Em meio a casamentos arranjados e desencontros amorosos no Brasil dos anos 1850, surge na novela Nos Tempos do Imperador (Globo) um interesse amoroso quase puro entre uma jovem casada e o funcionário do marido dela, um deputado corrupto. Dolores (Daphne Bozaski) come o pão que o diabo amassou ao se casar com Tonico Rocha (Alexandre Nero) no lugar da irmã Pilar (Gabriela Medvedovski), originalmente prometida ao vilão. Humilhada constantemente pelo marido, Dolores começa a descobrir um novo mundo com Nélio (João Pedro Zappa), que a mando de Tonico passa a lhe ensinar desde “boas maneiras” até noções de ciência, como o fato de que a Terra é redonda – mais uma crítica da novela inspirada em debates atuais. Apesar da pureza da relação, Dolores e Nélio têm química, e o provável futuro casal tem conquistado o público.“São duas pessoas que não são valorizadas e que, juntas, poderão criar coragem para se libertarem desses rótulos e dessa desvalorização”, diz Daphne, em entrevista por e-mail. Ela não dá muitos detalhes sobre o futuro dos personagens, mas indica que o amor e a parceria devem vencer. “A trama terá muitas reviravoltas. Tonico não é um homem que engole fácil ser passado para trás. O embate sobre o que é amor será o fio da meada para desenrolar essa história.”“O que posso adiantar é que por intermédio do conhecimento, dos estudos com Nélio, ela começará a ver o mundo de outra maneira. Terá assim a possibilidade de escolher agir da maneira que sempre quis, mas que não tinha coragem.”Para João Pedro Zappa, é essa sensação de estar deslocado no mundo que une Nélio, jovem ignorado por uma família de trambiqueiros, a Dolores. “Ele se incomoda com muita coisa, tenta alertar o Tonico, mas ele não tem coragem de sair dali. Ele não tem nenhuma autoestima, não acha que vai conseguir se dar bem em outro lugar. Foi a oportunidade que ele recebeu e ele não tem, ainda, a força e a coragem de sair dessa situação”, diz o ator, também por e-mail. “O Nélio é dessas flores raras que nascem no deserto. Ele sempre teve um coração bom e tem a cabeça no lugar. Além de ser muito inteligente. Foi ele quem ajudou o Tonico a se formar”, acrescenta.Para Daphne Bozaski, o personagem de Aleandre Nero representa a base do pensamento retrógrado e preconceituoso que tanto se discute hoje. “Pensamento que muitas vezes está enraizado em nossa criação, que temos de romper e não passar adiante. Por isso acredito ser muito importante retratar o passado, para que ele não caia em esquecimento. Observar a história para não repeti-la.”Casamento arranjadoNa trama de Thereza Falcão e Alessandro Marson, o casamento de uma de suas filhas com Tonico é visto pelo pai delas, Eudoro (José Dumont), como um bom negócio para a família. Nos episódios recentes, porém, Eudoro é diagnosticado com tuberculose e passa a demonstrar arrependimento pelos arranjos que fez e passa a questionar Tonico quando este humilha sua filha.“Acredito que ainda hoje muitos casamentos são arranjados. Menos explícitos como naquela época, mas existem mulheres que são obrigadas a se submeter a determinadas coisas por serem desvalorizadas e desacreditadas das suas potências enquanto mulher e ser individual na nossa sociedade”, afirma Daphne, que ganhou projeção na pele de Benê, em Malhação - Viva a Diferença (2017) e As Five (2019) – esta com segunda temporada confirmada.No século 19, quando a novela histórica se passa, os casamentos eram de fato, em sua maioria, um negócio, afirma o pesquisador Paulo Rezzutti, autor de obras da era imperial como Dom Pedro 2º - A História Não Contada. Assim como o imperador (Selton Mello) se casa com a imperatriz Teresa Cristina (Leticia Sabatella) para gerar herdeiros para o trono, os matrimônios tinham objetivo de felicidade conjugal.“O ideário do amor romântico é muito posterior. Casamento era negócio. Prazer era uma coisa proibida; então, se buscava isso fora de casa, muitas vezes em bordéis”, explica Rezzutti. “Acontecia muito de tios que casavam com sobrinhas em grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, mesmo em pequenas cidades. Esses matrimônios entre parentes eram comuns para se manter a fortuna ou herança na família. Ter filho era para manter a família, não tinha nada de romântico”, diz.RepercussãoDaphne Bozaski e João Pedro Zappa se dizem satisfeitos com a história que estão contando e com a recepção do público aos seus personagens. “Fazer a Dolores é um grande desafio por mostrar o lugar da mulher no século 19, privada de conhecimento e submissa ao patriarcado”, afirma Daphne.Para Zappa, que interpretou o pai da aviação na série Santos Dumont (2019), todo papel tem muito a ensinar e, se o ator estiver aberto, terá muito a aprender. “Cada personagem é um universo único. Essa é a minha primeira novela e eu ainda não tinha tido a oportunidade de carregar um personagem por tanto tempo, como é o caso do Nélio”, afirma o ator. “É bom sentir isso. Um longo tempo assim carregando a trajetória de um personagem permite arcos muito interessantes e isso é muito prazeroso como ator.”