Antes de um diagnóstico de autismo, está uma criança. Mas é a partir das dificuldades típicas desse diagnóstico que os pais descobrem que a conquista da inclusão, do respeito e da qualidade de vida é, sim, possível, mas que o caminho a ser percorrido é longo. O dia 2 de abril é marcado pelo Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo, data instituída em 2007 pela Organização das Nações Unidas (ONU) a fim de conscientizar e informar a população a respeito do transtorno do espectro autista (TEA), que em 2022 tem como tema de campanha Lugar de Autista é em Todo Lugar.SAIBA MAIS• “É preciso brincar, conversar e conviver com as crianças”, diz Julieta Jerusalinsky• Projeto PsiQUÊ? abre série especial sobre o autismo • ESPECIAL: Clique aqui e acompanhe todas as ações do 'PsiQUÊ?'O lugar do garoto Augusto Mangussi, de 14 anos, tem sido no mundo das artes desde os nove anos de idade. Além do interesse pelo piano, já participou de exposições com suas pinturas pelo Brasil e fora, como no Arizona e em Miami. A descoberta do talento de Augusto, no entanto, só aconteceu após algumas situações de preconceito e desrespeito na adaptação do currículo na escola em que estudava, momento em que a advogada Larissa Lafaiete, mãe do garoto, decidiu fundar uma instituição de ensino em Caldas Novas, onde moravam, disponibilizando aulas de pintura e música. Foi durante as aulas que as habilidades para o instrumento e para as artes plásticas foram descobertas.Augusto apresentava desde bebê sinais de TEA nos aspectos declarativos, como apontar e caminhar em direções diferentes das outras crianças. O diagnóstico final, no entanto, só veio aos 4 anos. “Mas nós não esperamos o diagnóstico final para começar as intervenções com fonoaudiólogo, psicopedagogo, psicólogos, porque é muito demorado”, comenta Larissa.Para Larissa, a autoestima que o filho adquiriu a partir da arte é o maior de todos os ganhos. “Ele tem metas de vida, descobriu que é útil e qual a sua missão no mundo. E isso é o que o autista mais precisa”, comenta. O hiperfoco, quando a pessoa apresenta concentração intensa em um mesmo assunto, é um padrão de comportamento bastante comum em pessoas com TEA. Larissa conta que, no caso do filho, o hiperfoco não é nem no ato de pintar em si, mas nas exposições que ele participa. “O hiperfoco dele é estar em contato com as pessoas nesse contexto, porque ele só se sente valorizado quando ouve as pessoas falando sobre o trabalho dele”, explica.Na pandemia, esse hiperfoco foi diminuindo à medida que as restrições sociais foram se intensificando. “Sem ir para a escola, sem os esportes e sem as terapias, ele não tinha o que fazer, só pintar. Mas fazia sem muito estímulo. Comecei a convidar pessoas para apresentar os quadros dele de forma online, mas não era a mesma coisa”, conta. Aos poucos as exposições estão voltando à vida de Augusto, mas muitos dos seus ganhos foram impactados nos últimos dois anos. “Ele adquiriu um transtorno de ansiedade muito grande. Ele também não tem mais a habilidade de estar muitas horas em contato com as pessoas”, lamenta a mãe.Inclusão e apoioLuísa Almeida Oliveira, de 11 anos, foi diagnosticada com TEA com 1 ano e 7 meses. Desde então, inspirou o pai Marcelo Oliveira, e a mãe, Osiene Rodrigues de Almeida, a militar pelas causas dos autistas na cidade de Goiânia - quase sempre acompanhados do irmão de Luísa, Caio Almeida Oliveira, de 15 anos. “Passamos por um processo de amadurecimento integrando outros movimentos até fundarmos o Núcleo de Apoio e do Inclusão Autista (Naia). A gente entende que qualquer associação de pais de autistas, por obrigação, tem que impactar a vida dos autistas, mas a gente não estava encontrando isso em outros lugares”, conta Marcelo.A proposta do Naia é promover a inclusão através da cultura e da arte. Marcelo conta que o processo de identificação com a área cultural foi acontecendo naturalmente. “Percebemos que a musicoterapia, o contato com a aprovação do público e com os aplausos estava fazendo muito bem não só para eles, mas para as famílias”, relata.Marcelo conta que o processo de identificação com a área cultural foi acontecendo naturalmente ao longo do tempo, a partir das primeiras ações que promoveram. “Para as apresentações em teatros e eventos que produzimos, sempre preparávamos os meninos com musicoterapeutas. E percebemos que a musicoterapia, o contato com a aprovação do público e com os aplausos estava fazendo muito bem não só para eles, mas para as famílias”, relata. Com sede no Parque Areião, a Organização Sem Fins Lucrativos oferece musicoterapia, arteterapia e está em busca de professor de dança. “Queremos fechar o ciclo, para atender diferentes áreas de interesse para esses autistas. E essa parte cultural, nem a iniciativa pública, nem a privada oferecem. Entendemos que estamos fazendo com o NAIA um complemento do que é oferecido hoje”, comenta Marcelo.Direitos garantidosBerenice Piana, de 63 anos, é militante, mãe de três filhos e a pessoa que dá nome à Lei Nº 12.764, de 2012, que institui os direitos dos autistas e suas famílias em diversas esferas sociais. “O autismo chegou até mim, porque chegou na minha família. Meu filho caçula, Dayan, hoje com 27 anos, é autista”, conta. Na época do diagnóstico de Dayan, pouco ou nada se sabia sobre o TEA, segundo Berenice. “Percebi comportamentos e desenvolvimentos diferentes nele. Fui procurando médicos e mais médicos, mas nenhum achava que ele tivesse qualquer coisa fora do desenvolvimento típico. Mas tinha, eu como mãe percebia”, lembra.Estudando por conta própria a respeito de psiquiatria e psicologia, ela compreendeu que seu filho era autista. “Ele tinha 1 ano e meio. Aos seis, finalmente veio o diagnóstico. Ele já estava em um nível considerado severo”, conta. Apesar do carinho e vontade de ajudar, a falta de preparo os profissionais da época apontada por Berenice foi decisiva para a involução do filho. “Ele parou de falar, de sorrir, de comer. Foi de um dia para o outro e ele nunca mais voltou”, diz.A luta de Berenice passou a ser buscar uma maneira de trazer o filho de volta. “Com muitas terapias, terapias, dedicação e muito amor consegui trazer, talvez, 20% do que ele era”, conta. Enxergar outras mães, anos depois, passando pelo que passou no início do tratamento de Dayan, a inspirou a lutar, também, por outras pessoas autistas. “E se na rede pública não havia nada, era preciso criar. Eles não tinham direito nenhum, nada. O autismo era completamente alheio, principalmente ao poder público”, comenta.-Imagem (Image_1.2431094)