A câmera faz um movimento de 360 graus e uma multidão carrega o corpo de Zé do Burro na cruz para cumprir a promessa que o padre repressor não o deixou em vida. Essa imagem icônica do filme O Pagador de Promessas fez com que Anselmo Duarte, que faria 100 anos no dia 21 de abril, ganhasse o maior prêmio já dado ao cinema brasileiro, a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França, em 22 de maio de 1962. Porém, boa parte da obra do ator e diretor hoje se encontra praticamente esquecida.“É um filme bem feito, que tem uma dramaturgia forte, com uma base teatral atrás, mas provocou um certo ressentimento por ter vencido grandes filmes no Festival de Cannes, de realizadores como Luis Buñuel e Michelangelo Antonioni, e o Anselmo carregou isso pelo resto da vida”, diz o jornalista Sérgio Augusto, autor de Este Mundo É um Pandeiro, livro sobre as chanchadas. “Virou um prêmio meio maldito.”“Ao mesmo tempo, sem O Pagador de Promessas, nós estaríamos relembrando o Anselmo Duarte como galã das chanchadas e, mesmo assim, a obra dele se encontra arquivada e pouco na memória. Quando se faz um ensaio a respeito do cinema brasileiro, ressalta-se O Cangaceiro e depois pulamos logo para o cinema novo. Essa é a verdade”, completa.Não é tão perceptível também a influência direta de Anselmo Duarte em jovens cineastas brasileiros, mesmo que comédias produzidas pela Globo herdem elementos das chanchadas estreladas por ele. Mas é possível usar sua carreira para contar o primeiro meio século de história do cinema brasileiro. “Ele era a coqueluche das plateias femininas. Foi o número um na Atlântida e depois na Vera Cruz. Nenhum dos atuais ídolos da televisão teve êxito semelhante ao de Anselmo, num tempo em que televisão era coisa remotíssima”, afirma Oséas Singh Júnior, autor da biografia Adeus Cinema e criador do Cineclube Anselmo Duarte, na cidade-natal do cineasta, Salto, em São Paulo.O primeiro filme estrelado por Anselmo foi Querida Suzana, dirigido por Alberto Pieralisi em 1947, que marcou a estreia de Nicette Bruno, então com 12 anos. “Eu o conheci durante as filmagens, mas quase não tivemos contato e nunca fui apresentada a ele, que acompanhava um amigo no teste para o filme e acabou ficando com o papel. Depois, nos encontrávamos em eventos e ele me cumprimentava com grande alegria”, conta a atriz.Em seguida, Anselmo Duarte tornou-se um dos maiores galãs da Atlântida, ao contracenar com a atriz Eliana, na chanchada Carnaval no Fogo, filme de Watson Macedo lançado em 1949. “Ele foi o ator mais bonito que conheci e, se tivesse um bom agente e estudado inglês, poderia ter parado no cinema americano. Ele tinha todo um tipo tradicional na linha do Tyrone Power”, diz Sérgio Augusto. Anselmo repetiria o sucesso em Aviso aos Navegantes, de 1950, e Carnaval em Marte, de 1955, com a atriz Ilka Soares, então sua mulher.