Falar do trabalho de Rucélia Ximenes é o mesmo que recontar as histórias e narrativas da teledramaturgia brasileira das últimas cinco décadas. Desde que a artista goiana começou a assinar peças para figurinos da TV Globo, muito se transformou no jeito de fazer novelas. A profissional lança nesta quinta-feira (16), na Cerrado Galeria, o livro Abrindo Caminhos (Editora Secco), que destrincha os seus 50 anos de carreira consolidada na arte de fazer moda.“Não sou de assistir novelas, nem as que eu assino peças do figurino. Tudo por conta de tempo, já que sempre estou muito dedicada ao trabalho”, comenta a artista. Rucélia demorou dez anos para finalizar o livro de 590 páginas que reconta a trajetória da profissional goiana em suas andanças e aventuras pelo mundo, em galerias de arte, centros museológicos e culturais, nas universidades e nos trabalhos da televisão. “É uma forma de deixar legado para a posteridade”, diz.O livro destaca como a goiana de Piracanjuba se tornou uma apaixonada pela dramaturgia e assinou trabalhos em grandes clássicos do folhetim, como A Gata Comeu e Selva de Pedra, que marcaram os anos 1980; A Indomada (1997), sucesso absoluto de Aguinaldo Silva e talvez uma das assinaturas mais famosas de Rucélia; e títulos como O Cravo e a Rosa (2000), Senhora do Destino (2005) e Lado a Lado (2012) – esta elogiada pela crítica e premiada no Emmy Internacional.“Não existe algo que goste de fazer mais, seja novela de época ou contemporânea, estilizada ou mais moderna, todo trabalho é uma paixão única. Sempre me dão uma liberdade criativa para entender determinada narrativa”, afirma Rucélia, que começou a trabalhar na TV Globo em 1973, quando ainda não existiam as instalações do Projac e a emissora carioca se resumia na sede do Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro. “Eram outros tempos, tudo muito diferente de agora”, completa.Com o passar dos anos, a artista construiu uma carreira sólida na interseção entre arte, história e identidade, transformando tecidos em narrativas visuais que revelam o caráter e a emoção de cada personagem. Sua trajetória é marcada pela curiosidade estética e pela pesquisa profunda sobre o corpo, a cultura popular e as tradições brasileiras.Um dos trabalhos de Rucélia na TV que mais chamaram atenção foi na novela A Indomada, do universo fantástico de Aguinaldo Silva, quando a artista criou as vestimentas das prostitutas do cabaré Bataclã, da fictícia cidade de Greenvile e baseada na obra de Jorge Amado. Os espartilhos, corseletes, tules e rendas chamavam a atenção em personagens como Zenilda de Holanda, vivida por Renata Sorrah, Grampola, interpretada por Karla Muga, e Dinorah (Carla Martins).O último trabalho da goiana para a Globo foi em Orgulho e Paixão (2018), de Marcos Bernstein. Rucélia construiu diversas peças de figurinos para personagens das atrizes Nathalia Dill, Agatha Moreira e Bruna Griphao. “O que eu faço e como eu olho para a arte são únicos. Ninguém faz como eu faço. Não trabalho pelo dinheiro. Eu crio por conta da paixão que eu tenho pela arte. É o que me move”, comenta.ExcentricidadeA dramaturgia, a estrada que escolheu trilhar, está presente em cada página do livro Abrindo Caminhos, que tem edição bilíngue em português e inglês. Com sua veia de múltiplas faces, Rucélia assina a criação, coordenação editorial, paginação, projeto gráfico e artístico do livro. A obra literária serve de pesquisa para estudantes de moda, direção de arte, artes cênicas e audiovisual e é toda ilustrada por fotografias e montagens.“Trata-se do meu segundo livro. Em 2014, eu lancei o A Arte de Fazer Arte na Moda Humanizada, que fala sobre minha carreira. Foram 20 anos para conseguir concluir o livro. Sou muito perfeccionista e presa nos detalhes”, reitera. Além do livro, Rucélia também se prepara para inaugurar o ateliê que será uma espécie de centro de pesquisa e apresentação de seu trabalho para interessados, pesquisadores e estudantes. “Ainda não há uma data exata, mas a ideia é abrir em 2026”, salienta.Rucélia Ximenes começou estudando Arquitetura e Urbanismo até se encontrar no mundo da moda. A goiana teve loja no São Conrado Fashion Mall, no Rio de Janeiro, de 1980 a 1995. Logo chamou a atenção pela criatividade fora da curva, tornando-se referência em moda autoral e artesanal. A maior produção foi em calçados, produzindo para clientes brasileiras e internacionais. “Viajei o mundo todo já, conheço muitas pessoas queridas que eu levo no coração”, diz.Dos anos de estudo em arquitetura, Rucélia talvez tenha guardado os aprendizados que foram postos nas intervenções que fez em sua arrojada casa localizada no Setor Sul. A residência com estátuas e painéis artísticos chama a atenção de quem passa pela rua. “As esculturas têm mais de 35 anos e passam uma mensagem de amor para todos que caminham por ali. Eu dou amor por onde passo”, destaca a artista.