que é ofertado pelos mercados de Cusco e da região do Vale Sagrado.San Isidro é outro endereço nobre da capital peruana, também repleto de bons bares e restaurantes sofisticados. Cartão-postal da região é o Parque das Oliveiras, com suas árvores centenárias.O distrito de Barranco é famoso por ter sido o bairro preferido de escritores e intelectuais no início do século 20 e até hoje ainda guarda um pouco desse antigo glamour. No local, uma atração é a Ponte dos Suspiros, construída no século 19.Apesar de estar à beira-mar, Lima não tem praias muito bonitas. A temperatura das águas do Pacífico também é muito fria, pouco recomendável aos banhistas. A costa peruana torna-se mais atrativa mesmo é para os praticantes de surfe, que se deliciam com as suas altas ondas.GastronomiaLima também é conhecida internacionalmente por sua rica gastronomia. Um dos pratos mais famosos é o ceviche, à base de peixe cru (o mais indicado é a truta), temperado com limão, sal, alho, pimenta e cebola-roxa. Descrevendo assim pode parecer uma variação dos sashimis japoneses, mas a textura da carne é outra, porque ela de certa forma é "cozida" ao ficar marinando no suco de limão. É uma delícia, principalmente se acompanhado do famoso pisco sour, o drinque nacional do Peru, feito com pisco (aguardente à base de uva), canela, açúcar e clara de ovo.Também típico da cozinha limenha é o chamado "leche de tigre", uma bebida que se faz com o caldo do ceviche misturado com ají (uma variedade de pimenta da região) e pisco (que pode ser substituído por vodca ou vinho branco). Os peruanos garantem que essa combinação explosiva tem poderes afrodisíacos. Trânsito caóticoO trânsito de Lima é simplesmente caótico ? há poucos semáforos e os motoristas têm o péssimo hábito de encostar na traseira dos outros carros para fazê-los avançar. Por conta disso, é raro ver um veículo com a lataria intacta. Aos turistas, portanto, não é aconselhável alugar um carro para passear pela cidade. O mais indicado é andar de táxi, já que o transporte urbano também não é dos mais eficientes.Mas não se assuste, porque o serviço de táxi na cidade é bem mais barato ? uma corrida de Miraflores até o centro, por exemplo, fica em torno de 15 soles, a moeda local, cerca de 9 reais. Porém, é bom combinar antes o preço com o motorista, já que os carros não têm taxímetro. E não se surpreenda se, ao parar numa esquina, imediatamente um motorista de táxi estacionar ao seu lado, perguntando para onde deseja ir. Como dizem os limenhos, a cidade deve ser é a única no mundo onde os táxis correm atrás dos passageiros e não o contrário. COMO IR- De avião, para quem mora em Goiânia, uma solução prática é o voo da LAN (www.lan.com) em direção a Lima, que sai às segundas, quartas, quintas, sextas e sábados de Brasília. A viagem dura em torno de quatro horas.- Há várias agências de viagem em Lima, que oferecem pacotes para os passeios nos arredores da cidade e para Cusco e Machu Picchu, os dois destinos turísticos mais procurados do Peru. Uma das mais tradicionais é a Viajes Pacífico (www.viajespacifico.com.pe).- O Peru não exige visto dos brasileiros para ingresso no país. Os brasileiros também têm a opção de apresentar o passaporte ou a carteira de identidade (se for esta última, é aconselhável que tenha uma foto mais recente).