Em um mundo de movimentações excessivas, buscar narrativas pautadas no silêncio e na quietude. A partir dessa ideia, a exposição The Silence of Tired Tongues (O Silêncio das Línguas Cansadas) convida 13 artistas emergentes brasileiros para apresentar seus trabalhos ao público a partir deste domingo (24) no espaço Framer Framed, em Amsterdã, na Holanda. Entre eles, estão os goianos Benedito Ferreira e Estêvão Parreiras, que estão na capital holandesa e participam da abertura da mostra na noite deste sábado (23), a partir das 19 horas.O convite veio em 2020 do curador da exposição, Raphael Fonseca, que conheceu o trabalho dos goianos a partir do Programa Trampolim, promovido pelo Museu de Arte Contemporânea de Goiás (MAC) em 2018. Em razão da pandemia, a mostra teve de ser adiada. O artista e pesquisador Benedito Ferreira já participou de exposições em países como Coreia do Sul, Grécia e Alemanha; Estêvão, por sua vez, está apresentando seu trabalho internacionalmente pela primeira vez. “Tem sido um momento incrível perceber essa ativação universal do trabalho, que meus desenhos podem tocar outras pessoas no mundo”, comenta.Estêvão, que está com uma exposição individual aberta à visitação até o dia 13 de maio na Galeria Frei Nazareno Confaloni, em Goiânia, leva para Amsterdã desenhos em médios e grandes formatos. “Esses desenhos são uma produção recente minha, em que apresento um olhar para as questões da religiosidade, a memória dos lugares afetivos e o desenho como uma possibilidade de ofertar e agradecer”, comenta.Já Benedito participa com dois trabalhos: um vídeo, que se chama Cavalo sem Nome, e a série de fotografias Despertáculo. O vídeo surgiu a partir das mais de 20 horas de gravação de uma das maiores cavalgadas do Brasil, que saía de Goiânia com destino ao município de Aruanã, no Vale do Araguaia. O artista acompanhou o trajeto ao longo de dez dias, percorrendo um Goiás definido por ele como menos conhecido, demasiado rural e tradicional. “Anos depois, percebi a adoção de procedimentos semelhantes para a feitura dos enquadramentos das paisagens e algumas artimanhas na apresentação do entra e sai de cavalos e cavaleiros em cena, nos campos de soja e nos detalhes da arquitetura de casebres e pontes”, comenta.A cada vez que Cavalo sem Nome é exibido, uma nova montagem diferente da anterior é produzida. “Essa curadoria busca colocar os arquivos sempre em recomeço, numa espécie de filme sem fim que desbanca os artifícios narrativos utilizados nos filmes de viagem”, diz Benedito.Já em Despertáculo, 98 fotografias realizadas entre 2013 e 2020 retratam pessoas posadas para a sua câmera na capital goiana. “Benedito tem uma verdadeira obsessão com a fotografia. Seu trabalho lança luz sobre figuras anônimas de Goiânia e contribui com uma certa ideia de representação do ‘outro’ que celebra a diferença por meio de composições e situações inusitadas”, comenta o curador da exposição. Em outros trabalhos, o goiano natural de Itapuranga resgata figuras, histórias e paisagens de Goiás, como na videoinstalação O Vizinho Silencioso, em que ele entrevista um grupo de vítimas do acidente com o césio 137. O projeto foi ganhador do prêmio Rumos Itaú Cultural (2019-2020) e deve ser apresentado em breve em Goiânia.TrocasOs dois artistas estão em Amsterdã junto aos outros 11 que participam da mostra, oriundos de diferentes regiões do País, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. “Essa relação com outras pessoas e diferentes percepções de mundo podem me tocar e, no final, isso virar um desenho. Meu processo criativo funciona nesses momentos, da conversa, da relação com o outro. Tem sido uma experiência incrível”, comenta Estêvão.“O encontro com outros artistas, todos brasileiros, estimula trocas e parcerias. Somos um grupo com trabalhos diferentes, mas, em certa medida, é possível perceber conexões em nossos interesses”, observa Benedito. Essa convergência, para ele, vem de visões semelhantes sobre as possibilidades das artes. “A arte não pode mudar o rumo das coisas, mas ela sempre apontou caminhos, deu direções. Acredito que o que mais une esse grupo de artistas é justamente a aposta na experimentação”, diz. O caráter experimental é reiterado pelo curador Raphael Fonseca como a principal característica das obras participantes.O nome da exposição vem da música Casa no Campo, eternizada na voz de Elis Regina e que integra o álbum Elis (1972), relançado de forma digital no ano passado. A composição de Tavito e Zé Rodrix expõe o desejo de uma vida simples e tranquila no campo, entre animais, natureza, música e amigos. É nesse cenário bucólico, permeado de quietude e saudosismo, que surge o verso “Eu quero o silêncio das línguas cansadas” – uma visão de mundo que se torna relevante e atual mesmo 50 anos depois”, segundo a curadoria. As obras selecionadas trazem consigo uma sensação de “saudade”, traduzida como uma mistura de melancolia e anseio.-Imagem (1.2443081)