Rir de si mesma é uma arte — e Cacau Protásio domina como poucas. A atriz e humorista chega na capital pela primeira vez com seu espetáculo solo 100 Por Cento Cacau, uma apresentação que mistura bom humor, memórias pessoais e aquela espontaneidade irresistível que conquistou o Brasil. Ela traz seu stand-up neste sábado (14), às 19 horas, no Teatro Goiânia, e repete a dose, no domingo (15), às 17 horas, em Anápolis, no Teatro Municipal.

No palco, Cacau se revela por inteiro. Histórias ganham vida com sua interpretação e arrancam gargalhadas pelo simples fato de serem reais — exageradas no tom certo, como só ela sabe fazer. O espetáculo passeia entre o riso fácil e momentos de afeto, com a leveza de uma conversa boa entre amigos. “É um show pra rir, se emocionar, se identificar. Porque, mesmo sendo sobre a minha vida, todo mundo se enxerga ali”, conta ela em entrevista ao POPULAR.

No palco, ela também divide histórias com o ex-marido, relembra personagens marcantes como a Zezé, de Avenida Brasil, Terezinha, do Vai Que Cola, e a Shirley, de Família Paraíso. Cacau vem rodando o Brasil com o seu primeiro stand-up desde 2022, no Rio de Janeiro. Ela pretendia lançá-lo em março de 2020, mas o plano foi frustrado por causa da pandemia. “Já levamos a peça para mais de dez mil pessoas e até pra Europa! Tem sido uma experiência maravilhosa”.

Carreira

Natural de Campos dos Goytacazes (RJ), Cacau iniciou sua trajetória artística nos anos 2000, após deixar a faculdade de pedagogia para estudar na Casa das Artes de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. No início, foi abraçada por nomes como Rafael Portugal e Maurício Manfrini, conhecido por fazer Paulinho Gogó no humorístico A Praça É Nossa, do SBT. Sua carreira só começou a alavancar em 2010, quando ela foi escalada para interpretar uma babá no remake de Ti Ti Ti.

Desde então, participou de diversas produções teatrais, incluindo a peça de sucesso Trair e Coçar é Só Começar. No cinema, destacou-se em produções como Vai que Cola - O Filme, Vai que Cola 2, Os Farofeiros e No Gogó do Paulinho. Na TV, conquistou o público como a icônica Zezé, de Avenida Brasil. Desbocada, irônica e fofoqueira, sua personagem conquistou espaço na trama por exigência do público. Ela também brilha no humorístico Vai Que Cola, onde vive a fogosa Terezinha.

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SERVIÇO GOIÂNIA

Espetáculo: 100 Por Cento Cacau, com Cacau Protásio

Data: 

Sábado (14), às 19 horas

Local:

Teatro Goiânia / Rua 23, 252, Centro

Ingressos: 

de R$ 25 a R$ 120

Informações: 

ingressodigital.com

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SERVIÇO ANÁPOLIS

Espetáculo: 100 Por Cento Cacau, com Cacau Protásio

Data:

Domingo (15), às 17 horas

Local:

Teatro Municipal de Anápolis / Av. Brasil Sul, 200, Centro

Ingressos: 

R$ 40 à R$ 100

Informações: 

ingressodigital.com

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"A vida já é uma comédia pronta"

Como surgiu a ideia do espetáculo 100% Cacau e há quanto tempo você está com ele na estrada? 
A ideia surgiu de um jeito inesperado. Nos bastidores de gravações ou em rodas de conversa com amigos do elenco, eu vivia contando histórias da minha vida, e todo mundo caía na gargalhada. Um dia, durante as filmagens de Amarração do Amor, com o Rafael Portugal, o produtor dele, o Nabir, me falou: “Você precisa reunir essas histórias todas e levar pro palco!” Eu achava que não tinha essa graça toda, que ninguém pagaria ingresso pra me ver contar causos. Mas ele insistiu tanto que acabei topando. Aí veio a pandemia, e o projeto foi adiado. Pra ser sincera, eu até agradeci a Deus, achei que era livramento de passar vergonha (risos). Mas, quando tudo voltou ao normal, o Nabir reapareceu dizendo que já tinha fechado tudo, divulgado… não tinha mais como fugir. E foi assim que tudo começou! Que bom que deu certo, né? Já levamos o 100% Cacau para mais de dez mil pessoas e até pra Europa! Tem sido uma experiência maravilhosa. Cada cidade é um presente.

O que o público goiano pode esperar do espetáculo? É a sua primeira vez em Goiânia? 
Sim, é a minha estreia em Goiânia com esse espetáculo e confesso que estou numa ansiedade danada! O público pode esperar uma Cacau 100% verdadeira, como o nome já diz. É um show pra rir, se emocionar, se identificar. Porque, mesmo sendo sobre a minha vida, todo mundo se enxerga ali. Quem não tem uma tia maluquinha, um perrengue engraçado ou uma história de amor inusitada? É essa conexão que torna tudo especial. Estou muito feliz em poder dividir esse pedacinho da minha trajetória com vocês!

Durante a apresentação, você compartilha histórias e situações engraçadas da sua trajetória. Pode contar uma que o público adora? 
Ah, se eu contar perde a graça, né? Mas o público adora quando falo de como conheci meu ex-marido, ou das vezes em que enganava minha mãe pra ganhar boneca. Tem também histórias da infância, dos bastidores da TV, da vida mesmo. A verdade é que a vida já é uma comédia pronta, a gente só precisa aprender a rir dela.

O humor é uma marca forte do seu trabalho. Como você enxerga o papel da comédia no Brasil de hoje? E o que te inspira a fazer rir e criar seus personagens? 
O humor, pra mim, é uma força transformadora. Ele acolhe, cura, quebra barreiras, derruba preconceitos. Em um país com tantas dores, a comédia é respiro. E eu encaro essa missão com seriedade. Fazer rir é uma responsabilidade e, ao mesmo tempo, um dom que acredito ter recebido de Deus. Me inspiro nas pessoas, nas histórias reais, nas minhas raízes, na mulher preta e periférica que eu sou. Acho que o segredo é ser verdadeira. Quando a gente ri do que é real, a conexão acontece de verdade. E é isso que eu busco: levar leveza, alegria e afeto por meio do riso.

Quais são os próximos projetos da sua carreira? Vem novela, filme, série? O que o público pode esperar de você em 2025? 
Tem muita coisa boa vindo aí! Em 2025, tem cinema com A Sogra Perfeita 2 e Os Farofeiros 3. Sigo também no Vai Que Cola e no Dono do Lar, no Multishow. Eu sou muito inquieta, gosto de estar sempre criando, atuando, me reinventando. E, claro, quero continuar levando o 100% Cacau para o Brasil inteiro, estar em contato com o público é o que mais me alimenta como artista.

Cacau Protásio apresenta o espetáculo '100 Por Cento Cacau' em Goiânia e Anápolis

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Riso fácil

Racismo, homofobia, gordofobia, xenofobia, transfobia, incitação a preconceitos religiosos e discursos de ódio, apologia a estupro e pedofilia, etarismo, misoginia, violência contra diversas minorias. Quando todos esses crimes são cometidos, não parece haver discussão se deve ou não ser punido. Mas quando eles vêm inseridos em espaços onde tais comportamentos, tradicionais, foram naturalizados, aceitos e até geradores de diversão, o quadro muda. Eis o grande dilema do humor, que nunca deixou de construir e ridicularizar estereótipos para fazer outras pessoas – sobretudo porque não são alvos das piadas – rirem. A questão é que essas “brincadeiras” já não são suportadas quanto num passado até recente e agora quem decide fazer-las pode se comparar com o rigor da lei.

Esse debate foi reaberto com as reportagens do humorista Léo Lins. Ele foi considerado culpado de disseminar discursos ofensivos contra minorias e grupos vulneráveis em vídeos publicados no YouTube, que reproduzem o que ele costuma dizer em seus espetáculos de comédia stand-up. Nesses materiais, o comediante lança mão de falas pesadas, que para algumas são meras piadas, enquanto para outros são exemplos claros de discriminação e crime de ódio. “Tem ser humano que não é 100% humano. O nordestino do avião? 72%”, diz Lins no seu show. Em outro trecho, ele sugere que se alguém quiser abusar de uma criança, que faça com o próprio filho. “Ele vai fazer o quê? Contar para o pai?”, emenda. Também há menções pejorativas a pessoas pretas, com obesidade e piadas sobre pedofilia.

“O exercício da liberdade de expressão não é absoluto nem ilimitado, devendo se dar em um campo de tolerância e expondo-se às restrições que emergem da própria lei”, escreveu a juíza Bárbara de Lima Isep, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, ao dar razão à acusação do Ministério Público Federal, condenando Léo Lins a 8 anos e três meses de prisão e pagamento de multa pelas suas falas. “No caso de confronto entre o preceito fundamental de liberdade de expressão e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, devem prevalecer os últimos”, acrescentou a magistrada. Léo Lins se defendeu afirmando que a decisão configura um tipo de censura. “Se rir virou crime, o silêncio virou regra”, afirmou o comediante, em vídeo que publicou em suas redes sociais.

Léo Lins argumenta que suas publicações seriam algo pernicioso para toda a classe artística. “Eu sei que muitos estão indignados com as minhas declarações, alguns estão felizes, porque é isso que virou a nossa sociedade: um coliseu romano”, salientou. “Primeiro gostaria de destacar que dispositivo não existe na legislação brasileira absolutamente nenhum que permita (ou se quer induz) a interpretação de que a liberdade é, ou deve ser, irrestrita em um show de comédia”, pondera Fernanda Borges, professora de Direito Constitucional da PUC Goiás. “O Brasil é um país que compreende, tanto pelo sistema constitucional vigente, quanto pelo direito internacional dos direitos humanos, o direito à liberdade de expressão como sendo um direito relativo por excelência, e não um direito absoluto.”

A professora de Direito também enfatiza que o Brasil tem compromissos com tratados internacionais para combater a discriminação sob qualquer forma. “Importante lembrar que o Brasil se obriga nas convenções de direitos humanos a punir o discurso discriminatório, sem ter feito qualquer ressalva sobre o ambiente em que a discriminação é praticada. O Brasil é parte da Convenção Interamericana e da Convenção do sistema global contra o racismo e tem o dever de ‘prevenir, eliminar, proibir e punir os atos de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância’. O País também é parte da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de vários outros tratados que não admitem qualquer tipo de discriminação”, lista.

Em outro trecho de seu show, Lins diz que é possível ir à África “colher no pé” crianças negras para adoção. “Lá tem plantação”. “O caso Léo Lins é emblemático e ilustra o tensionamento entre a liberdade de expressão e os limites legais e éticos do discurso público, especialmente quando ele atinge grupos historicamente marginalizados”, observa Iêda Leal, integrante do Movimento Negro Unificado. “Com a entrada em vigor da Lei nº 14.532/2023, que alterou a chamada Lei Caó (Lei nº 7.716/1989) para tipificar a injúria racial como crime de racismo, o tratamento jurídico dessas ofensas se tornou mais rigoroso e especificado às demandas do movimento negro e de outros grupos minorizados.” Essa mudança alcançou outras formas discursivas de elaborar práticas discriminatórias.

“O reconhecimento da injúria racial como racismo é uma conquista histórica, que fortalece a luta por acessórios e justiça racial no Brasil”, destaca Iêda. “O humor, quando reproduz violências simbólicas, não é neutro nem inofensivo. Não se trata de ‘censura’, mas de responsabilização legal por atos que perpetuam o racismo estrutural. As declarações de Léo Lins sinalizam um avanço na responsividade do Estado diante de condutas que, antes, eram tidas como racismo recreativo e eram extremamente banalizadas. Racismo recreativo não é brincadeira. É violência. E violência racial, no Brasil, não é exceção – é regra, estrutural. Identificamos que determinado conteúdo reforça estereótipos, inferioriza culturas negras ou zombam de corpos negros, devemos dizer pelo nome: isso é racismo”, reforça.

“O direito antidiscriminatório brasileiro está marcado por normas constitucionais e infraconstitucionais e forte protagonismo da jurisdição do STF, calibrado por restrições internacionais de direitos humanos”, pondera Fernanda Borges. “No caso do humorista Léo Lins, a sentença penal condenatória foi muito bem fundamentada pela juíza, inclusive na parte da dosimetria da pena. Mas dá para discordar? Dá para dizer que a pena é desproporcional? Acredito que sim, inclusive esse é o papel da defesa, que deve recorrer à decisão para questionar os critérios adotados na dosimetria da pena, por exemplo. Agora dizer que a sentença é um absurdo ou que não tem respaldo legal, não dá! Ou ainda promover uma perseguição digital contra a magistrada é inaceitável”, opina.

“A resposta da Justiça no caso Léo Lins representa um avanço simbólico e institucional importante, sobretudo porque sinaliza que o Estado brasileiro começa, ainda que tardiamente, a romper com a lógica da impunidade quando o racismo se disfarça de humor, de opinião ou de liberdade artística”, considera Iêda Leal. “Ao condenar práticas como as do humorista, o Judiciário autoriza que a dignidade das pessoas negras — e de outros grupos historicamente marginalizados — não é negociável, nem pode ser objeto de escândalo público, especialmente em um país que se estrutura sobre desigualdades raciais profundas.” Já existe uma dúvida consolidada sobre questões ligadas a discursos de ódio e que tipo de resposta judicial é preciso dar a eles no Brasil.

“Em janeiro de 2023, o Congresso aprovou a Lei 14.532 que pune com mais rigor a ofensa resultante do preconceito de raça ou de cor em ambiente recreativo, o racismo recreativo, termo criado pelo jurista brasileiro Adilson José Moreira”, conta Fernanda Borges. “Esse é um ponto interessante para discussão, pois a lei trouxe uma pena mais severa e uma das garantias fundamentais prevista no art. 5º, inciso XL, da Constituição de 1988, é que a lei penal não pode retroagir, salvo para beneficiário o réu. A defesa de Léo Lins alegou que a lei estaria retroagindo para prejudicar, pois o show de humor é de 2022. Apesar do show ser de 2022, só foi retirado das redes digitais, em especial, do YouTube, em agosto de 2023, por decisão judicial, quando essa nova legislação já havia sido aprovada e estava em vigor.”

Ainda em 2003, uma decisão do Supremo Tribunal Federal, relatada pelo ministro Moreira Alves, impediu que um livro com conteúdo antissemita tivesse sua publicação liberada, na qual afirma-se que a liberdade de expressão não é absoluta. “O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que impliquem ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal. O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em segurança de condutas ilícitas. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humano”, atestou.

Opiniões divergentes

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Dani Calabresa (João Cotta / Globo)

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O caso Léo Lins causou uma divisão de opiniões entre aqueles que acreditam que ele merece ser punido pelo conteúdo discriminatório de seus programas e aqueles que entendem que são apenas piadas. “Conheço o Léo há muito tempo e ele manda muito bem no stand-up. É um cara muito engraçado. Ele decidiu ir para um caminho incorreto, não sei nem definir o humor que ele faz. Tem público e ele escolheu isso. Eu não consigo passar pano pro conteúdo dele, mas não dá para prender um comediante por piada. Essa não é a solução. Tem uma zona nebulosa entre a nossa liberdade artística e nossa responsabilidade”, disse o comediante Dani Calabresa, em entrevista ao podcast Desculpa Alguma Coisa, de Tati Bernardi. Já Pedro Cardoso declarou que Léo Lins difunde “mensagens fascistas”.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, o comediante Hélio de la Peña defendeu que “não cabe ao Ministério Público definir o que deve ser dito”. Já o apresentador e comediante Danilo Gentili, que também já foi processado por injúria em razão do que disse como sendo uma piada, saiu em defesa do colega de profissão. “Piadas não geram gente morrendo, não geram intolerância, preconceito. São apenas piadas. Nos últimos tempos, algumas autoridades passaram a tratar comédia e ficção como se fosse verdade. Isso é regressão.” Em uma de suas falas no show e no vídeo que publicou no YouTube, Lins afirma que a melhor forma de uma pessoa emagrecer é “pegando AIDS”, diminuindo que a pessoa deve sair “comendo gay sem camisinha”. Depois, admita: “essa piada é preconceituosa”.

“A forma como a sentença do caso Léo Lins circulou e foi noticiada por boa parte dos meios de comunicação é problemática, pois além de desinformar, gera uma ideia equivocada de que o Poder Judiciário estaria censurando ou punindo o humorista simplesmente por fazer piadas inofensivas e não por ter acusações ofensivas que são tipificadas como crimes no Brasil”, critica a professora de Direito Constitucional, Fernanda Borges. “Casos que envolvem liberdade de expressão são sempre difíceis, manchetes superficiais e inverídicas atrapalham e tumultuam a compreensão do tema e dos argumentos divergentes. Minha sugestão é que as redes sociais aproveitem o caso para discutir conceitos importantes como racismo recreativo e direito internacional dos direitos humanos”, sugere.

A defesa de Léo Lins recorreu da sentença alegando que o comediante incorpora um personagem. “É uma persona cômica que chorou ao longo de dez anos. Um humorista no palco interpreta um personagem. Então, se eu assistir um filme de romance posso processar os atores por atentado ao pudor?”, pergunta. É uma linha de argumentação que leva o debate para outras produções artísticas, como filmes, séries e novelas, onde também existem personagens que cometem crimes variados, entre os quais, racismo, homofobia e intolerância religiosa. “É preciso investir em uma formação cidadã antirracista, que trate o humor, a arte e o entretenimento como linguagens que precisam estar comprometidas com os direitos humanos”, aponta Iêda Leal, do Movimento Negro Unificado.

Tradição de preconceitos

Basta assistir a um programa de humor mais antigo para constatar o que aquelas atrações do passado usavam e abusavam dos mais variados preconceitos. Eram outros tempos, muitos deles anteriores às legislações que qualificaram o racismo e a homofobia, por exemplo, como crimes. Nas épocas em que essa discussão não estava postada e grupos marginalizados ficaram calados, não havia tanto debate a respeito dos limites de uma piada, de um esquete, de apelidos racistas e discriminatórios. Um bom exemplo daquele tempo era o tratamento dado aos humoristas negros de sucesso. Mussum e Tião Macalé, no programa Os Trapalhões, eram frequentemente comparados a macacos, urubus e eram alvos preferenciais de brincadeiras maliciosas ligadas ao cor da pele.

"Na época, a gente fazia como uma brincadeira. Como se fôssemos duas crianças em casa brincando. A intenção não era ofender ninguém", já declarou Renato Aragão, quando confrontado com a postura que tinha com seu companheiro de cena. “Ninguém entendeu isso como racismo.” Outra prática muito usual no passado era o rosto negro, quando atores e atrizes brancas pintavam o rosto de preto para ridicularizar alguma situação que envolvia pessoas negras. Isso aconteceu em um episódio do humorístico Sai de Baixo, quando Tom Cavalcante se travesti de uma empregada doméstica negra. Fernanda Torres, em um quadro no Fantástico, também chegou a fazer isso. Na campanha do Oscar, ela se desculpou por ter gravado aquele conteúdo, convidando todos a melhorarem suas posturas.

Na Escolinha do Professor Raimundo, um dos personagens mais caricatos era o Seu Peru, cheio de trejeitos exagerados associados aos homossexuais. Aliás, em geral, nas vezes em que os gays eram retratados, isso acontecia de forma pejorativa ou como algo negativo, a ser ridicularizado. Hoje há mais cuidados com essas questões, o que não quer dizer que as polêmicas desapareceram, como o caso Léo Lins comprova. O comediante brasileiro condenado é adepto de um tipo de humor muito popular nos EUA. O stand-up comedy fez fama de astros e estrelas por lá, mas de vez em quando as consequências do gênero saem do controle. Foi o que aconteceu na performance de Chris Rock na festa do Oscar, que levou um tapa na cara de Will Smith após uma piada com a doença da esposa do ator.

São muitas as situações em que o humor é confrontado com seu passado – e até seu presente – politicamente incorreto. O personagem Caco Antibes, do Sai de Baixo, vivia mandando sua esposa Magda calar a boca e ameaçando-a de agressão física. Já Nazareno, criação de Chico Anysio, fazia algo parecido, proferindo ofensas seguidas à sua mulher enquanto assediava a empregada da casa. Na sitcom Toma Lá, Dá Cá, o alvo era a personagem Deisi, vivida por Norma Bengell, perseguida por ser lésbica. Até quando a intenção era fazer algum tipo de homenagem, havia escolhas controversas, como o Capitão Gay, de Jô Soares, um super-herói muito carismático, mas extremamente caricato. Isso sem falar na misoginia e gordofobia que existiam na TV Pirata e no Casseta e no Planeta Urgente.

Não é possível fazer uma discussão de forma anacrônica, cobrando de produções do passado a postura que é ordinária no presente, mas o debate a respeito foi aberto e não há mais salvo-condutos para produzir conteúdos preconceituosos como se eles não tivessem efeitos sociais. “A nossa luta também é pela produção de novas narrativas. O humor pode e deve existir, mas há inúmeras formas de fazer rir sem fazer sangrar. É possível rir com o outro — não às custas do outro. Precisamos ocupar os espaços da cultura com uma nova estética: a estética do respeito, da beleza negra, da alegria que não exclui”, reafirma Iêda Leal, do Movimento Negro Unificado. Uma conscientização que problematiza a produção não só sem humor, mas também em outras esferas criativas.

A TV Globo tem tido mais cuidado com suas novelas nesse sentido, fazendo com que artistas pretos sejam protagonistas e deixem de ser escalados apenas para papéis secundários ou de serviços. A literatura brasileira também teve um protagonismo negro, indígena e das comunidades LGBTQIA+ muito mais pronunciado do que algumas décadas atrás. No cinema e seriados produzidos aqui, as aparências são semelhantes. Esse contexto tem o poder de desestimular que a produção atual incorra nos mesmos erros das épocas passadas. Ao mesmo tempo, encontrar o equilíbrio entre combater preconceitos sem descambar para a censura é algo necessário. O que vem acontecendo ultimamente, porém, é uma reflexão que continua a ser bastante seletiva.

Se os crimes de racismo, homofobia ou apologia à pedofilia contidos nas piadas de Léo Lins são debatidos sob a luz do direito da liberdade de expressão, outros casos, como os dos MCs Poze do Rodo e Oruam, detidos por fazer apologia ao narcotráfico e as facções criminosas, não ganharam o mesmo tratamento. No caso dos raps e dos funks, as vozes que se levantaram para o defensor Léo Lins não se mobilizaram em prol de uma suposta liberdade de expressão nas letras dessas músicas. Na verdade, a depender da posição política de quem comenta, a atitude se inverte em ambos os casos. Dicotomia que também foi vista em episódios recentes de censura, como a sofrida pelo escritor Jeferson Tenório, que publicou seu livro, O Avesso da Pele, atacado e boicotado pelas forças conservadoras.

O riso que machuca: quando o humor extrapola o entretenimento

Especial

Difícil imaginar o que passa na cabeça de uma atriz e comediante de Curitiba que, em 15 anos de carreira, conquistou feitos tão impressionantes quanto Bruna Louise. Coroada rainha da comédia, ela chega a Goiás com o show O que Passa na Cabeça Dela. As apresentações serão neste sábado (28), no Teatro Rio Vermelho, em Goiânia, e no domingo (29), no Teatro São Francisco, em Anápolis. A procura por ingressos foi tão grande que sessões extras foram abertas, somando quase 6 mil espectadores apenas em Goiânia.

Por onde passa, Bruna arrasta multidões com seu humor ácido, irreverente e extremamente pessoal. Sua comédia é marcada pela franqueza e pela habilidade de transformar vivências – muitas vezes verdadeiras “desgraças da vida” – em piadas afiadas. Ela interage intensamente com a plateia, reservando um tempo de cada apresentação para o improviso. É nesse momento que surgem situações hilárias, como quando brincou com uma psicóloga sobre as fofocas dos pacientes ou quando se surpreendeu ao conhecer um homem chamado “Brasil”.

Ela diz adorar esse contato direto com o público, especialmente com quem topa entrar na brincadeira. Essa troca permite que as piadas surjam de forma leve, espontânea e sempre muito engraçada. O humor ousado, com generosas doses de acidez, conquistou milhões de fãs nas redes sociais - são mais de 6 milhões no Instagram, 3 milhõesno YouTube, além do TikTok. E em um universo ainda dominado por homens, Bruna fincou seu espaço no stand-up. “Chegou a vez da mulher também falar o que pensa — e com muito humor, por que não? Eu trago minha perspectiva sobre o mundo, tiro sarro dos meus próprios problemas e acredito que essa é uma forma de quebrar comportamentos e, quem sabe, normalizar alguns tabus”, diz ela sobre o novo espetáculo.

A trajetória de Bruna no humor não começou do dia para a noite. Após dez anos dedicados ao teatro, ela se viu atraída pelo stand-up – ainda que, no início, achasse uma “doidice” subir sozinha ao palco. A transição para a comédia solo foi gradual, em um ambiente onde, segundo ela, havia pouquíssimas mulheres. Mas bastou a primeira risada da plateia para acender um vício. Desde então, Bruna construiu uma carreira sólida, e em 2025 comemora 15 anos nos palcos.

Um dos momentos mais pessoais de sua trajetória é o especial Burnout, disponível gratuitamente no YouTube. O título surgiu após uma conversa com sua psiquiatra, que a diagnosticou com a síndrome ao ver sua agenda lotada. No espetáculo, Bruna fala abertamente sobre os sintomas que enfrentou: crises de ansiedade, insônia, suores frios, choro “do nada” e até o sentimento estranho de sofrer pela “morte de parente que ainda não morreu”. Ela vê o show como uma forma de assumir sua condição e transformá-la em arte: “Muita gente já teve e nem sabe”.

A vida pessoal é realmente a principal matéria-prima para seu humor. A rotina da comediante é intensa. A agenda está lotada até o fim do ano, com folga apenas às segundas – dia que ela define como “internacional de resolver coisa”. E mesmo quando não está nos palcos, segue trabalhando: revisa piadas, cuida de textos e grava tudo com sua equipe, sempre em busca de afinar o material. Para aguentar o ritmo, ela prioriza o descanso, evita baladas pós-show e compartilha truques de sobrevivência no caos da estrada.

Serviço: 
Evento: Bruna Louise – O Que Passa na Cabeça Dela 
Goiânia 
Data: Sábado, 28, às 18h (esgotada), 20h30 (esgotada) e 22h30 
Local: Teatro Rio Vermelho. Rua 4, nº 1400 – Centro 
Anápolis 
Data: Domingo, 29, às 18h (esgotada) e 20h. 
Local: Teatro São Francisco. Av. Pinheiro Chagas, 405-521, Jundiaí 
Ingressos: custam entre R$ 35 e R$ 140 e estão à venda no site Ingresso Digital

Mais informações: culturadoriso.com.br

Entrevista - Bruna Louise

“Eu escolhi me expor”

O espetáculo O Que Passa na Cabeça Dela tem feito muito sucesso com o público. Como você descreveria a mensagem central do show? 
Acho que é tudo o que estou vivendo no momento. Esse é um show que muda muito, justamente porque reflete o que está passando na minha cabeça agora. Trago atualidades — tanto do mundo quanto da minha vida pessoal — e tudo isso vira material de humor. É um show leve, divertido, com espaço até para fofoca. Por isso o nome é tão certeiro: O Que Passa na Cabeça Dela é exatamente isso, o que está passando por mim agora.

Quais foram seus maiores ídolos e referências artísticas, dentro e fora da comédia? 
Com certeza não tem como deixar de citar a Dercy Gonçalves. Ela é uma imagem muito potente para mim, não só como mulher, mas como comediante, por todos os tabus que quebrou. A biografia dela me tocou profundamente, especialmente o fato de transformar a própria tristeza em comédia. Isso foi um divisor de águas na minha carreira.

Ao longo da carreira, você enfrentou reações por conta do humor ácido e dos temas que aborda. Como você lida com essas situações e que impacto elas tiveram no seu crescimento profissional? 
Olha, eu nunca me envolvi, na verdade, em grandes polêmicas. O que enfrento de forma constante são críticas contundentes, muito mais por ser mulher do que pelo que falo. Entendo que esse ódio não é pessoal, mas direcionado ao gênero. E como eu lido? Com muita terapia (risos). Às vezes tenho vontade de sair armada, sim, mas prefiro lidar com isso fazendo o que mais amo: piada.

Quais foram as maiores dificuldades para se afirmar num meio ainda predominantemente masculino? 
O cenário da comédia ainda é bem mais exigente com as mulheres. E isso não vale só pra comédia, é para todas as profissões. A gente tem que provar mais. Então o conselho que eu dou — e não é só pra comediante — é: não seja apenas focada, seja obcecada. Isso constrói uma carreira.

Você também atua em outras plataformas, como reality shows e redes sociais. Como enxerga a evolução da sua carreira? 
Na verdade, tudo que faço fora do stand-up tem o objetivo de fortalecer meu trabalho como comediante. Tudo é voltado para o humor e para vender ingresso pro meu show. Agora mesmo estou envolvida no lançamento de Aberto ao Público, novo programa de humor da TV Globo que estreia dia 6 de julho. Estamos muito empolgados com esse formato e torcendo para que o público se divirta — e, claro, compre ingresso pro meu show!

Sua vida pessoal, como a bissexualidade, aparece com naturalidade no seu conteúdo. De que forma isso influencia sua relação com o público? 
Meu conteúdo é muito ligado à minha vida pessoal. Claro que escolho o que vou dividir, mas principalmente nesse show novo, que marca um momento especial da minha carreira, compartilho bastante. Quem acompanha meus shows, acaba seguindo minha vida como uma série ou um diário. Não tenho por que esconder minha bissexualidade ou outras partes importantes da minha história. O que preservo são as identidades — tipo, falo do boyzinho, mas não falo o nome. Eu escolhi me expor, mas quem convive comigo não precisa estar exposto. No mais, uso minha vida como matéria-prima para comédia mesmo.

Que lembranças você tem de suas passagens por Goiás? 
Adoro Goiás, amo Goiânia! Tenho lembranças ótimas. Teve uma vez que eu enchi a cara e tropecei na rua — só não fui direto com a cara no chão porque caí em cima de dois homens, que eu tenho certeza que eram uma dupla sertaneja (risos). Cada vez que volto o público cresce, e dessa vez não está sendo diferente. Pela primeira vez, farei três sessões em Goiânia. Estou muito animada pro show de sábado e também para o domingo, em Anápolis. Espero todo mundo lá!

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Comediante Bruna Louise chega a Goiás com o show 'O que Passa na Cabeça Dela'

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Stand-up feminino: Mulheres empreendem com criatividade e buscam mais espaço em mercado majoritariamente masculino

RINDO COM ELAS

Prepare o riso: ele voltou com tudo. O humorista Marco Luque chega em Goiânia com seu espetáculo É Disso Que Eu Tô Falando, com apresentação nesta sexta-feira (6), às 21 horas, no Teatro Rio Vermelho. O show traz releitura de personagens como Jackson Faive, Mustafary, Mary Help e Silas Simplesmente, com textos inéditos e direção de Luque e Guilherme Rocha.Marco Luque é muito querido dos goianos e não faz muito tempo que ele esteve na capital. Em outubro de 2024, o artista veio com a turnê de encerramento do stand up Dilatados, em que ele estava rodando o Brasil há mais de três anos. Em 2025, ele fez a estreia do espetáculo É Disso Que Eu Tô Falando, em que revive quatro figuras inesquecíveis da sua carreira. Jackson Faive, o motoboy paulistano, volta com toda sua irreverência e gírias típicas para contar suas aventuras urbanas mais recentes. Silas Simplesmente, o taxista, traz reflexões cômicas sobre seus casamentos mal sucedidos e o dia a dia no trânsito. Mary Help, a diarista carismática e desastrada, promete momentos de descontração com seus causos de trabalho e conselhos imperdíveis ao público feminino. Já Mustafary, o rastafari pseudo-ambientalista chega com suas novas filosofias, no mínimo contraditórias, sobre as soluções que ele pensa ter encontrado para a resolução de todos os problemas do nosso planeta.Ao POPULAR, em 2024, o humorista falou sobre o gosto dos públicos por esses personagens. “Acredito que tem a ver com a identificação. As pessoas de certa forma se sentem representadas. Quando estou caracterizado de Jackson Faive, principalmente, recebo muito carinho dos motoboys por onde passo, dizendo que eles acompanham meu trabalho e que ficam orgulhosos de terem um representante da profissão e que mostra um pouco do cotidiano difícil que muitos deles passam”.O humorista ganhou projeção nacional na bancada do CQC, da Band. Depois, teve quadro fixo no Altas Horas, da TV Globo; participou da série Nova Escolinha do Professor Raimundo, em 2017 e 2018; e atuou no cinema nos filmes O Homem Perfeito (2018), Passagrana (2023), Stand-up – Minha Vida é uma Comédia (2023), além da minissérie No Corre – Partiu Entrega, de 2024. Ao longo da carreira, criou mais de 15 personagens, 30 vozes diferentes e já foi assistido por mais de 350 mil espectadores no Brasil e nos EUA. ()ServiçoEspetáculo É Disso que eu Tô Falando, com Marco LuqueData: Sexta-feira (6), às 21hLocal: Teatro Rio Vermelho / Rua 4, 1.400, CentroIngressos: de R$ 45 a R$ 120Classificação Indicativa: 14 anosInformações: ingressodigital.com